sábado, 3 de junho de 2023

Pelo reforço do Serviço Nacional de Saúde universal e eficaz

 

A 3 de junho, em Lisboa, centenas de manifestantes rumaram do Largo Camões à Assembleia da República (AR), em Lisboa, entoando “O povo merece +SNS”, em marcha de protesto convocada pelo Movimento +SNS, movimento cívico que pretende provocar um sobressalto cívico, em defesa do acesso à saúde e em reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Com a entoação do slogan principal desfilavam cartazes improvisados em cartão, com frases e palavras de ordem como “o SNS é de todos”, “Parem de vender o SNS”, “Salvar o SNS,” ou “A Saúde é um direito”. E a manifestação juntou utentes, profissionais de saúde, organizadores e simpatizantes do Movimento +SNS.

Em cima de uma carrinha de caixa aberta, no meio do Largo, houve intervenções e momentos musicais, que terminaram com o discurso crítico-político da médica endocrinologista Isabel do Carmo, em relação SNS, com foco na palavra “gestão” e a manifestar a crença de que “é possível salvar o SNS”. A ouvir a oradora, centenas de pessoas seguravam faixas com palavras de ordem em defesa do SNS, identificando associações de utentes e ligas de amigos de unidades de saúde, vindas, em alguns casos, do norte do país. E o início da subida em direção à AR fez-se ao som de bombos e de palavras de ordem em uníssono.

O Movimento +SNS, com pessoas de vários quadrantes políticos e diversas áreas profissionais, pretendia que a manifestação fosse um “grito de alerta” pelo reforço do SNS, cujo acesso diz estar “severamente comprometido”.

Em defesa do SNS “a pólis” saiu à rua, corporizando um movimento cívico que está a começar, mas que vai crescer, nem que seja “por teimosia” e sem esperar pelos políticos. A este respeito, disse à Lusa Constantino Sakellarides, antigo diretor-geral da Saúde: “Nós hoje deixamos em casa as pequenas guerrilhas político-partidárias que enchem a bolha mediática e política e descemos à rua, descemos à realidade, ‘descemos à cidade’, com um objetivo muito claro: chamar a atenção para a necessidade de assegurar que todos os nossos concidadãos têm acesso a cuidados de saúde de qualidade. É um objetivo fundamental, quase civilizacional, é um direito básico [...].”

O professor catedrático jubilado e especialista em saúde pública foi um dos primeiros subscritores do manifesto do Movimento +SNS, consciente de que esse caminho leva tempo.

O movimento fez uma pequena manifestação no 25 de Abril e esta, a segunda, não foi ainda a manifestação que gostaria de ter, mas promete continuar, para “conseguir mobilizar uma parte importante da sociedade portuguesa”. E Constantino Sakellarides, sustentando que esta é uma “questão da pólis, não só da política”, entende que todos têm a “obrigação de ajudar” a encontrar soluções para os problemas: “Não podemos descansar na cadeira, acusar os políticos e ficar à espera que as coisas aconteçam. Temos que fazer a nossa parte.”

Uma utente do SNS e membro da Liga dos Amigos da Unidade de Saúde Serpa Pinto, no Porto, dizia que deviam estar ali muito mais portugueses, os que precisam do SNS, pois quem é do privado e tem os seguros (pessoas com condições financeiras) não esteve ali. E acusou os “grandes lobbies” de quererem “destruir o SNS”. E um dirigente da associação Ur’Gente, de utentes do SNS do concelho de Porto de Mós, que nunca andou em manifestações, foi a Lisboa alertar que, no seu concelho, mais de metade das pessoas não tem médico de família e que há idosos a fazer madrugadas para conseguir consulta no centro de saúde.

Apesar do caráter cívico e apartidário, a líder do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, e o ex-deputado e ex-autarca do PCP, Bernardino Soares, marcaram presença na concentração no Largo Camões, a criticar o desinvestimento e a alertar para a necessidade de criar condições que fixem médicos e profissionais de saúde no SNS. Mariana Mortágua criticou o ministro da Saúde, por ter considerado o último concurso para médicos de família “um sucesso”, quando 70% das vagas ficaram por preencher, considerando fundamental ter profissionais bem pagos no SNS e criticando a contratualização de serviços ao privado a preço superior aos do público.

Bernardino Soares criticou os contratos com privados e vincou a necessidade de mais financiamento e de valorização das carreiras no setor, acusando o governo de “entreter os sindicatos em negociações que, depois, não concretiza em propostas”, a favor do setor privado.

O médico neurologista Bruno Maia, que foi candidato a bastonário da Ordem dos Médicos (OM) e é um dos principais dinamizadores do Movimento +SNS, vincou a necessidade de aposta nos recursos humanos e de um plano a longo prazo que garanta sustentabilidade. Viu a manifestação como um primeiro sinal a mostrar que a debilidade, a fraqueza do SNS diz respeito a todos e que a mobilização popular é necessária para influenciar políticas públicas. E frisou que, em maioria absoluta, o “instrumento para lutar contra as políticas que degradam o SNS é o povo na rua”.

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Em março, os médicos concentraram-se em frente ao Ministério da Saúde, devido à falta de compromisso da tutela em negociar as grelhas salariais e na falta de medidas para salvar o SNS.

Em abril, o Movimento +SNS lançou um manifesto, que abriu com a frase de António Arnault “O SNS é um património moral irrenunciável da nossa democracia” e esteve nas comemorações da revolução com uma ação de rua a alertar para a situação do sistema de saúde. E, desta vez, com pessoas de vários quadrantes políticos e diversas áreas profissionais, pretendia que a manifestação fosse um poderoso “grito de alerta” pelo reforço do SNS, cujo acesso está “severamente comprometido”.

Com nomes ligados à Saúde, como Constantino Sakellarides, já referido, e Francisco George, também antigo diretor-geral da Saúde, e com nomes ligados às artes, como os músicos Jorge Palma e Salvador Sobral, o realizador João Salavisa e os escritores José Luis Peixoto e Luísa Costa Gomes, o movimento lançou um manifesto, já subscrito por cerca de 3.000 pessoas, que pede a cura de um SNS, que “está doente”. Trata-se de “um movimento cívico, de pessoas”, não de um movimento partidário, nem sindical, nem de outra estrutura ou organização, embora com “pessoas de vários partidos e de várias organizações, nomeadamente sindicais”. Com efeito, como frisou Bruno Maia, é notória a pressão no SNS, ao longo dos anos, pela falta de recursos humanos e pelas insistentes vozes a pedir que partes do SNS sejam entregues aos privados.

Ora, o Movimento +SNS sublinha que não é esse o caminho, não é a estratégia para a política pública de saúde, mas que tem de se investir no SNS e contratar os recursos humanos em falta.

O problema do SNS não é “problema de organização”, não são necessárias direções executivas, nem reorganização das suas estruturas locais. Devem fazer-se melhorias, mas os alicerces do SNS são os profissionais de saúde e o investimento, no que estou totalmente de acordo.

Bruno Maia apontou o facto de o Ministério da Saúde ter avançado com a contratação de partos, na Região de Lisboa e Vale do Tejo, com unidades privadas, vincando que “este não é o caminho” (o de cavalgar os défices do SNS para entregar contratos rentistas aos grupos privados) e que é a falta de recursos que motiva a falta de acesso ao serviço público de saúde. E, quanto mais contratos existirem com os privados, mais os profissionais serão captados pelos privados e mais ficará o SNS em penúria. Essa é a verdade: é mau ir de cedência em cedência!

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Entretanto, no mesmo dia, a mais de 300 quilómetros, à margem de um colóquio em Vila do Conde, o Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, mostrou-se “tranquilo e vigilante” acerca da resposta de saúde para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Garantiu que a falta de stock de alguns medicamentos, como pílulas contracetivas, nos centros de saúde, é momentânea. Não sei de dirá o mesmo da falta de vacinas, sobretudo das inscritas no plano nacional de vacinação. Especificamente sobre a falta de pílulas contracetivas, garantiu, em declarações aos jornalistas, que “o SNS continua a manter a sua função em matéria de planeamento familiar”. Esqueceu 1,7 milhões de pessoas sem médico de família e as vagas desta especialidade que não são ocupadas no SNS. E lamentou a grande tendência de hoje, no setor da saúde, para transformar casos negativos “em maledicência contra o SNS”. Não anda neste orbe o governante!

O Ministro da Saúde anunciou mais de 1500 profissionais de saúde voluntários e um hospital de campanha completo entre os meios que estarão no terreno para acolher os participantes na JMJ (O SNS faz-se para a JMJ?). Além disso, Manuel Pizarro referiu a demissão do subdiretor-geral da Saúde, Rui Portugal, e garantiu que Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, se encontra “em plenitude de funções” na Direção-Geral da Saúde (DGS).

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Por seu turno, na reunião da comissão nacional do Partido Socialista (PS), em Leixões, o secretário-geral elegeu o combate à seca e as mudanças no SNS como as prioridades dos próximos tempos. Em remoque ao Presidente da República (PR), segundo o qual a economia dá bons sinais, mas precisa de chegar aos bolsos dos portugueses, António Costa, alinhado com o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, garante que já está a chegar e promete que também se vai fazer sentir, com as mudanças em curso, na educação e na saúde. “Temos permitido que a nossa economia cresça, o emprego esteja em máximos e isso nos permita ter uma trajetória de finanças públicas saudáveis que ajudam a fazer chegar os bons resultados da economia aos bolsos dos portugueses”, disse o primeiro-ministro (PM), verificando que os resultados já chegam, mas prometendo que vão também chegar de outras formas. E uma é com as mudanças no SNS.

Melhor SNS é também uma forma de fazer chegar os bons resultados da economia à vida do dia-a-dia dos portugueses”, disse António Costa, elegendo a reforma do SNS e o combate à seca como mudanças estruturais de que o país precisa.

No atinente ao SNS, Costa considerou que já começam a ser notadas alterações devidas à entrada em funções da direção executiva do SNS, liderada por Fernando Araújo, com a gestão integrada dos recursos hospitalares, sendo preciso evoluir para o “regime de dedicação plena”.

A prioridade na dedicação plena será nos cuidados primários, onde é preciso alargar os horários dos centros de saúde e ter “recursos humanos motivados”, para menor pressão nas urgências hospitalares. Para isso, será generalizado até ao fim do ano o modelo de unidade de saúde familiar de tipo b, associando a valorização dos rendimentos e das carreiras aos ganhos em eficiência. E, a par da dedicação plena, na ótica do PM, deve avançar a criação dos centros de responsabilidade integrada a nível hospitalar, sendo as urgências hospitalares a primeira “especialidade” a que se pretende alargar esta forma de gestão mais autónoma que começou na cirurgia.

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O SNS tem de ser universal e eficaz. De todo, não tem de criar mais entes ou organizações, nem de mudar estatutos das existentes, para que, mudando, fiquem na mesma. Nem há iluminados que façam milagres. Importa investir na formação profissional do pessoal da saúde, ultrapassando as quotas existentes, e dotar os quadros de profissionais de saúde, que se possam fixar e progredir no SNS. Para tanto, é preciso acenar-lhes com remuneração condigna, boas condições de trabalho, perspetiva de carreira atraente (proletarizar a saúde ou pô-la ao abrigo dos contratos de prestação de serviço não é vida e fica mais caro), formação contínua e dignificação das profissões conexas com a saúde. Por outro lado, há que investir na melhoria de instalações e na aquisição e manutenção de equipamentos, apetrechos e de todos os outros materiais necessários. E é preciso dar autonomia à gestão da saúde, responsabilizá-la e avaliá-la.  

Os privados, independentemente dos casos positivos que se encontram, pensam no lucro, não lhes convindo utentes de debilidade acentuada e permanente. E remetem casos graves para o SNS.      

2023.06.03 – Louro de Carvalho

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