segunda-feira, 26 de junho de 2023

Marcha do grupo Wagner para Moscovo só durou 24 horas

 

A anunciada rebelião do grupo Wagner contra o Alto Comando Militar da Rússia, a 23 de junho – de que resultou a tomada de Rostov, cidade-chave do Sul do país, para o acesso a Moscovo, e uma promissora marcha rumo à capital – esgotou-se em escassas 24 horas.

Os países da União Europeia e do G7 ficaram suspensos dos acontecimentos espoletados por Yevgeny Prigozhin, até agora, próximo do presidente russo, Vladimir Putin, que dele conseguiu instalações militares e equipamento para fazer a guerra onde a Rússia não devia, oficialmente, dar a face, juntamente com os 25 mil mercenários que recrutara de entre os veteranos das Forças Armadas Russas, de reclusos do país, bem como de homens provenientes de outros países, nomeadamente da Síria e de alguns Estados africanos.

As teclas batidas pelos políticos do dito Ocidente que intervieram na comunicação social eram que se tratava de um problema interno da Rússia, que estavam a acompanhar os acontecimentos e que o apoio à Ucrânia continuava.   

Por sua vez, Vladimir Putin acusou o grupo de traição e de “ameaça mortal”, garantindo que seriam punidos os insurgentes e que tudo se faria para evitar uma guerra civil. Por isso, a Procuradoria-Geral da Rússia disse ter iniciado um processo de investigação, com vista ao julgamento dos traidores. Contudo, Putin, quando se apercebeu de que os mercenários estavam a marchar rumo à capital – vindo a parar, mais tarde, à distância de 200 a 400 metros –, deslocou-se para S. Petersburgo, o que foi entendido como tendo o presidente russo entrado em pânico.

Entretanto, passadas que foram 24 horas do início do ato de rebelião, foi noticiado um acordo entre o Ministério da Defesa da Rússia e Yevgeny Prigozhin, juntamente com os mercenários, por mediação de Aleksandr Lukashenko, presidente da Bielorrússia, país para onde se deslocou o líder do grupo. Com efeito, o gabinete do presidente da Bielorrússia anunciou que o líder do Wagner aceitou uma proposta para “interromper o movimento de pessoas armadas do grupo no território da Rússia e tomar novas medidas para diminuir as tensões.

Do suposto acordo constaria que os mercenários não seriam punidos e que o líder poderia sair livremente da Rússia para onde quisesse. Tudo terá acabado em bem, segundo dizem.

Por seu turno, Prigozhin justificou a desistência da marcha com a necessidade de evitar um banho de sangue. E, ao invés do que aduzira para espoletar a rebelião, negou que o movimento não visava a substituição do presidente Vladimir Putin, mas apenas penalizar o comportamento de alguns oficias do Exército russo contra o grupo paramilitar, lesado por alguns ataques no terreno.

Resta saber se se retratou, formalmente, quanto a asserções anteriores, como: não era necessário desmilitarizar ou desnazificar a Ucrânia; e os generais enganaram Putin, levando-o a fazer uma guerra desnecessária.  

Também os aliados habituais da Rússia, embora de forma discreta, reiteraram o seu apoio à política de Vladimir Putin.

O Ocidente, em momento ulterior, considerou que a causa da Ucrânia ganhou nova possibilidade e novo fôlego, graças ao enfraquecimento do poder político-militar da Rússia, e prometeu reforçar o apoio político, militar e financeiro ao país invadido. No entanto, deixou entreler o medo de que a situação poderia levar a um ato tresloucado de uso de armas nucleares, por parte da Rússia ou de algum dos países seus aliados.     

Entretanto, o líder do grupo quebra o silêncio e desmente que tenha havido qualquer acordo por parte dos mercenários. Garante que o intuito do grupo era apenas “evitar a destruição” do grupo.

Ao mesmo tempo, sabe-se que o presidente bielorrusso deu guarida aos mercenários e está a preparar acampamentos para eles.

***

Perante estes desenvolvimentos, há que tecer alguns considerandos.

O grupo de mercenários ligados ao grupo paramilitar Wagner era uma das forças russas mais aguerridas em combate, tendo estado na linha da frente da famosa batalha de Bakhmut (no Leste da Ucrânia). Mas, no terreno, desde a tomada de Bakhmut, em maio, o exército tem estado muito menos dependente de Wagner. Assim, o grupo não foi utilizado para a defesa no Sul, uma das principais zonas onde as tropas de Kiev estão atualmente a tentar romper as defesas russas.

Isto dá a entender que o exército não quererá partilhar com os mercenários os louros de um eventual sucesso da Rússia na Ucrânia e que operação militar especial não é uma guerra por procuração, como a que faz a Ucrânia, em nome do Ocidente, no dizer do Kremlin.

Prigozhin lançou a insurreição, alguns dias depois de Vladimir Putin haver anunciado que os combatentes do grupo Wagner passariam a ter de assinar contratos com o exército. Isso deu a entender que o objetivo era “desmantelar o grupo”, começando por o tornar dependente do poder militar, ou seja, perdendo a autonomia que lhe fora outorgada.

O Kremlin assegurou que os homens que seguiram o líder na revolta não serão julgados criminalmente, agradeceu-lhes pelos serviços prestados na Ucrânia e garantiu que alguns, “se assim o desejarem”, poderão assinar contratos com o exército russo e servir a Pátria.

Portanto, segundo Michael Kofman, perito militar norte-americano, o grupo “Wagner poderá ser totalmente desmantelado ou absorvido” pelo exército. E a analista russa independente Tatyana Stanovaya diz que Putin já não precisa de Wagner, nem de Prigozhin, pois está convicto de que se safará com as suas próprias forças, após a mobilização geral a que apelou.

O objetivo declarado da rebelião de Prigozhin era substituir o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valery Gerasimov. Porém, o presidente russo não anunciou qualquer mudança na hierarquia militar e, se ela acontecer, não será por causa desta abortada rebelião. “Sob pressão [de Prigozhin], Putin não fará nada”, observou o analista político russo Sergei Markov, pró-Kremlin, numa publicação na rede social Telegram.

É certo que os últimos acontecimentos “deram a impressão” de que Shoigu e Gerasimov são “fracos”, mas revelaram como “é importante, para Putin, ter figuras leais no comando dos seus serviços militares e de segurança”.

Em 24 horas, os combatentes do grupo Wagner controlaram uma parte de Rostov, cidade com mais de um milhão de habitantes, e aproximaram-se de Moscovo, onde são diferentes as versões sobre a distância a que ficaram da capital russa, entre 200 e 400 quilómetros, apesar de um esquema de bloqueio antiterrorista criado pelo Ministério da Defesa, para travar a progressão dos rebeldes. Nisto, Prigozhin, que afirmou ter tomado o quartel-general do exército em Rostov, sem um único tiro, poderá ter tido ajuda exterior ou agido em desespero, vendo o nó a fechar-se à volta do grupo e acreditando que chegar a acordo com o Kremlin seria a única forma de obter garantias de segurança necessárias.

Os comentários do primeiro vice-chefe dos serviços secretos militares (GRU) semearam a confusão: em vídeo publicado no dia 24, Vladimir Alekseyev exortou os combatentes do grupo Wagner a porem cobro à rebelião, mas parecia troçar do ministro da Defesa e do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, que Prigozhin queria derrubar.

Moscovo garante que o motim desencadeado pelo grupo Wagner não vai afetar, “de forma alguma”, a intervenção militar da Rússia na Ucrânia. Porém, a agitação na retaguarda, segundo vários analistas citados pela Agence France Presse (AFP), pode, pelo menos, ter um efeito sobre o moral dos soldados russos, que enfrentam, há semanas, vagas de ataques ucranianos.

***

Em suma, segundo as declarações das partes envolvidas, depois do susto, ficará tudo como dantes. No entanto, Kiev parece mais reforçada, enquanto o Kremlin se apresenta tão abatido como determinado (aparente paradoxo) e, sobretudo, desenvencilhado dos mercenários, que lhe estavam a fazer sombra.

Todavia, a rebelião e a suspensão que ela criou no Mundo deveriam constituir uma oportunidade, a não perder, para se falar de paz, de negociações, levando a lógica militar a ceder o passo à diplomacia, cada vez mais necessária.    

2023.06.26 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário