quinta-feira, 8 de junho de 2023

A Polónia poderá ser uma das grandes potências da NATO, se…

 

Enquanto a Ucrânia se debate com a guerra, que deixa o país despedaçado (até uma barragem recém-destruída gerou o pânico na população), e sem ultrapassar outras dificuldades que lhe dificultam a adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN), a Polónia está a perfilar-se como superpotência na Europa Central. Com efeito, o desenvolvimento tecnológico, a capacidade de atração de capital estrangeiro, os resultados na educação e a transição para atividades de alto valor tornam a sua economia como uma das mais promissoras.

O primeiro ex-Estado soviético a abrir-se à democracia de mercado livre, sendo um dos que mais se destacam no fornecimento de armas à Ucrânia, goza de grande visibilidade e aspira a ser uma superpotência. No entanto, esta posição não está livre de ambiguidades, como se verá.

De 1989 até à pandemia de covid-19, tinha o crescimento económico maior e mais prolongado: foram cerca de 30 anos a crescer. Desde então, o aumento do produto interno bruto (PIB) foi de 3,7%, por ano, que deu, no total, perto de 400%. E, segundo o Eurostat, foi o país da União Europeia (UE) que mais cresceu em cadeia (3,9%), no primeiro trimestre de 2023.

Liam Peach, economista de mercados emergentes na consultora Capital Economics, em Londres, estima que o PIB per capita da Polónia será, em 2030, de cerca de 88% do que o Reino Unido registará. O trabalhista Keir Starmer, líder da oposição britânica previu que a economia do Reino Unido pode ser ultrapassada pela economia polaca, até ao final da década. E Daniel Fried, que se envolveu na aplicação de políticas norte-americanas na Europa, após a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – foi embaixador na Polónia, secretário de Estado Adjunto para a Europa, e ajudou a elaborar a política de ampliação da NATO para a Europa Central –, vê a Polónia a ganhar relevância, pelo grande e rápido crescimento económico, pela crescente capacidade militar, pela localização estratégica no flanco oriental da UE, durante a guerra atual, e pela posição como base logística de apoio a Kiev.

O setor industrial sofisticado, a prosperar e a diversificar-se, torna o país cada vez mais integrado nas cadeias de abastecimento europeias. Foi palco de grandes investimentos em novas áreas, como veículos elétricos e baterias de lítio, o que impulsiona o setor manufatureiro na cadeia de valor.

Com a Alemanha, a Oeste, a Chéquia e a Eslováquia, a Sul, a Ucrânia e a Bielorrússia, a Leste, e a Lituânia, a Norte, bem como graças ao aumento do investimento nos setores industrial e logístico, a Polónia está, na ótica de Liam Peach, “bem posicionada para aproveitar as interrupções causadas por fraturas mundiais”. E o crescimento da sua produtividade ajuda a convergência com a UE.

Há mais de três décadas, o economista norte-americano Jeffrey Sachs (conselheiro das Nações Unidas), perito em desenvolvimento sustentável, assessorou o movimento polaco Solidariedade e o governo do primeiro-ministro Tadeusz Mazowiecki, delineando o plano da transição polaca para uma economia de mercado. O capitalismo expandiu-se na Polónia, as contas públicas estabilizaram e a dívida pública reduziu-se grandemente. Todavia, a convergência não será tão grande que leve a Polónia a superar, na próxima década, a economia britânica, como salienta este economista norte-americano. No entanto, o dinamismo do seu crescimento é apontado como um exemplo para os países da Europa Ocidental. 

Como observa o jornal “The Telegraph”, a cidade de Breslávia, na Baixa Silésia, atrai grandes empresas de tecnologia, pela proximidade aos mercados alemão e checo, e alberga a maior base da empresa sul-coreana LG. E a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sustenta que o país prospera e eleva os padrões de vida com a transição do seu mercado para atividades mais lucrativas, batendo já a produção norte-americana de baterias de lítio para carros elétricos. Na verdade, entre os 38 países da OCDE, a Polónia distingue-se entre os seis mais bem-sucedidos no ensino (matemática, ciência e leitura), indicador que pode, no futuro, ditar ainda melhores resultados na economia.

Porém, como não há bela sem senão, um dos fatores que ameaçam a ascensão do país é o declínio da população, um facto desde 2011, tendo chegado, em 2022, ao nível mais baixo desde 1987. O Eurostat revelava, em dezembro de 2022, que a Polónia era o Estado-membro da UE que recebera mais refugiados ucranianos (mais de 54 mil), embora muitos tenham regressado ao país de origem. E Varsóvia conta com as migrações para a mão-de-obra, cuja escassez é crónica.

Outro problema que o país enfrenta é a inflação, que resulta, entre outros fatores, da guerra na Ucrânia, ali tão perto, que está a ser um empecilho para o seu crescimento, que parece desacelerar nos restantes meses deste ano, tendência que aumentará em 2024.  

O potencial da Polónia pode ficar comprometido pela polarização política interna, pela erosão do Estado de Direito e das normas democráticas e pelo hábito de alguns governantes de provocarem atritos com a Alemanha e com a UE, o que não se entende, face ao perigo da proximidade com a Rússia, cuja política é hostil aos países vizinhos integrados na NATO.  

O abandono ou a atenuação das normas democráticas, a manterem-se, serão desvantajosos para os negócios. Embora o desenvolvimento económico e a atração de investimentos estrangeiros pareçam sólidos, os conflitos por resolver com a UE, relativamente ao sistema judiciário, e a polarização política prejudicam a reputação do país como lugar para o investimento.

A Comissão Europeia preocupa-se com a falta de independência do poder judicial. O governo desmantelou a câmara disciplinar para juízes, em 2022, e substituiu-a por nova câmara, mas a Comissão não está convicta de que isso resolva os problemas, pelo que retirou o financiamento da UE. E a erosão dos princípios democráticos e do Estado de Direito só não teve, até ao presente, impacto sobre o investimento estrangeiro e não prejudicou a atratividade da Polónia como destino de investimento, porque a adesão à UE fornece uma rede de segurança para eventual erosão dos padrões democráticos.

Porém, a 4 de junho, cerca de 500 mil pessoas protestaram, nas ruas de Varsóvia, contra o governo, contestando o aumento do custo de vida e a mentira e clamando pela defesa da democracia, de eleições livres e da UE. O partido Lei e Justiça (PiS, direita no poder) e o seu líder, Jaroslaw Kaczynski, mantêm-se à frente nas sondagens para as legislativas de novembro.

O comprometimento das nomeações de juízes da oposição, de julgamentos livres e justos e da liberdade de imprensa levou a presidente da Comissão Europeia a avisar que Varsóvia só receberá as verbas do plano de recuperação e resiliência (PRR), 35 mil milhões de euros, quando respeitar “compromissos claros” do Estado de Direito.

Com a ameaça russa à porta e com o enclave de Kalininegrado a suscitar tensões diplomáticas, a Polónia reagiu com rapidez à guerra na Ucrânia, duplicando o efetivo das Forças Armadas, para 300 mil soldados, e aumentando as despesas com Defesa, para 4% do PIB. Estará entre os maiores exércitos da NATO, pois os Estados Unidos da América (EUA) pretendem construir o poderio militar da Polónia como baluarte na orla oriental da aliança.

Todavia é improvável que a Polónia se torne grande potência da NATO, porque a sua economia é pequena, embora venha a figurar perto do topo da lista de Estados que dedicam uma maior fatia do seu orçamento às Forças Armadas e à Defesa.

O governo do PiS é um dos maiores fornecedores militares da Ucrânia e mantém forte sentimento antirrusso. A segurança nacional tornou-se a grande prioridade da Polónia. Em proporção, gasta mais do que a maioria dos países da NATO, respondendo por 2,4% do PIB, em 2022. Foi a maior parcela, desde 1993. A meta, no início do ano, de aumentar os gastos militares para 4% do PIB, era demasiado ambiciosa. Contudo, é provável que os gastos militares ultrapassem 3% do PIB e permaneçam nesse nível até ao final da década.

Para Daniel Fried, a Polónia tem potencial para se assumir como potência militar na NATO, se o crescimento das forças polacas se sustentar, contra as pressões orçamentais. Há capacidade intelectual, dentro e fora do governo, para ajudar a liderar a política da UE, em relação à Rússia, à Ucrânia, à Moldávia e à Geórgia. A experiência polaca sobre esses países é profunda.

As relações com Moscovo podem fazer mossa na economia polaca, à medida que o país enriquece. O colapso das relações económicas entre a UE e a Rússia prejudicará a Polónia e a UE, salvo se for superado pelo renascimento da diplomacia, da paz, das negociações, das relações económicas e políticas. Esse tipo de fim negociado para a guerra não é popular na UE, mas é inteligente sob todos os pontos de vista: militar, securitário, político e económico.

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Entretanto, os poderes polacos vêm tomando medidas que beliscam a relação com a Rússia.

Segundo lei recentemente aprovada, a comissão de inquérito à influência russa na Polónia, escolhida pela câmara baixa do parlamento, pode proibir os visados de ocuparem cargos públicos. Os críticos consideram que se trata de um golpe constitucional, por violar o princípio da separação dos poderes (político e judicial), pois o organismo assume os poderes de procurador e de tribunal, e por se destinar a impedir que opositores da atual maioria conservadora, como o antigo primeiro-ministro Donald Tusk, assumam cargos de responsabilidade, caso vençam as eleições.

O governo não prevê recurso destas decisões, exceto em caso de irregularidades formais.

Alem disso, como refere a lei, citada pela agência France-Presse (AFP), um visado pode ser proibido de ocupar cargos públicos relacionados com o acesso às finanças públicas e com informações classificadas, durante 10 anos, para “evitar que volte a agir sob influência russa em detrimento dos interesses da República da Polónia”.

No início do mês de maio, o texto fora rejeitado pela câmara alta, controlada pela oposição, tendo a maioria nacionalista conseguido, depois, aprová-lo, em segunda votação, na câmara baixa, com 234 votos a favor e 219 contra.

Já antes, a procuradoria de Varsóvia abriu uma investigação ao líder do maior partido da oposição, Donald Tusk, por alegado abuso de poder enquanto primeiro-ministro, entre 2007 e 2014, a pedido do empresário polaco Marek Falenta, que alega que Tusk lhe investigara o negócio e o obrigara a parar de importar carvão da Rússia.

O empresário foi sentenciado a dois anos de prisão por organizar a gravação secreta de conversas privadas de líderes políticos e empresariais, em 2013 e em 2014.

As escutas telefónicas e a publicação das conversas privadas criaram um escândalo em 2014 que prejudicou a posição da Plataforma Cívica, partido pró-europeu de Tusk, e ajudou o PiS a conquistar o poder, no ano seguinte. À época, a Polónia importava grandes quantidades de carvão à Rússia, algo que Tusk tentava reprimir, procurando reforçar os laços com a UE. E, depois de o PiS ter assumido o poder, aumentaram as importações de carvão russo, embora se tenham bloqueado, neste ano, em retaliação pela invasão da Rússia à Ucrânia.

Por fim, é de referir que a Polónia vai mudar o nome da cidade russa de Kaliningrado, nos documentos oficiais, para Krolewiec, como era conhecida quando governada pelo Reino da Polónia, nos séculos XV e XVI, o que a Rússia considera um ato de loucura.

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Em suma, a Polónia, que não tem condições económicas para o efeito, será uma grande potência da NATO, se interessar aos EUA e à NATO ter um baluarte junto da Rússia. E as condições políticas vigentes são propícias para esse desiderato. Resta saber se o crescimento da Roménia (maior do que o de Portugal) também se porá ao serviço do “império”. Por isso, sempre duvidei do propalado crescimento dos países de Leste, mas só pelas condições laborais e pela má distribuição (capitalista) da riqueza. Agora, parece-me que o mal é pluriforme!

2023.06.08 – Louro de Carvalho

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