terça-feira, 27 de junho de 2023

Banca diz ajudar as famílias, mas os juros do crédito sobem

 

O presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), Vítor Bento, em entrevista conjunta ao jornal Diário de Noticias (DN) e à rádio TSF, considera ser “do interesse geral dos bancos” ajudar os clientes com dificuldades no pagamento das prestações da casa. Além disso, afirmando que a banca vem ajudando as famílias em dificuldade, enumerou as medidas postas em prática, nomeadamente, a renegociação dos créditos ou a bonificação dos juros, e negou que haja “situações críticas”. Estão mesmo contentes as famílias?

O banqueiro disse ainda acreditar que a renumeração dos depósitos vai aumentar. “Não tenho dúvidas de que vai, inevitavelmente, haver um processo concorrencial, porque acima de tudo, nestas coisas, o que é essencial assegurar é que haja concorrência; e, para haver concorrência, [são precisos] os dois lados, isto é, é preciso também que os clientes sejam parte ativa nessa concorrência”, vincou. Venha daí esse aumento!

Furtando-se à pronúncia sobre a atualidade política, o presidente da APB, ao equiparar um governo a uma equipa de gestão, insinuou uma remodelação governamental: “As equipas de gestão são compostas por um líder e por uma equipa que tem de ser o mais funcional possível. Portanto, compete ao líder dotar-se da equipa que seja o mais funcional possível e, portanto, as fraquezas da equipa refletem-se na performance do líder e a performance do líder, as escolhas do líder, refletem-se nas capacidades da equipa.”

Por último, alertando para os riscos de a inflação perdurar no tempo e como isso potencia uma nova recessão, apelou a que se mantenha a inflação “contida”.

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Por sua vez, o governador do Banco de Portugal (BdP), em artigo de opinião, publicado a 23 junho, no Público (acesso condicionado), de olhos nas previsões de crescimento “exigentes”, pede “estabilidade” e chama os bancos a remunerar depósitos e os retalhistas a baixar preços, face à quebra da inflação. Parece estar em linha com as recomendações do Presidente da República (PR). Com efeito, segundo Mário Centeno, os cenários de crescimento da economia portuguesa acima de 2,7%, nos próximos três anos, só poderão materializar-se, se a “estabilidade e previsibilidade, financeira e de políticas” dos agentes económicos e sociais se mantiverem, já que as projeções são “exigentes para todos os que querem ver Portugal continuar a convergir com a Europa”. E deixa recado à banca, para aumentar as taxas de juro dos depósitos; e aos retalhistas, para começarem a refletir a inflexão do choque nos preços internacionais nos preços finais. Esperemos que a sede do lucro não obnubile o recado!  

Na verdade, o Boletim Económico, de junho, do BdP “não é otimista, nem benevolente”; ao invés, “é muito exigente”. Por isso, Mário Centeno frisou que “prolongar ciclos económicos não é simples e pode levar à acumulação de tensões”, que se fazem sentir nos preços, em situações em que os ativos ficam sobrevalorizados e, posteriormente, os ajustamentos podem ser abruptos e desestabilizadores, pelo que “as políticas não podem ser expansionistas nesta fase do ciclo”.

Para Centeno, a banca “deve continuar a reduzir os riscos, remunerar o seu passivo e apoiar a economia portuguesa”. 

Ademais, o governador do BdP recomenda que devem ser compreendidos os impactos de “natureza temporária” da crise inflacionista que, no ano de 2022, evoluiu de forma sucessiva, tendo-se alastrado em 2023, ainda que de forma menos expressiva. Em maio, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que a inflação se situou nos 4%.

Perante a descida da inflação, que acompanha a tendência internacional, Centeno quer que isso se reflita nos preços ao consumidor. E, em nome da estabilidade, sustenta que é “necessário manter a redução do endividamento e aumentar a poupança”, bem como apostar na valorização da mão-de-obra estrangeira: “É necessário […] abrir as nossas fronteiras ao conhecimento e ao trabalho de todos os que possam contribuir para o sucesso da nossa sociedade.”

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Entretanto, A vice-diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, alertou, num discurso, intitulado “Três verdades incómodas para a política monetária”, inserido no jantar de abertura do fórum anual do Banco Central Europeu (BCE), em Sintra, avisando que inflação está a ser mais persistente do que o esperado, defendeu que os governos devem “poupar” a receita extra que estão a conseguir com a subida de preços.

Referindo-se a “verdades desconfortáveis” com que se confronta a política monetária, a nível internacional, Gopinath afirmou que o BCE “deve continuar comprometido em combater a inflação” na Zona Euro, mesmo se, com isso, correr o risco de prejudicar o andamento da economia, e que os bancos centrais deverão continuar a sentir mais pressões inflacionistas do que antes da pandemia.

A vice-diretora do FMI notou que os mercados financeiros “estão particularmente otimistas”, antevendo que a inflação aliviará para “níveis próximos da meta, de forma relativamente rápida”. Todavia, há fatores que podem levar a que a subida dos preços seja domada mais tarde do que o esperado pelos investidores. Apesar do alívio da taxa de inflação homóloga a que se tem assistido na Zona Euro, o que está relacionado com o efeito de base e com a quebra nos preços da energia, Gita Gopinath apontou para outros fatores que ajudam a entender por que se tem mostrado persistente a inflação: apesar da maior subida de juros da história do BCE, a economia só desacelerou de forma modesta e a taxa de desemprego continua em “mínimos históricos”.

O mercado de trabalho resiliente, as famílias com poupanças do tempo da covid-19 e a procura por bens e serviços em níveis elevados são fatores que explicam por que os preços continuam a subir a ritmo acima do desejado por todos. Por isso, a oradora deixou uma mensagem aos responsáveis pela política orçamental: “No mínimo, é absolutamente crítico para os governos da Zona Euro que resistam a qualquer tentação de diluir a redução do défice que está atualmente projetada nas suas políticas.” E, se forem precisos apoios, devem ser “bem direcionados”, em vez de atribuídos de forma mais generalizada.

Já a receita fiscal extraordinária obtida pelos países com os preços mais elevados na economia “deve ser poupada”. Em simultâneo, os bancos também devem “poupar” os “lucros recorde” – que são “temporários”, avisou –, reforçando as respetivas almofadas de capital.

Por fim, alertou que, se as economias acabarem por tolerar uma inflação elevada por demasiado tempo, alimentando as expectativas de inflação dos agentes económicos e alterando as dinâmicas inflacionistas, “os custos de combater a inflação” serão “significativamente maiores”.

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Como previsto, está a decorrer, de 26 a 28 deste mês de junho, em Sintra, o Fórum BCE 2023, o simpósio anual dos bancos da Zona Euro, que trouxe ao país diversos especialistas da área e que foi inaugurado com um jantar em que discursou a convidada referida. Porém, o debate começou com o discurso de abertura da presidente do BCE, Christine Lagarde, pelas 9 horas do dia 27, após o que seguiram os painéis do programa, sobre os choques na oferta, os custos da inflação e mudanças estruturais nos mercados energéticos.

Segundo o site do BCE, o fórum tem como tema central “Estabilização macroeconómica num ambiente de inflação volátil” e decorre sob a moderação de Claire Jones, editora de Notícias de Economia, do Finantial Times.

Do programa, além do referido, constam sessões temáticas, em que é apresentado um artigo de título atinente ao tema, com subsequente debate, e painéis temáticos.

As sessões são as seguintes:

- Sessão 1: “Política monetária diante de múltiplos choques de oferta”; artigo “Política monetária diante de choques de oferta: o papel das expectativas de inflação”, de Silvana Tenreyro, do Banco de Inglaterra.

- Sessão 2: “Avaliando os custos da inflação”; artigo “Inflação e má alocação em novos modelos keynesianos”, de Frank Elderson, da Luiss University.

- Sessão 3: “Normalização da política comunitária”; artigo “Política de balanço acima do ELB” (Effective Lower Bound – Limite Mínimo Efetivo), de Annette Vissing-Jorgensen, conselheira sénior, do conselho de governadores do Federal Reserve System.

- Sessão 4: “A combinação ideal de política fiscal e monetária no contexto de alta inflação”; artigo “Política fiscal não convencional em tempos de alta inflação”, de Pierre-Olivier Gourinchas, conselheiro económico e diretor do Departamento de Pesquisa do FMI.

Os painéis são os seguintes:

Painel 1: “Mudança estrutural nos mercados de energia e implicações para a inflação”, moderado por Isabel Schnabel, membro o conselho executivo do BCE;

Painel 2: “Lições de experiências recentes em previsões macroeconómicas”, moderado por Philip R. Lane, membro o conselho executivo do BCE;

Painel de política, moderado por Sara Eisen, âncora do Closing Bell, CNBC (canal por assinatura da NBC Universal dedicado a notícias de negócios).

Para já e independentemente das conclusões do fórum, fica a premonição da presidente do BCE.

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De facto, Christine Lagarde antecipou, a 27 de junho, no Fórum do BCE, que, na reunião de 27 de julho, os juros voltarão a subir e que o ciclo não para, até estarem “em níveis suficientemente restritivos, para lograr um retorno atempado da inflação ao objetivo de médio prazo de 2%”. E garantiu que os juros elevados serão mantidos nesses níveis, enquanto for necessário.

A francesa que dirige o BCE centrou o foco no combate aos “espíritos vacilantes”, citando a ativista norte-americana socialista Helen Keller, a primeira surda e cega a graduar-se com um bacharelato, que escreveu, em 1903: “Os nossos piores inimigos não são circunstâncias beligerantes, mas espíritos vacilantes.”

Lagarde repisa que não há lugar para vacilação, tanto mais que entrámos numa “segunda fase” do processo inflacionista. A inflação global tem descido, mas a referida tecnicamente como subjacente (excluindo as componentes mais voláteis, como a energia), mantém-se em níveis persistentemente elevados.

A “segunda fase” do processo inflacionista tem, agora, protagonistas, a que não se pode fechar os olhos. Na mira estão uma vaga altista de salários nominais nos próximos anos e a estratégia empresarial de conservar ou de aumentar margens de lucro no quadro do processo inflacionista.

O primeiro protagonista é a dinâmica salarial. Os trabalhadores ficaram a perder com o choque inflacionista da primeira fase, pois sofreram grandes decréscimos dos salários reais, o que está a desencadear um processo sustentado de ‘convergência em alta’ dos salários, fazendo subir outras medidas da inflação subjacente que captam mais pressões internas sobre os preços – em particular, medidas da inflação sensível aos salários e medidas da inflação interna.

O segundo protagonista são as empresas. “A análise de sensibilidade realizada por especialistas do BCE sublinha os riscos que enfrentaríamos, se, ao invés, as empresas tentassem defender as suas margens”, referiu a presidente do BCE.

E a persistência do BCE em manter uma estratégia de aumento de juros sem vacilação advém ainda de uma outra “incerteza” – a de que o aperto monetário irá ter um impacto suficientemente restritivo na economia real em tempo útil. Assim, a ‘resistência’ do setor de serviços ao dinheiro mais caro e o atraso no choque decisivo sobre as famílias endividadas podem levar a que o ciclo de subida dos juros leve mais tempo e seja mais violento.

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Famílias sofrem, empresas arcam com maiores custos de produção e cidadãos protestam.

2023.06.27 – Louro de Carvalho

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