quarta-feira, 21 de junho de 2023

Ainda há 1300 freguesias sem um termal de multibanco

 

De acordo com um balanço atualizado fornecido pelo Banco de Portugal (BdP) ao secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Carlos Miguel, ainda há 1300 freguesias sem multibanco, ou seja, 42% estão fora desta rede. Foi uma primeira reunião entre o regulador e supervisor da banca e o governante, para debater a falta de cobertura de multibanco, o que implica, para as pessoas, viagens incómodas e custos acrescidos.

O mesmo balanço refere que são 14 mil as caixas de multibanco localizadas no país, as quais cobrem pouco mais de metade das 3.091 freguesias (a que acresce o concelho de Vila do Corvo, na Região Autónoma dos Açores, que não tem uma única freguesia).

Este número total de freguesias é o que resulta da reforma administrativa de 2013, que reduziu, em 27%, o número de freguesias de 4.259 para as atuais 3.091.   

Face à situação com que o país se depara, nesta matéria, Carlos Miguel, defendendo que deve cada freguesia ter, pelo menos, uma caixa automática de multibanco, espera que o desafio esteja concretizado, no máximo, até 2017.

É objetivo que o BdP não excluiu e que só implica um esforço adicional que não chega a 10% e que seria atingido em três ou quatro anos. Contudo, o critério da banca para assegurar a cobertura de toda a população na prestação deste serviço público é diferente do critério do secretário de Estado. A banca segue o critério da distância entre a residência das pessoas ao multibanco, a qual variará entre 10 a 20 quilómetros. 

Carlos Miguel refuta essa regra, aduzindo que não pode ser aplicada em linha reta, mas segundo uma via de comunicação exequível, e que não pode ser igual em todo o território, pois 20 quilómetros demoram mais a percorrer em serra do que em planície ou em planalto. E o BdP prometeu ao Governo que o próximo estudo será feito mediante o percurso por estrada.

Assim, o secretário de Estado receberá o último estudo que irá cruzar com dados da Direcção-Geral do Território. E, sobre os contactos a fazer, sustenta que “é preciso dividir o mal pelas aldeias”, isto, é pelos diversos bancos, embora a Caixa Geral de Depósitos (CGD) tenha maiores responsabilidades.

Aliado ao objetivo da prestação deste serviço a todas as populações vem o de travar “os abusos” e “a escalada” das rendas de centenas de euros que os bancos exigem às juntas de freguesia, mesmo em centros urbanos.

O secretário de Estado anota que as rendas, que vão até 600 euros, não se cingem ao Interior e que os preços têm vindo a subir. Além disso, há freguesias de zonas urbanas em que a banca exige o pagamento de renda, embora não se coloque ali o problema da falta de procura. Por exemplo, Olivais, em Lisboa, paga 307 euros ao Novo Banco, para ter das caixas de ATM (automated teller machine, vulgo multibanco), e Póvoa de Santo Adrião, em Odivelas, paga ao Santander 246 euros, para o mesmo efeito.

Em contrapartida, na reunião que o governante teve com o BdP, foi-lhe dito que Portugal é dos poucos países europeus onde não se cobra taxa de levantamento. Todavia, o BdP diz que não se justifica o abuso e o aproveitamento. Por isso, o supervisor e o Governo vão analisar os custos para identificação das rendas excessivas.

Depois, com o novo diagnóstico a que procederá o BdP, será feita uma aproximação às instituições bancárias que operam nos territórios com cobertura deficitária, numa estratégia articulada com a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), em nome da coesão territorial.

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O problema não é novo. Já em 1 de junho de 2022, Tiago Soares, jornalista do Expresso, dava conta da situação, apontando que havia várias freguesias do país – sobretudo no Interior – sem uma caixa multibanco e que a falta de dinheiro físico prejudicava a economia local e a vida das populações, tendencialmente envelhecidas e menos capazes de utilizar os meios de pagamento digitais. Os autarcas diziam que era difícil chegar a acordo com os bancos nacionais para a instalação destes equipamentos, pelo que a ANFRE iniciou contactos com a empresa norte-americana ATM Euronet, a fim de estabelecer um protocolo que garantisse terminais em todas as freguesias que os não os têm.

“É um problema que a ANAFRE ainda não conseguiu resolver”, dizia Jorge Veloso, presidente da ANAFRE e da associação e da União das Freguesias de São Martinho do Bispo e de Ribeira de Frades, em Coimbra, referindo que a junta que lidera tem um multibanco instalado pela CGD), mas que o acordo com o banco público é antigo. A ANAFRE não sabia, ao certo, o número de freguesias sem acesso ao serviço multibanco, mas Jorge Veloso avisava: “Estamos a falar de centenas de freguesias. Há 3091 no total, e uma boa percentagem não tem.”

O problema não era novo, já na altura. E o BdP alertava: “Sem a existência de qualquer intervenção, as forças de mercado, agindo legitimamente em função do seu próprio interesse, conduzirão à supressão de um serviço essencial, tendo por consequência a limitação do conjunto de instrumentos de pagamento ao dispor dos agentes económicos.”

O número de caixas multibanco em território nacional esteve dez anos a diminuir, mas no final de 2020, registou-se um aumento: 12.054 equipamentos, mais 409 em relação a 2019, segundo dados do BdP. Não obstante, a entidade alertava: “Com o objetivo de minimizar o impacto da inexistência de redes de acesso físico ao sistema bancário em determinadas geografias, deve ser estruturada uma resposta que permita a manutenção de uma infraestrutura adequada para facilitar a recirculação de notas e [de] moedas.”

Contas feitas, 77,79% da população portuguesa dispunha de, pelo menos, um terminal a menos de um quilómetro de distância da freguesia de residência; e 97,77%, a menos de cinco quilómetros. No entanto, o BdP reconhecia limitações nos critérios que levaram a estes números – como, por exemplo, o facto de as distâncias terem sido medidas em linha reta.

No congresso da ANAFRE, de março de 2022, foi aprovada uma moção que pedia esforços para instalar terminais ATM em todas as freguesias do país, através da CGD, lembrando “a sua função de banco estatal e [o] desempenho de serviço público a milhares de pessoas”. “Esta medida é de extrema importância tanto para a qualidade de vida das populações, bem como para a sua imperiosa segurança”, continua o texto, pois, “neste momento, existem populações que fazem dezenas de quilómetros sem transportes públicos e, muitas vezes, sem meios próprios para aceder a um banco ou mesmo a um terminal de multibanco”.

Os serviços no Interior são “cada vez mais diminutos” e este é particularmente “essencial”, sublinhava Nélio Painha, presidente da Junta de Freguesia de Santo Amaro, em Sousel, no distrito de Portalegre. “As pessoas levantam quantias significativas ou não depositam a reforma que vão buscar aos CTT. Guardam o dinheiro em casa, e isso é perigoso”, sinalizava.

Por exemplo, a freguesia da Beirã era a única no concelho de Marvão que não tinha um multibanco. “Temos muito turismo rural e não haver uma caixa afeta a economia da freguesia. Faz muita falta. As pessoas mais velhas não podem ir, todos os dias, ao balcão da CGD em Marvão”, lamentava o presidente da junta, Adelino Miguéns, que tentava resolver o problema, sabendo que “terá de ser a junta de freguesia a suportar os custos” de manutenção do equipamento.

Sobre esta matéria, o BdP sinalizava a importância de introduzir “iniciativas de literacia financeira para promover o acesso a outros meios de pagamento e a canais bancários alternativos” junto da população não digital. Com efeito, só 8,1% dos cidadãos com 70 ou mais anos diziam utilizar canais de pagamento digitais. Esta percentagem era de 27,6% entre os 55 e os 69 anos, bem abaixo da média nacional de 46%. Por exemplo, o recurso a apps de entidades bancárias e ao homebanking é maior junto de pessoas com mais habilitações literárias e mais rendimentos. Questionados sobre o porquê de não utilizarem as soluções digitais, 32,1% dizem que “têm dificuldade em lidar com a tecnologia” e 16% “não confiam que seja seguro”.

Por isso, Mariano Dias considerava que “o Estado central devia apoiar” as freguesias com acesso limitado ao dinheiro. Poderia fazê-lo através da CGD, que tem tantos lucros. Se o fizesse, satisfaria as necessidades das pessoas e acabaria por ter algum retorno.

Entretanto, a CGD garantia que “existem várias localizações onde foram recentemente instalados novas caixas automáticas através de acordos locais”. E acrescentando que tem cerca de 2500 máquinas a funcionar em todo o país, lembrava que Portugal é dos países europeus com maior número de multibancos por metro quadrado.

Sobre os critérios para instalar ou não o multibanco, a CGD assestava a mira na questão da rentabilidade: “A avaliação de eventuais novos equipamentos é efetuada de forma regular, tendo por base transações potenciais a nível local, de forma a cobrir os custos inerentes à operação.”

O Ministério das Finanças, apoiado num relatório do BdP referente a 2020, observava: “Ainda que identificando riscos a prazo, o estudo conclui que Portugal tem uma elevada cobertura do território nacional em termos de distribuição de numerário, notando que, em média, uma freguesia sem caixa automática ou balcão dista três quilómetros da caixa automática.” Por outro lado, o executivo estava “disponível para trabalhar com todos os atores envolvidos”, mas não especificava de que forma esse trabalho poderia ser feito.

Face às dificuldades em suprimir as falhas existentes, a ANAFRE virava-se para uma alternativa estrangeira: estabelecer um protocolo com a empresa ATM Euronet, que tem algumas condições, ao nível do acesso e da segurança, e até pagava às juntas para instalar os equipamentos. E fez uma “primeira abordagem” ao fornecedor norte-americano – que esteve presente em vários pontos do país, sobretudo em Lisboa e Porto – esperando resposta para reunir com a empresa e contando “acelerar o projeto” a breve prazo. Porém, tal diligência parece não ter dado o resultado pretendido e a situação é a descrita acima, com referência ao corrente ano.

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Como ficou dito, o problema não é novo. Porém, agudizou-se com a dita restruturação a que procedeu a generalidade dos bancos, através do encerramento de balcões, da dispensa de trabalhadores (causa-me engulhos o termo colaborador, em vez de trabalhador), da criação e/ou aumento de custos das operações bancárias ao balcão (taxa por levantamento, por transferência e, até por depósitos), da eliminação da caderneta, do encarecimento do cheques (praticamente não se usam), das limitações ao acesso ao extrato (e à consulta) e do incentivo ao uso do cartão.

Já antes da reforma administrativa de 2013, se sentia a necessidade de aproximar a banca das populações e havia localidades a grande distância da sede da respetiva freguesia, o que se agravou com a redução do número de freguesias. Por isso, todo o esforço nesse sentido será sempre insuficiente.

A CGD tem responsabilidades acrescidas neste âmbito, por ser banco público, em que o erário tem injetado dos dinheiros necessários para evitar o seu colapso, e porque tem muitos clientes de magros recursos, com imensa fragilidade e clara iliteracia. E, como banco público, não pode argumentar com a rentabilidade, para descurar um serviço à população. Por sua vez, o BdP não pode argumentar que, em Portugal, não se paga taxa por levantamentos no multibanco, pois também os Portugueses vivem com mais dificuldades do que outros países e a banca paga uma ninharia em juros pelos depósitos a prazo.   

2023.06.21 – Louro de Carvalho

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