domingo, 17 de novembro de 2019

A desmoronar-se, a passar são as coisas penúltimas, não as últimas



Na homilia da Missa do III Dia Mundial dos Pobres, Francisco partiu da perícopa evangélica tomada para a Liturgia da Palavra do 33.º domingo do Tempo Comum no Ano C (Lc 21,5-19), para alicerçar o discurso sobre os pobres.
Na verdade, quando alguém enaltecia a magnificência do templo de Jerusalém, Jesus prenunciou que não ficará ‘pedra sobre pedra’. Ora, o templo era a instituição mais sagrada do judaísmo: mais que um edifício sumptuoso, era “um sinal religioso único”, a “casa para Deus e para o povo crente”. Não obstante, ele haveria de ruir significando assim a queda das certezas do povo, quando o mundo estava, como está hoje, “cada vez mais carecido de certezas”.
E o Papa lê as palavras de Jesus no sentido de que “quase tudo passará” e especifica: “quase tudo, mas não tudo. Mais diz que, “a desmoronar-se, a passar são as coisas penúltimas, não as últimas”. E distingue: “o templo, não Deus; os reinos e as vicissitudes da humanidade, não o homem”. Ou seja, passam as coisas grandiosas (templos, grandes obras de arte…) e pavorosas (terramotos, sinais no céu, guerras na terra…), que “muitas vezes parecem definitivas, mas não são”. Parecem-nos acontecimentos de primeira categoria, mas o Senhor coloca-os em segunda. Na primeira, fica o que não passa: “o Deus vivo, infinitamente maior do que qualquer templo”, e “o homem, o nosso próximo, que vale mais do que dizem todas as crónicas do mundo”.
Depois, o Santo Padre alerta para duas tentações: a da pressa e a do “eu”.
Quanto à primeira, adverte que “não é preciso ir atrás daqueles que dizem que o fim chega imediatamente”, ou seja, não se devem escutar os alarmistas e fautores do medo do outro e do futuro, pois “o medo paralisa o coração e a mente”. Na verdade, se nos deixamos levar pela pressa de saber tudo e imediatamente, pela curiosidade, pela última notícia clamorosa ou escandalosa, pela crónica morbosa, pelas gritarias, não estamos alinhados com Deus, porquanto “esta pressa, este tudo e imediatamente não vem de Deus”. Ora – diz o Pontífice – “se nos afadigarmos pelo imediatamente, esqueceremos o que permanece para sempre”. E entra aqui o discurso dos pobres: “Com a mania de correr, de dominar tudo e imediatamente, incomoda-nos quem fica para trás; e consideramo-lo descartável”. E o Bispo de Roma exclama:
Quantos idosos, nascituros, pessoas com deficiência, pobres… considerados inúteis! Vamos com pressa, sem nos preocuparmos que aumentem os desníveis, que a ganância de poucos aumente a pobreza de muitos.”.
Ora, como antídoto da pressa, o Papa vê a perseverança, visto que Jesus no-la propõe (a todos e a cada um): “pela vossa constância é que sereis salvos”. Isto implica “avançar dia a dia com os olhos fixos no que não passa: “o Senhor e o próximo”. E saber discernir esta necessidade e manter-se neste discernimento é o dom de Deus com que se conservam todos os outros dons d’Ele, que devemos pedir para cada um de nós e para nós como Igreja, de modo que nunca percamos de vista aquilo que conta.
A segunda tentação, a do “eu” ou do protagonismo pessoal, é prevista por Jesus: “Muitos virão em meu nome, dizendo sou eu”. Ora, o cristão, como avisa Francisco, visto que não procura o imediatamente, mas o sempre, não é discípulo do eu, mas do tu; não segue a solicitação dos seus caprichos, mas a do amor, a voz de Jesus – o que postula que se fale “a mesma linguagem de Jesus: a linguagem do amor, a linguagem do tu. Só fala a linguagem de Jesus quem diz eu, quem sai do próprio eu. Não precisa de rótulos. E, mesmo a fazer o bem, pode reinar a hipocrisia do eu, se se faz o bem para ser considerado virtuoso, para receber em troca, para ganhar a amizade de pessoa importante. Ao invés, a Palavra de Deus incita-nos a um amor não hipócrita, à dádiva aos que não têm nada para restituir, a servir sem procurar retribuições. E o Papa interpela-nos: “Ajudo alguém, de quem nada poderei receber? Eu, cristão, tenho ao menos um pobre por amigo?”. Depois, ensina sobre os pobres:
Os pobres são preciosos aos olhos de Deus, porque não falam a linguagem do eu: não se aguentam sozinhos, com as próprias forças, precisam de quem os tome pela mão. Lembram-nos que o Evangelho se vive assim, como mendigos voltados para Deus. A presença dos pobres leva-nos de volta à aragem do Evangelho, onde são bem-aventurados os pobres em espírito (cf Mt 5,3).”.
Daqui se tiram consequências:
Em vez de sentirmos aborrecimento, quando os ouvimos bater às nossas portas, podemos receber o seu grito de ajuda como uma chamada para sair do nosso eu, aceitá-los com o mesmo olhar de amor que Deus tem por eles. Como seria bom se os pobres ocupassem no nosso coração o lugar que têm no coração de Deus! Quando estamos com os pobres, quando servimos os pobres, aprendemos os gostos de Jesus, compreendemos o que permanece e o que passa.”.
Assim se conclui que, entre tantas coisas que passam, o Senhor quer lembra-nos a última, que permanecerá para sempre: o amor, porque Deus é amor”, e o pobre que pede o nosso amor leva-nos diretamente a Deus. Isto é, “os pobres facilitam-nos o acesso ao Céu”, pelo que “o sentido da fé do povo de Deus os viu como os porteiros do Céu. E “são o nosso tesouro, o tesouro da Igreja”, pois “desvendam-nos a riqueza que jamais envelhece, a riqueza que une terra e Céu e para a qual verdadeiramente vale a pena viver: o amor”.
***
Uma hora depois, na recitação do Angelus, desde a janela do apartamento pontifício, o Papa, na certeza de que “a destruição do templo predita por Jesus [no Evangelho de Lucas] não é tanto uma figura do fim da história como do final da história”, frisou dois factos: o impacto das catástrofes e da violência humana; e o comportamento que os cristãos devem assumir. E neste aspeto, sublinhou que a fé leva os cristãos a “caminhar com Jesus pelas estradas tantas vezes sinuosas deste mundo, na certeza de que a força do seu Espírito dobrará as forças do mal, sujeitando-as ao poder do amor de Deus”. E afirmou:
Servem de exemplo os mártires, os nossos mártires, os cristãos dos nossos dias, que são mais do que os mártires do princípio. Apesar das perseguições, são homens e mulheres de paz, oferecem-nos um legado a ser preservado e imitado: o Evangelho do amor e da misericórdia. Esse é o tesouro mais precioso que nos foi dado e o testemunho mais eficaz que podemos dar aos nossos contemporâneos, respondendo ao ódio com amor, às ofensas com perdão, também na vida quotidiana.”.
Referindo-se à celebração do Dia Mundial dos Pobres, que tem como tema “A esperança dos pobres jamais se frustrará”, disse aos fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro:
O meu pensamento vai para quantos, nas dioceses e paróquias de todo o mundo, promoveram iniciativas de solidariedade para dar esperança concreta aos mais desfavorecidos”.
Agradeceu aos médicos e enfermeiras que serviram no posto médico colocado, durante a última semana, na Praça de São Pedro, e disse:
Agradeço as muitas iniciativas em favor das pessoas que sofrem, dos necessitados. Isto tem de testemunhar a atenção que nunca deve faltar em relação a esses irmãos e irmãs. Vi, há poucos minutos, algumas estatísticas da pobreza… faz-nos sofrer a indiferença da sociedade com os pobres. Rezemos.
***
E, como não bastam as doutrinas e teorias, mas é preciso tirar consequências práticas e pô-las em marcha, à semelhança dos anos anteriores, Francisco almoçou com um grupo de 1500 pobres, no auditório Paulo VI, do Vaticano, que acolheu 150 mesas para os convidados de Roma e de várias outras dioceses italianas, após a Missa na Basílica de São Pedro, em que o Pontífice apontou situações de miséria e descarte e vincou a esperança no Deus que não se esquece de nós e atende o clamor dos pobres.
 Ao chegar à Sala Paulo VI, o Papa saudou os presentes:
As minhas boas-vindas a todos. Desejo que hoje o Senhor nos abençoe a todos nós: que Deus nos abençoe nesta reunião de amigos, neste almoço e também bênçãos às vossas famílias. Que o Senhor abençoe a todos. Obrigado e bom almoço.”.
O almoço para os pobres foi servido por 50 voluntários e colaboradores de associações de voluntariado. O menu oferecido era composto por: lasanha, picadinho de frango com creme de cogumelos, batata assada, sobremesa, frutas e café. 
***
No contexto do Dia Mundial dos Pobres cabe uma referência ao Santuário de Fátima, que, alinhando com o Papa Francisco, convida para almoçar, neste dia, um grupo de pessoas pobres, de uma instituição diocesana, fora da diocese de Leiria-Fátima, no âmbito da sua peregrinação até à Cova da Iria, ficando as despesas da deslocação, incluindo a refeição, por conta do Santuário. Depois de, no ano passado, ter recebido utentes da Cáritas Diocesana de Vila Real, este ano foi a vez dos peregrinos viseenses – 70 utentes da Cáritas Diocesana de Viseu. 
O reitor do Santuário, no momento em que acolheu o grupo, disse:
Desejamos que este dia seja feliz e bem passado. Fátima é um lugar especial e eu gostaria que também [vos sentísseis] especiais hoje, a visitar Fátima. Que Nossa Senhora seja vossa guia, conforto e refúgio e que vos acompanhe não apenas neste dia, mas ao longo da vossa vida.”.
Depois do almoço, estes peregrinos tiveram a oportunidade de conhecer os diferentes espaços do Santuário através duma visita guiada, que culminou com uma celebração de despedida, na Capelinha das Aparições, que incluiu a consagração a Nossa Senhora.
É de assinalar que o grupo participou na celebração da Missa na Basílica da Santíssima Trindade, que acolheu milhares de peregrinos, sob a presidência de Dom Felix Anthony Machado, Arcebispo de Vasai, na Índia.
Na homilia, o prelado apontou a solidariedade e o sacrifício como caminhos para uma vida contemplativa em Deus, mas relevou a importância de uma Igreja misericordiosa, descentrada dos bens materiais e dos prazeres mundanos, que tenha como meta justamente a “dimensão contemplativa da vida em Deus assente na solidariedade e na capacidade de sacrifício”.
A partir duma leitura escatológica da Palavra proclamada, o Arcebispo começou por apresentar o discernimento, a perseverança e a esperança cristã, fundados no Mistério da morte e ressurreição de Jesus, como respostas ideais às situações de desespero da vida.
Alertando para a necessidade de uma Igreja pobre, misericordiosa e sempre “comprometida com os pobres”, distinguiu: “Se eu desse do que é meu, seria generosidade; mas, uma vez que eu dou daquilo que Deus me deu, isso é restituição”. E vincou a importância da docilidade e solidariedade para alcançar uma “dimensão contemplativa da vida em Deus” centrada no próximo e não materialista.
Como exemplo de atitude de sacrifício centrada em Deus, evocou a vida dos santos Pastorinhos, que “não se orientaram pelos instintos do prazer, posse, prestígio ou poder”. E sublinhou:
A vida dos jovens santos de Fátima ensina-nos o que aprenderam com a Mãe, Nossa Senhora, a saber que até as crianças pequenas podem tornar-se santas. Apesar das suas falhas, eles continuaram a mostrar-se agradáveis ao Senhor.”.
E exortou referindo que “também nós podemos juntar-nos a eles, se decidirmos fazer o mesmo” pela oração (contemplativos amigos de Jesus e da Igreja) e pela ação em prol dos pobres (privavam-se da merenda para dar aos pobres).
2019.11.17 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário