segunda-feira, 19 de junho de 2023

BCE volta a subir os juros, mas a ritmo mais moderado

 

 

Como antecipavam os mercados financeiros e de acordo com o respetivo comunicado, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu, a 15 de junho, voltar a subir os juros, mas manteve o ritmo mais moderado, com um aumento de apenas 25 pontos-base. Com esta decisão, a taxa diretora do BCE subiu para 4% (o valor mais alto desde 2008), a taxa de remuneração dos depósitos subiu para 3,5% e a taxa de juro aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez subiu para 4,25%.

Frankfurt não seguiu o exemplo da Reserva Federal dos Estados Unidos (FED), que, no dia anterior, optou por fazer uma pausa na subida dos juros, a primeira, desde março de 2022, mantendo a taxa no intervalo entre 5% e 5,25%. Contudo, o BCE mantém a opção de maior contenção nos aumentos, adotada na última reunião do Conselho, no início de maio.

Esta é a oitava subida a instituição liderada por Christine Lagarde, que acumula um aumento de 400 pontos-base, no ciclo de aumento da taxa diretora iniciado em julho de 2022, oito meses depois do Banco de Inglaterra e meio ano após a norte-americana FED, o que foi visto por muitos analistas como um erro de política monetária. E os aumentos podem não ficar por aqui. No comunicado publicado a 15 de junho, o BCE refere que “a inflação tem vindo a descer, mas as projeções indicam que permanecerá demasiado elevada durante demasiado tempo”.

Aliás, o BCE divulgou novas projeções económicas, com a revisão em alta dos números esperados para a inflação subjacente, indicador que exclui os produtos energéticos e alimentares – com preços mais voláteis – e que é uma das principais referências para a política monetária dos bancos centrais. Estas projeções, cuja maior revisão em alta incide sobre 2023 e 2024, indicam que a inflação subjacente se situará, em média, em 5,1%, em 2023, nos 3%, em 2024, e nos 2,3%, em 2025 – valores acima da fasquia dos 2%, a referência do BCE para a estabilidade dos preços.

Embora haja sinais preliminares de abrandamento, os indicadores das pressões subjacentes sobre os preços permanecem fortes. E o BCE explica que a revisão em alta se deve “a anteriores surpresas em sentido ascendente e às implicações da robustez do mercado de trabalho para o ritmo de desinflação”. Já, quanto à inflação total, as previsões são de descida para 5,4%, neste ano, recuando para 3%, em 2024, e para 2,2%, em 2025.

Por sua vez, os especialistas do Eurossistema reduziram as suas projeções para o crescimento económico da Zona Euro, em 2023 e em 2024, apontando para 0,9%, em 2023, para 1,5%, em 2024, e para 1,6%, em 2025.

O BCE reconhece que os anteriores aumentos das taxas de juro “estão a repercutir‑se, de forma vigorosa, nas condições de financiamento e estão gradualmente a ter impacto no conjunto da economia”. Sinal disso é a subida acentuada dos custos do endividamento e a atenuação do crescimento dos empréstimos – evolução que ajudará a inflação a descer ainda mais. E, quanto às suas próximas decisões, o BCE assegura que as taxas de juro diretoras serão fixadas em níveis suficientemente restritivos, para lograr um retorno atempado da inflação ao objetivo de médio prazo de 2%, e que serão mantidas nesses níveis, “enquanto for necessário”.

Para tanto, “o Conselho do BCE continuará a abordagem dependente dos dados na determinação do nível e [da] duração adequados da restritividade. Mais especificamente, as decisões sobre as taxas de juro continuarão a basear‑se na sua avaliação das perspetivas de inflação, à luz dos dados económicos e financeiros que forem sendo disponibilizados, da dinâmica da inflação subjacente e da força da transmissão da política monetária”, lê-se no referido comunicado.

Por outro lado, o BCE confirma que “descontinuará os reinvestimentos ao abrigo do programa de compra de ativos (asset purchase programme – APP), a partir de julho de 2023”.

***

Estas decisões, no âmbito da política monetária um impacto direto nas taxas Euribor (que indica a taxa de juros média dos empréstimos interbancários sem garantia da Zona Euro): se a taxa diretora dos juros sobe, aumentam as taxas Euribor a 3, 6 ou 12 meses. Assim, a nova subida terá impacto direto na carteira de quem tem crédito à habitação; e, por conseguinte, deveria induzir, proporcionalmente, um aumento do pagamento dos juros aos clientes pelos depósitos a prazo, o que não acontece em Portugal.   

Quem pediu ao banco dinheiro emprestado continuará a ver a prestação da casa a subir, pois o BCE só deverá começar a baixar as taxas no final de 2024.

Como se referiu, esta é a oitava subida desde julho de 2022, tendo o BCE aprovado anteriormente vários aumentos de 50 e de 75 pontos base – no quadro da estratégia de combate à inflação.

No início de maio, o BCE aumentou as taxas em 25 pontos base, para 3,75%, abrandamento apoiado pela maioria dos membros do Conselho. Antes disso, o BCE tinha subido as taxas de juro em 50 pontos base. Agora, a taxa de juro das principais operações de refinanciamento subiu para 3,75%; a taxa de facilidade de depósito dos bancos no BCE passou para 3,25%; e taxa de juro aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez subiu para 4%, o nível mais alto desde outubro de 2008.

Todavia, segundo a ata da última reunião, alguns membros do Conselho do BCE defenderam nova subida em 50 pontos base, para controlar os riscos inflacionistas, decisão que “demonstraria mais claramente a determinação […] em alcançar a estabilidade dos preços face a uma inflação elevada e mais persistente”.

***

Já a 31 de maio, Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP), avisava que os juros iriam aumentar depois do verão, o que representaria um peso maior para as famílias, e que os governos deveriam diminuir os apoios.

Por sua, vez, a 1 de junho, Christine Lagarde disse que a instituição deveria aumentar ainda mais as taxas de juros, porque a inflação na Zona Euro ainda está muito alta. “A inflação é demasiado alta hoje e continuará a sê-lo durante muito tempo”, afirmou em discurso proferido em Hannover (Norte), na 27.ª Conferência de Caixas Económicas Alemãs 2023, intitulada “Porque é mais do que dinheiro”. Foi por isso que, segundo Lagarde, o BCE começou, em julho de 2022, a aumentar as taxas de juro, ao ritmo mais rápido, até à data, deixando claro que ainda há um longo caminho a percorrer para colocar as taxas de juro em níveis suficientemente restritivos.

“Estes aumentos já estão a repercutir-se fortemente nas condições de crédito bancário, incluindo aqui na Alemanha” e “ainda é necessário um aperto considerável”, observou Lagarde, que, além da subida dos juros, preconiza a descida dos apoios às famílias.

No entanto, é incerta a intensidade com que a política monetária do BCE será transmitida à economia real, referiu Lagarde, explicitando: “Por isso, precisamos de continuar o nosso ciclo ascendente, até estarmos confiantes de que a inflação está no bom caminho, para regressar ao nosso objetivo, a tempo.” E a oradora afirmou que o limite máximo até ao qual o BCE aumentará as taxas de juro dependerá da avaliação dos dados económicos, que são as perspetivas de inflação, a tendência da inflação subjacente e a força com que a política monetária é transmitida.

***

A primeira quinzena de junho ficou marcada por reuniões de bancos centrais que decidiram subir os juros, com outras a deixar tudo na mesma e com um banco central a decidir cortar a taxa diretora. As duas mais importantes decisões de aumento dos juros foram tomadas pelo Banco da Reserva da Austrália e pelo Banco do Canadá, dois dos bancos centrais das maiores economias do mundo, que optaram pela subida, moderada, de apenas 25 pontos-base, tal como o BCE.

As reuniões da FED, do BCE (esta já explicitada) e do Banco do Japão (BoJ), três dos quatro maiores bancos centrais do mundo (incluindo o Banco Popular da China). Frankfurt subiu os juros em 25 pontos-base como o BCE, mas não houve mexida em Washington e em Tóquio.

Mais subidas foram decididas pelo Banco da Reserva do Zimbabué, pelo Banco Central da República Argentina e pelo Banco Nacional da Sérvia. O Zimbabué lidera com a taxa mais alta do Mundo, que subiu 1000 pontos-base, de 140% para 150%. A segunda taxa mais elevada é a da Argentina, com 91%. A Sérvia subiu os juros em 25 pontos-base, ficando a taxa, agora, em 6,25%, abaixo dos juros em outras economias emergentes do Leste, como as da Arménia, da Geórgia, da Moldávia, da Polónia e da Roménia.

Mais quatro bancos centrais decidiram não mexer nos juros: o da Índia, o do Peru, o da Polónia e o da Rússia.

O Banco da Reserva da Índia (RBI) optou por não mexer nos juros, estando já há duas reuniões em pausa no ciclo de aumento dos juros. A taxa diretora está em 6,5% desde fevereiro, o nível mais elevado em quatro anos. Os economistas indianos esperam que a pausa se mantenha até o RBI iniciar um processo de corte dos juros, no primeiro trimestre do próximo ano.

Na Rússia, com economia de guerra alimentada pela invasão da Ucrânia, há quatro trimestres em recessão, o banco central decidiu manter os juros em 7,5%, nível em que estão desde setembro de 2022. No entanto, na última reunião, os governadores decidiram sinalizar a possibilidade de um regresso ao aumento dos juros, face aos “riscos pró-inflacionistas” e “aos fortes impactos das tensões geopolíticas”. Um dos impactos é o comportamento dos parceiros comerciais da Rússia, que manifestam cada vez maior preocupação com sanções secundárias e com os constrangimentos ao comércio com Moscovo. A comunicação do banco central não refere, uma única vez, a guerra de invasão em curso, nem mesmo a expressão do Kremlin “operação militar especial”.

No atinente à Zona Euro e ao seu banco central, Christine Lagarde, que tem vincado a relutância do BCE a antecipar qualquer pausa, foca-se no argumento de que não há sinal claro de que a inflação subjacente (sem as componentes mais voláteis, da energia e da alimentação) já tenha atingido o pico. Reiterou o argumento na audição perante a Comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu (PE). A inflação subjacente desceu de 5,7%, em março, para 5,6%, em abril, e para 5,3%, em maio. Mas a maioria dos membros do Conselho do BCE não está convicta de que março tenha marcado o pico do ciclo inflacionista, nas componentes não voláteis do índice de preços.

Com um rol de níveis de inflação tão díspar na Zona Euro – que vai de 2,7%, na Bélgica, a 12,3%, na Eslováquia, passando por 5,4%, em Portugal, segundo o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor, que é distinto do Índice de Preços no Consumidor (IPC), do Instituto Nacional de Estatística (INE) –, o BCE tem de se revelar extramente cauteloso na monitorização da inflação.

O foco no controlo da inflação ainda elevada (6,1%, em maio) tem levado a maioria do Conselho do BCE a pensar que o que se passa, a nível da dinâmica de recuperação económica, não é uma condicionante do aperto monetário, que se manterá, até ficar em “terreno significativamente restritivo”. Com efeito, a revelação oficial do Eurostat Resta revela que a economia da Zona Euro entrou em recessão técnica, em termos globais e que a Alemanha, a maior economia, e a própria Irlanda, o ‘tigre’ da região, com supercrescimentos até ao final do ano passado, registam, também, dois trimestres consecutivos com queda do produto interno bruto (PIB).

***

Segue, de vento em popa, a política monetária, mas as economias enfraquecem e as famílias e as empresas veem as dificuldades a aumentar, numa Europa dita dos cidadãos e das instituições!

2023.06.19 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário