Na homilia da
Missa do III Dia Mundial dos Pobres,
Francisco partiu da perícopa evangélica tomada para a Liturgia da Palavra do
33.º domingo do Tempo Comum no Ano C (Lc 21,5-19), para alicerçar o discurso sobre os pobres.
Na verdade,
quando alguém enaltecia a magnificência do templo de Jerusalém, Jesus prenunciou
que não ficará ‘pedra sobre pedra’. Ora, o templo era a instituição mais
sagrada do judaísmo: mais que um edifício sumptuoso, era “um sinal religioso
único”, a “casa para Deus e para o povo crente”. Não obstante, ele haveria de
ruir significando assim a queda das certezas do povo, quando o mundo estava,
como está hoje, “cada vez mais carecido
de certezas”.
E o Papa lê
as palavras de Jesus no sentido de que “quase tudo passará” e
especifica: “quase tudo, mas não tudo”. Mais diz que, “a desmoronar-se, a passar são as
coisas penúltimas, não as últimas”. E distingue: “o templo, não
Deus; os reinos e as vicissitudes da humanidade, não o homem”. Ou seja, passam
as coisas grandiosas (templos,
grandes obras de arte…)
e pavorosas (terramotos,
sinais no céu, guerras na terra…), que “muitas vezes parecem definitivas, mas não são”. Parecem-nos
acontecimentos de primeira categoria, mas o Senhor coloca-os em segunda. Na
primeira, fica o que não passa: “o Deus vivo, infinitamente maior do
que qualquer templo”, e “o homem, o nosso próximo, que vale
mais do que dizem todas as crónicas do mundo”.
Depois, o
Santo Padre alerta para duas tentações: a da pressa e a do “eu”.
Quanto à
primeira, adverte que “não é preciso ir atrás daqueles que dizem que o fim
chega imediatamente”, ou seja, não se devem escutar os alarmistas e fautores do
medo do outro e do futuro, pois “o medo paralisa o coração e a mente”. Na
verdade, se nos deixamos levar pela pressa de saber tudo e
imediatamente, pela curiosidade, pela última notícia clamorosa ou
escandalosa, pela crónica morbosa, pelas gritarias, não estamos alinhados com
Deus, porquanto “esta pressa, este tudo e imediatamente não
vem de Deus”. Ora – diz o Pontífice – “se nos afadigarmos pelo imediatamente,
esqueceremos o que permanece para sempre”. E entra aqui o discurso
dos pobres: “Com a mania de correr, de
dominar tudo e imediatamente, incomoda-nos quem fica para trás; e
consideramo-lo descartável”. E o Bispo de Roma exclama:
“Quantos
idosos, nascituros, pessoas com deficiência, pobres… considerados inúteis!
Vamos com pressa, sem nos preocuparmos que aumentem os desníveis, que a
ganância de poucos aumente a pobreza de muitos.”.
Ora, como
antídoto da pressa, o Papa vê a perseverança, visto que Jesus no-la propõe (a todos e a cada um): “pela vossa constância é que sereis salvos”. Isto implica “avançar
dia a dia com os olhos fixos no que não passa: “o Senhor e o próximo”. E
saber discernir esta necessidade e manter-se neste discernimento é o dom de
Deus com que se conservam todos os outros dons d’Ele, que devemos pedir para
cada um de nós e para nós como Igreja, de modo que nunca percamos de vista
aquilo que conta.
A segunda
tentação, a do “eu” ou do protagonismo pessoal, é prevista por Jesus: “Muitos
virão em meu nome, dizendo sou eu”. Ora, o cristão, como avisa
Francisco, visto que não procura o imediatamente, mas o sempre, não
é discípulo do eu, mas do tu; não segue a solicitação
dos seus caprichos, mas a do amor, a voz de Jesus – o que postula que se fale “a
mesma linguagem de Jesus: a linguagem do amor, a linguagem do tu”. Só fala a linguagem de Jesus quem
diz eu, quem sai do próprio eu. Não precisa de rótulos. E, mesmo a
fazer o bem, pode reinar a hipocrisia do eu, se se faz o bem para
ser considerado virtuoso, para receber em troca, para ganhar a amizade de
pessoa importante. Ao invés, a Palavra de Deus incita-nos a um amor não
hipócrita, à dádiva aos que não têm nada para restituir, a servir sem procurar retribuições.
E o Papa interpela-nos: “Ajudo alguém, de
quem nada poderei receber? Eu, cristão, tenho ao menos um pobre por amigo?”.
Depois, ensina sobre os pobres:
“Os
pobres são preciosos aos olhos de Deus, porque não falam a linguagem do eu: não
se aguentam sozinhos, com as próprias forças, precisam de quem os tome pela
mão. Lembram-nos que o Evangelho se vive assim, como mendigos voltados para
Deus. A presença dos pobres leva-nos de volta à aragem do Evangelho, onde são
bem-aventurados os pobres em espírito (cf Mt 5,3).”.
Daqui se
tiram consequências:
“Em
vez de sentirmos aborrecimento, quando os ouvimos bater às nossas portas,
podemos receber o seu grito de ajuda como uma chamada para sair do nosso eu,
aceitá-los com o mesmo olhar de amor que Deus tem por eles. Como seria bom se
os pobres ocupassem no nosso coração o lugar que têm no coração de Deus! Quando
estamos com os pobres, quando servimos os pobres, aprendemos os gostos de
Jesus, compreendemos o que permanece e o que passa.”.
Assim se
conclui que, entre tantas coisas que passam, o Senhor quer lembra-nos a última,
que permanecerá para sempre: o amor,
porque “Deus é amor”, e o pobre
que pede o nosso amor leva-nos diretamente a Deus. Isto é, “os pobres
facilitam-nos o acesso ao Céu”, pelo que “o sentido da fé do povo de Deus os
viu como os porteiros do Céu”.
E “são
o nosso tesouro, o tesouro da Igreja”, pois “desvendam-nos a riqueza
que jamais envelhece, a riqueza que une terra e Céu e para a qual
verdadeiramente vale a pena viver: o amor”.
***
Uma hora
depois, na recitação do Angelus,
desde a janela do apartamento pontifício, o Papa, na certeza de que “a destruição do templo
predita por Jesus [no Evangelho de Lucas] não é tanto uma figura do fim da história como do final da
história”, frisou dois factos: o impacto das catástrofes e da violência
humana; e o comportamento que os cristãos devem assumir. E neste aspeto, sublinhou que a fé leva os cristãos a
“caminhar com Jesus pelas estradas tantas vezes sinuosas deste mundo, na
certeza de que a força do seu Espírito dobrará as forças do mal, sujeitando-as
ao poder do amor de Deus”. E afirmou:
“Servem
de exemplo os mártires, os nossos mártires, os cristãos dos nossos dias, que
são mais do que os mártires do princípio. Apesar das perseguições, são homens e
mulheres de paz, oferecem-nos um legado a ser preservado e imitado: o Evangelho
do amor e da misericórdia. Esse é o tesouro mais precioso que nos foi dado e o
testemunho mais eficaz que podemos dar aos nossos contemporâneos, respondendo
ao ódio com amor, às ofensas com perdão, também na vida quotidiana.”.
Referindo-se
à celebração do Dia Mundial dos Pobres,
que tem como tema “A esperança dos pobres
jamais se frustrará”, disse aos fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São
Pedro:
“O meu pensamento vai para quantos, nas
dioceses e paróquias de todo o
mundo, promoveram iniciativas de solidariedade para dar esperança concreta aos
mais desfavorecidos”.
Agradeceu aos
médicos e enfermeiras que serviram no posto médico colocado, durante a última
semana, na Praça de São Pedro, e disse:
“Agradeço as muitas iniciativas
em favor das pessoas que sofrem, dos necessitados. Isto tem de testemunhar a
atenção que nunca deve faltar em relação a esses irmãos e irmãs. Vi, há poucos
minutos, algumas estatísticas da pobreza… faz-nos sofrer a indiferença da
sociedade com os pobres. Rezemos.”
***
E, como não
bastam as doutrinas e teorias, mas é preciso tirar consequências práticas e
pô-las em marcha, à semelhança dos anos
anteriores, Francisco almoçou com um grupo de 1500 pobres, no auditório Paulo
VI, do Vaticano, que acolheu 150 mesas para os convidados de Roma e de várias
outras dioceses italianas, após a Missa na Basílica de São Pedro, em que o
Pontífice apontou situações de miséria e descarte e vincou a esperança no Deus
que não se esquece de nós e atende o clamor dos pobres.
Ao
chegar à Sala Paulo VI, o Papa saudou os presentes:
“As
minhas boas-vindas a todos. Desejo que hoje o Senhor nos abençoe a
todos nós: que Deus nos abençoe nesta reunião de amigos, neste almoço e também
bênçãos às vossas famílias. Que o Senhor abençoe a todos. Obrigado e bom
almoço.”.
O almoço para
os pobres foi servido por 50 voluntários e colaboradores de associações de
voluntariado. O menu oferecido era composto por: lasanha, picadinho de frango
com creme de cogumelos, batata assada, sobremesa, frutas e café.
***
No contexto
do Dia Mundial dos Pobres cabe uma
referência ao Santuário de Fátima, que, alinhando com o Papa Francisco, convida
para almoçar, neste dia, um grupo de pessoas pobres, de uma instituição
diocesana, fora da diocese de Leiria-Fátima, no âmbito da sua peregrinação até
à Cova da Iria, ficando as despesas da deslocação, incluindo a refeição, por
conta do Santuário. Depois de, no ano passado, ter recebido utentes da Cáritas
Diocesana de Vila Real, este ano foi a vez dos peregrinos viseenses – 70 utentes
da Cáritas Diocesana de Viseu.
O reitor do
Santuário, no momento em que acolheu o grupo, disse:
“Desejamos
que este dia seja feliz e bem passado. Fátima é um lugar especial e eu gostaria
que também [vos sentísseis] especiais hoje, a visitar Fátima. Que Nossa Senhora
seja vossa guia, conforto e refúgio e que vos acompanhe não apenas neste dia,
mas ao longo da vossa vida.”.
Depois do
almoço, estes peregrinos tiveram a oportunidade de conhecer os diferentes
espaços do Santuário através duma visita guiada, que culminou com uma
celebração de despedida, na Capelinha das Aparições, que incluiu a consagração
a Nossa Senhora.
É de assinalar que o grupo participou na celebração da Missa na Basílica da Santíssima Trindade, que acolheu milhares
de peregrinos, sob a presidência de Dom Felix Anthony Machado, Arcebispo de
Vasai, na Índia.
Na homilia, o prelado apontou a solidariedade e o sacrifício como
caminhos para uma vida contemplativa em Deus, mas relevou a importância de uma Igreja misericordiosa,
descentrada dos bens materiais e dos prazeres mundanos, que tenha como meta justamente
a “dimensão contemplativa da vida em Deus assente na solidariedade e na
capacidade de sacrifício”.
A partir duma
leitura escatológica da Palavra proclamada, o Arcebispo começou por apresentar
o discernimento, a perseverança e a esperança cristã, fundados no Mistério da
morte e ressurreição de Jesus, como respostas ideais às situações de desespero
da vida.
Alertando
para a necessidade de uma Igreja pobre, misericordiosa e sempre “comprometida
com os pobres”, distinguiu: “Se eu desse
do que é meu, seria generosidade; mas, uma vez que eu dou daquilo que Deus me
deu, isso é restituição”. E vincou a importância da docilidade e
solidariedade para alcançar uma “dimensão contemplativa da vida em Deus”
centrada no próximo e não materialista.
Como exemplo
de atitude de sacrifício centrada em Deus, evocou a vida dos santos
Pastorinhos, que “não se orientaram pelos instintos do prazer, posse, prestígio
ou poder”. E sublinhou:
“A vida dos jovens santos de Fátima
ensina-nos o que aprenderam com a Mãe, Nossa Senhora, a saber que até as
crianças pequenas podem tornar-se santas. Apesar das suas falhas, eles
continuaram a mostrar-se agradáveis ao Senhor.”.
E exortou
referindo que “também nós podemos juntar-nos a eles, se decidirmos fazer o
mesmo” pela oração (contemplativos amigos de Jesus e da Igreja) e pela ação em prol dos pobres (privavam-se
da merenda para dar aos pobres).
2019.11.17 –
Louro de Carvalho
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