sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O estado da Educação e a análise de uma década


É o tema e o trabalho de análise espelhados no “Estado da Educação 2018”, relatório do CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão consultivo do ME (Ministério da Educação), que traça o retrato do país nesta matéria e analisa a evolução na última década, passando a pente fino todos os ciclos de educação e ensino e concluindo que há menos alunos (só o Ensino Básico perdeu mais de 150 mil alunos em 10 anos), menos retenções e reprovações, menos abandono escolar e muitas horas nas amas, creches e infantários.
Na introdução ao predito relatório, Maria Emília Brederode Santos, presidente do CNE, vinca:
Nesta mudança de era que vivemos, todos parecemos andar à procura de sinais de futuro para nos adaptarmos a ele. Mas a educação por essência constrói o futuro, não se limita a inventariar os futuros possíveis. Sem ignorar os saberes acumulados, uma dimensão de desejo e, portanto, de utopia está, assim, presente nestes esforços.”.
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As crianças com menos de 3 anos passam quase 40 horas por semana com as amas, nos infantários ou creches. É um dos tempos mais elevados da Europa, cuja média é cerca de 10 horas semanais ou menos. Uma média de 39,1 horas em creches e 38,5 horas em jardins de infância em Portugal, quando a média na União Europeia é de 27,4 horas e 29,5 horas, respetivamente. E a Ordem dos Psicólogos considera que o tempo que as crianças passam nas creches portuguesas é desadequado para o seu desenvolvimento e alerta para o perigo de estes espaços se transformarem num mero “depósito de crianças”.
Os bebés até aos 2 anos deveriam passar apenas as manhãs na creche. O resto do dia deveria ser passado com a família (com os pais ou com os avós). Porém, a realidade é outra. Os bebés e crianças passam nas creches e infantários o tempo equivalente a um dia de trabalho dum adulto.
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Que o sistema de ensino tem vindo a perder estudantes é facto indesmentível. Em 10 anos, o sistema de ensino perdeu 18% dos alunos. Menos nascimentos, famílias mais pequenas, menos alunos nas escolas. Em 2008/2009, havia 2 435 665 crianças, jovens e adultos a frequentar o sistema educativo. Dez anos depois, em 2017/2018, há menos 429 186 matriculados, uma quebra de 18%. Todos os níveis de ensino apresentam uma variação negativa, mas que se torna mais relevante nos ensinos Básico e Secundário com quebras de frequência de -23% e -19,5% de alunos, respetivamente, e na educação pré-escolar com -12,5% de crianças.
A taxa de pré-escolarização de crianças entre os 3 e os 5 anos, aumentou 7,8 pontos percentuais, situando-se nos 90,1% em 2017/2018. As maiores subidas ocorrem aos 3 e 4 anos de idade dos mais pequenos. A Área Metropolitana de Lisboa permanece como a região do país onde se observam os valores mais baixos da taxa de pré-escolarização (aos três, quatro e cinco anos - 70,7%, 85,0% e 89,2%, respetivamente). No Algarve e nos Açores, 99% das crianças de 5 anos frequentam a educação pré-escolar.
Em 2017/2018, o sistema público de educação era frequentado por 81% dos matriculados em todos os níveis de ensino. O setor privado assumia maior expressão na educação pré-escolar com 47% das crianças inscritas. A maioria das crianças, jovens e adultos, ou seja, 85% dos que se encontravam no sistema educativo concentravam-se em três regiões: Norte com 33,6%, Área Metropolitana de Lisboa com 31,3% e Centro com 20,2%.
O Ensino Básico perdeu mais de 150 mil alunos em 10 anos, desde o ano letivo 2008/2009 até ao de 2017/2018. O 1.º Ciclo é o mais atingido com uma diminuição de 18% do número de alunos, seguindo-se o 2.º Ciclo com 17% e o 3.º Ciclo com menos 9,6%.
No ano letivo 2017/2018, houve 107 066 jovens a concluir o Ensino Básico: 97 777 o ensino regular e 9 289 outras modalidades para jovens: 7 486 em cursos de educação e formação, 1 294 em percursos curriculares alternativos, 399 em cursos artísticos especializados em regime integrado e 10 em cursos profissionais. Em relação aos resultados do Ensino Básico, em 2017/2018, nas disciplinas sujeitas a prova final, verificou-se uma maior concentração nas classificações positivas em Português e uma maior proporção no nível 3, com 61,5% na classificação de frequência, 42,1% na classificação da prova final e 61,7% na classificação interna final. A Matemática registou-se uma maior proporção no nível 3 na classificação de frequência e na classificação interna final, com 37,1% e 36,6%, respetivamente. Em relação à classificação da prova final, a maior percentagem observa-se no nível 2 com 30,9%.
O número de jovens a frequentar o Ensino Secundário cresceu de forma contínua até 2014, ano em que alcançou o valor máximo da década, com 363 245 alunos. Depois começou a baixar. Ao longo da década, verifica-se que os jovens continuam a optar sobretudo por cursos científico-humanísticos, oferta educativa vocacionada para o prosseguimento de estudos de nível superior: 58,3% em 2018 comparativamente com os 59,3% de 2009.
As retenções no Ensino Básico continuam a baixar, o 3.º e o 8.º anos de escolaridade são a exceção, em todos os outros anos e níveis de ensino houve menos retenções/reprovações registadas. Contudo, o número de alunos com dois ou mais anos de desfasamento permanece elevado. São 10 527 no 1.º Ciclo, 18 224 no 2.º e 37 253 no 3.º. E realça a Presidente do CNE:
Atingimos, em 2018, as taxas de retenção mais baixas da década – o que só pode constituir um motivo de regozijo. Mas, apesar disso e dada a ineficácia desta medida para melhorar as aprendizagens e os seus efeitos nocivos na reprodução das desigualdades sociais e na manutenção de uma ‘cultura de escola’ que tende a desresponsabilizá-la face aos resultados, muito resta a fazer neste domínio para o qual se requerem investigações, apoios e liberdade para ousar outras estratégias.”.
No Ensino Secundário, a taxa de retenção e desistência é de 15,7%. No entanto, quando se analisa por anos de escolaridade, o valor não é uniforme: 13,8% no 10.º ano, 8,2% no 11.º ano e 25,6% no 12.º ano. Há mais chumbos no último ano do Secundário. Em 2017/2018, concluíram o Secundário 78 901 jovens: 47 312 em cursos científico-humanísticos, 26 931 em cursos profissionais, 2010 em cursos de aprendizagem, 1 154 em cursos tecnológicos, 734 em artístico especializado em regime integrado, 515 em cursos vocacionais e 245 em cursos de educação e formação. No nosso país e pela primeira vez, a idade média dos diplomados no Secundário é de 19,8 anos no ensino geral, acima da média da União Europeia e da OCDE (18,5 anos), e de 20,1 anos no ensino vocacional, abaixo da média europeia e da OCDE (20,6 e 21,3 anos, respetivamente).
Nesta década, há um acréscimo de 5 540 dos alunos inscritos no Ensino Superior e um decréscimo de 5 789 no ensino politécnico. O ano letivo 2010/2011 foi o que registou o maior número de inscritos, 396 268 ao todo. Nos anos seguintes, verifica-se uma diminuição contínua e em 2014/2015 assinala-se o valor mais baixo (349 658). A partir daí, tem-se verificado um aumento progressivo de inscritos. Em 2017/2018, mantém-se a tendência de uma maior representatividade dos alunos do sexo feminino com 53,8%.
O número de inscritos em estabelecimentos de Ensino Superior público supera os matriculados no privado. A variação de inscritos entre 2009 e 2018, tanto no ensino universitário como no ensino politécnico, é positiva no caso do ensino público (19 734 e 6317, respetivamente) e negativa, em ambos os subsistemas, no caso do ensino privado (-14 194 e -12 106, respetivamente).
Quanto aos adultos matriculados em ofertas formativas de nível básico, entre 2009 e 2018, constata-se um decréscimo global de cerca de 80%. O ano de 2014 é o que regista menos adultos inscritos. A partir de 2015, inverte-se a tendência, mas pouco expressivamente. Em 2017/2018, as modalidades formativas com mais adultos inscritos são os cursos de educação e formação de adultos com 58%, seguidos dos processos de reconhecimento e validação de competências com 38,5%.
Portugal aproxima-se das metas estabelecidas para frequência da educação pré-escolar e à taxa de escolarização no Ensino Básico. E a frequência do Ensino Secundário e do Ensino Superior, apesar de registar progressos (e sem esquecer os enormes avanços conseguidos), requererá atenção e esforço suplementares, sobretudo na avaliação das condições de acesso ao Ensino Superior.
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O retrato do corpo docente (professores muito qualificados) confirma o envelhecimento da classe, questão para a qual o CNE tem alertado. As escolas portuguesas e italianas são as que têm menos docentes jovens. Quase 46,9% dos nossos professores têm 50 ou mais anos de idade, apenas 1,3% estão abaixo da faixa etária dos 30 anos. Na última década, o sistema perdeu mais de 30 mil docentes e os indicadores recentes não são animadores, entre os quais está a diminuição de candidatos nos cursos ligados à educação e ao ensino.
O CNE adverte, a este propósito, que é “necessário planear a vaga de aposentações que se aproxima e a baixa procura de cursos de formação de professores”. A maioria dos professores ao serviço está concentrada nos primeiros 4 escalões da carreira, apenas 0,02% estão no topo (têm em média 61,4 anos de idade e 39 anos de tempo de serviço), e o 3.º escalão é o que tem mais professores (têm em média 22,6 anos de serviço e mais de 48 anos de idade). As estimativas indicam que 57,8% dos professores do quadro estará aposentada por idade em 2030. A presidente do CNE considera que “a situação dos professores (com o planeamento para a vaga de aposentações que se aproxima e a baixa procura de cursos de formação de professores) é questão especialmente importante para a escola.
O tempo para chegar ao topo da carreira é longo e a diferença entre a remuneração no topo de carreira e no início é muito significativa, quando comparado com outros países europeus.
O congelamento prolongado das carreiras e a não recuperação da totalidade do tempo de serviço são as razões apontadas pelo CNE para esta situação e a contagem integral do tempo de serviço é uma grande reivindicação dos sindicatos, que têm prometido não a deixar morrer, após terem provocado uma crise política na anterior legislatura, mas sem o resultado obtido pelos docentes.
Em 2017/2018, havia menos de 150 mil professores do ensino obrigatório (uma redução de mais de 30 mil numa década). E o decréscimo aconteceu em todos os níveis e ciclos de educação e ensino.
Na década 2008-2018, aumentou a proporção de docentes do ensino superior com 50 ou mais anos (mais 15,1%) e diminuiu os que têm menos de 30 anos de idade (menos 3,1%).
Como se disse, os docentes estão mais velhos e a grande maioria é “muito qualificada”: mais de 80% dos professores do ensino obrigatório têm licenciatura ou equiparado e, no ensino superior, 71% dos professores universitários são doutorados assim como 42,1% nos politécnicos (dados de 2017/2018). Por outro lado, nos últimos anos, são cada vez menos os jovens que sonham ser professores. Os cursos da área Educação têm vindo a registar perdas importantes, atingindo em 2018 o valor mais baixo de inscritos desde 2009, com apenas 13.084 alunos.
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O Presidente da República, em declarações prestadas à margem da receção ao hoquista do Sporting e da Seleção Nacional Ângelo Girão, no âmbito do programa ‘Desportistas no Palácio de Belém’, defendeu que o relatório ‘Estado da Educação 2018’ apresenta “mais aspetos positivos do que negativos”, embora persistam metas para 2020 nas quais Portugal está aquém do previsto.
O Chefe de Estado – destacando, entre os fatores positivos, a frequência da educação pré-escolar, (praticamente no valor que é a meta para 2020), o emprego (entre os 20 e os 34 anos), a circulação na Europa, mais alunos no ensino superior, a diversidade no ensino e um menor número de reprovações – disse que estamos em algumas metas muito próximos do que está previsto para o final do ano que vem e que, noutras metas, estamos longe do que é a meta de 2020”. E elencou como fatores negativos o abandono (acima da meta para o ano que vem), e a população adulta que se forma, “no qual Portugal está muito longe”, apresentando só 9,8% (face à estimativa inicial de 15%).
Paralelamente, lamentou o tempo excessivo que as crianças mais pequenas passam nas creches e que, em média, se situa nas 39,1 horas por semana. E, a concluir, disse:
[A educação pré-escolar] arrancou atrasada em relação à Europa, apenas com António Guterres, portanto, estamos a falar de uma realidade com cerca de 20 anos. Houve passos muito rápidos, mas há ainda um buraco entre um e três anos, em que precisamos de ir mais longe e ao nível do que se passa na Europa. Ao mesmo tempo, os pais precisam de ter condições de trabalho para poderem acompanhar as crianças.”.
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O insucesso escolar e as dificuldades económicas e financeiras ainda caminham lado a lado. A percentagem de alunos do básico e secundário que beneficia de ASE (ação social escolar) diminuiu na última década, mas o CNE alerta para o facto de a escola pública ainda ter vencido o determinismo social no insucesso.
Segundo o relatório, “a maior percentagem de alunos que beneficiavam de ASE, no ano 2017/2018, frequentava percursos curriculares alternativos dos 2.º e 3.º CEB [ciclo(s) do ensino básico], os cursos de educação formação do 3.º CEB, e os cursos vocacionais e profissionais do ensino secundário, o que parece indiciar uma relação entre os problemas financeiros e as dificuldades de aprendizagem, por um lado, e o determinismo social, por outro. Os dados recolhidos pelo CNE indicam que a percentagem de beneficiários de ASE nas escolas públicas em 2017/2018 foi a mais baixa na última década, com 36,1% de alunos, contra os 43,1% de 2010-2011, o valor mais alto. E o relatório explica:
Quando se comparam as proporções de alunos com ASE nos diversos níveis de educação e ciclos de ensino, por modalidades, constata-se que existe uma aproximação entre as percentagens de alunos que beneficiam do escalão A [aplicável aos alunos com maiores dificuldades financeiras] e do escalão B, no ensino secundário, ao nível do ensino regular. Nas outras ofertas existe um maior desfasamento entre os dois escalões, sendo maior a percentagem dos alunos do escalão A, que abrange os alunos mais carenciados.”.
Numa análise por modalidades escolares, são os percursos curriculares alternativos e os cursos de vertente profissionalizante ou vocacional que apresentam maiores percentagens de beneficiários de ASE, sobretudo do escalão A de apoio. No Ensino Superior, o total de beneficiários de ASE baixou em 2017-2018 em poucas centenas face ao ano letivo anterior, com mais de 74 mil estudantes apoiados, a quase totalidade em instituições públicas. E, sobre o alojamento para estudantes universitários, um dos maiores problemas atualmente na garantia de acesso ao ensino superior, o CNE aponta o crescimento do número de camas disponíveis nos últimos anos em residências, com mais 823 camas em 2017 do que em 2015 e um crescimento de 4% em 2018, consequência do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior.
Há, pois, muito a fazer, muitas medidas eficazes a tomar, sem trabalhar para as estatísticas!
2019.11.29 – Louro de Carvalho

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