Os partidos que acederam nesta XIV Legislatura à Assembleia da República não intervirão no debate parlamentar com o Primeiro-Ministro no próximo dia 13, por terem só um deputado cada um com assento parlamentar. Porém, a situação será analisada “com urgência” na 1.ª Comissão (Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).
Com efeito, segundo Maria da Luz Rosinha, deputada do PS, porta-voz da Assembleia da República e secretária da sua Mesa, o relatório do grupo de trabalho liderado pelo vice-presidente do Parlamento José Manuel Pureza, do BE, previa o estrito cumprimento do atual Regimento, que só contempla tempos de intervenção para grupos parlamentares, assim como a sua participação na conferência de líderes, órgão onde se decidem os agendamentos e outras questões de funcionamento da Assembleia da República. No entanto, o Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, “não partilha das conclusões do relatório” e pediu “urgência” à 1.ª Comissão na análise do pedido de revisão do Regimento, da Iniciativa Liberal, de forma a possibilitar a alteração das regras que vigoram para os debates parlamentares.
É de referir que a XIII Legislatura criou um precedente sem alterar o Regimento, pois, há 4 anos, o deputado único do PAN André Silva beneficiou dum regime de exceção, podendo intervir nos debates de matérias de “prioridade absoluta”, nos debates quinzenais e nos do estado da Nação. Só que agora, ao invés do PSD, do CDS e do PAN, os partidos que formavam a anterior maioria parlamentar – BE, PCP, PEV e PS – recusam dá-lo aos novos partidos.
Assim, no próximo debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, agendado para o próximo dia 13, Chega, Iniciativa Liberal e Livre não terão assim intervenções a menos que a 1.ª Comissão decida até lá algo em contrário, pelo que saíram a terreiro a criticar o silenciamento que lhes querem impor. O deputado João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, já veio classificar a posição como “uma tentativa de silenciar os pequenos partidos”. E o deputado André Ventura, do Chega, considera que está em causa a democracia, o que o leva a pedir audiências urgentes sobre o assunto a Ferro Rodrigues e a Marcelo Rebelo de Sousa.
Segundo a Antena 1, que avançou a notícia, o PSD, o CDS e o PAN queriam dar ao Livre, à Iniciativa Liberal e ao Chega a possibilidade de intervir no debate quinzenal, nas interpelações ao Governo e no debate sobre o estado da Nação, debates em que o Regimento da AR apenas prevê tempos para os grupos parlamentares. Mas os partidos da antiga maioria de esquerda consideraram que, desta vez, as regras são para cumprir sem exceção.
A concessão desse direito de intervir nos preditos debates não anula nem mitiga o facto de os deputados únicos terem consideravelmente menos direitos em termos regimentais do que os grupos parlamentares. Não tendo grupo parlamentar, não têm assento na conferência de líderes, onde é fixada a agenda do Parlamento; têm menos tempo para intervir; e, em alguns debates, nem sequer está prevista a possibilidade de fazerem uma intervenção; têm direito a três declarações políticas por sessão legislativa (face a uma por semana para os grupos parlamentares) e apenas falam um minuto na discussão de projetos e propostas de lei.
Sobre este problema, o líder parlamentar dos Verdes, José Luís Ferreira, explicou o que está em causa e defendeu a posição do partido, observando:
“É certo que o Regimento da Assembleia da República prevê, em algumas situações, a intervenção de deputados únicos. Não é o caso nos debates com o Primeiro-Ministro. Sucede que um desses partidos, no caso a Iniciativa Liberal, deu entrada na Assembleia da República de um projeto com vista a alterar o Regimento, exatamente para consagrar o direito de intervenção, nesse e noutros debates, dos deputados únicos.”.
Lembrou que, há 4 anos, “ficou expresso” que a exceção aberta para o PAN “não iria criar precedente” e aduz que o cenário agora é diferente: há três novos partidos e não apenas um; e, havendo um projeto em cima da mesa para alterar o Regimento, não faz sentido criar exceções revertíveis com a votação desse projeto. E, frisando que na eventualidade de o projeto ser chumbado, haveria um retrocesso na atribuição dos tempos a estes partidos, defendeu:
“Se há um projeto de resolução que deu entrada com vista à alteração ao Regimento, certamente que isso vai demorar algum tempo até à sua conclusão. A questão que se coloca é neste intermédio, entre o dia de hoje e o dia em que se decidir, ou que for a votos, o projeto apresentado pela Iniciativa Liberal. (…) Se estamos a criar um regime de exceção antes da discussão, a situação ainda fica mais delicada.”.
Relativamente a outro dos direitos reclamados pelos partidos com deputado único, que é a possibilidade de integrar a conferência de líderes, o deputado afirmou que isso ainda não foi formalmente solicitado por nenhum partido, mas considerou que, “se isso acontecer, seguramente haverá abertura”.
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João Cotrim de Figueiredo, o deputado da Iniciativa Liberal, desmentiu esta informação do PEV, afirmando que o partido enviou no último fim de semana um requerimento para ter estatuto de observador na conferência de líderes. Por outro lado, classificando a posição dos partidos de esquerda como “uma tentativa de silenciar os pequenos partidos”, sustentou:
“Achamos que é mais uma tentativa de não deixar que as pessoas que votaram nos partidos que agora têm assento parlamentar tenham a sua voz ouvida no Parlamento, em debates com tanta importância como são os quinzenais com o Primeiro-Ministro. (…) Isto, como eu já tinha em tempos dito, parecia ser o prenúncio de uma tentativa de achar que o enorme espaço socialista e comunista na Assembleia da República se acha dono do regime e, não sei se por medo de uma verdadeira oposição ou por outro motivo qualquer, acha que pode pura e simplesmente ignorar que neste momento há três deputados representantes de partido único que têm que ter uma forma de intervenção dentro da Assembleia.”.
E, sobre o predito projeto de alteração ao Regimento da AR, contou:
“Nós já apresentámos um projeto de regimento, que irá ser apreciado em seu tempo, mas não me venham dizer que uma exceção aberta agora para um debate quinzenal que vai ocorrer antes da decisão definitiva sobre o regimento estabelece qualquer espécie de precedentes. Neste momento, o que está em causa é o debate de quarta-feira, e seria muitíssimo mau sinal, e acho que toda a gente reconhecerá que é um péssimo sinal, que houvesse uma tentativa de silenciar os pequenos partidos.”.
O deputado da IL manifestou o receio de que os argumentos usados agora para negar a exceção venham a ser os mesmos a que a esquerda recorrerá para chumbar as alterações ao Regimento da Assembleia da República. E, a este respeito, disse em abono da saúde parlamentar:
“As pessoas que votaram nestes partidos, e todas as outras que gostam de um Parlamento diverso e da verdadeira democracia a funcionar, devem ter muito medo deste tipo de tentativas de silenciamento que só advêm pelo facto de as grandes maiorias dos partidos de esquerda na Assembleia acharem que podem, querem e mandam”.
Por seu turno, André Ventura, o deputado do Chega, considerou que a posição dos partidos de esquerda é “um dos maiores ataques à nossa história democrática” e um “enorme ataque à livre escolha dos portugueses”. E garantiu que, a confirmar-se a recusa da esquerda em abrir a exceção, o Chega vai pedir audiências “com a máxima urgência” ao Presidente da Assembleia da República e ao Presidente da República, “porque está em causa o regular funcionamento da democracia”. Aduzindo que os portugueses puseram três novos partidos na Assembleia da República, mas estes partidos são tratados como partidos de segunda e os seus eleitores são encarados como eleitores de segunda, referiu que a esquerda esteve disposta a abrir exceção para o PAN, porque era inofensivo e não lhe fazia frente, mas, quando chega a hora de abrir esse regime para uma verdadeira oposição, que vai questionar os negócios do lítio, o que se passa na saúde e nas obras na ala pediátrica do Hospital de São João ou a governação na área das finanças, dizem que estes partidos ‘já não podem falar’, o Primeiro-Ministro não quer responder, nem sequer quer ouvir. E Ventura afirmou que “é uma verdadeira vergonha”.
Criticando o Regimento da Assembleia da República, que denominou de “completamente anacrónico”, o deputado do Chega atirou:
“Os partidos são eleitos para a Assembleia da República, têm o dever e o direito de se expressar. Tenham um, três, cem deputados. Têm aqueles que os portugueses lhes quiseram dar. O Regimento é completamente anacrónico. Mas, tendo sido aberta uma exceção, era previsível, expectável, havia uma regra de segurança para o futuro de que os novos partidos teriam o mesmo.”.
E, sobre o estatuto de observador na conferência de líderes, disse esperar “vir a ter o mesmo tratamento que o PAN teve”.
Também o Livre afirmou, em comunicado, que as decisões tomadas na Conferência de Líderes “pecam por falta de espírito democrático”, pois impedem os novos partidos “de terem tempo de palavra nos debates quinzenais”, e que “a nossa democracia é representativa e só fica fortalecida quando as deputadas e deputados eleitos puderem representar e ser a voz dos seus eleitores”.
E o partido sustenta que “os milhares de cidadãos que votaram no Livre” nas legislativas merecem estar representados nos debates quinzenais e ter oportunidade de questionar o Primeiro-Ministro e o Governo sobre as suas políticas e garante que se empenhará em que, na 1.ª Comissão – para onde a discussão do assunto foi remetida pelo Presidente da Assembleia da República – o tema seja refletido e seja dada “igualdade de oportunidades aos deputados para exposição das suas ideias e propostas”.
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O Presidente da República, sabendo que pode ser confrontado com o tema por algum ou alguns dos pequenos partidos com assento parlamentar, recordou que já aconteceu o precedente para as intervenções dos deputados únicos no Parlamento com o PAN, designadamente nos debates parlamentares quinzenais com o Primeiro-Ministro, mas ressalvou que a decisão é “da Assembleia da República”.
O Chefe de Estado falava aos jornalistas no Hospital Curry Cabral, em Lisboa. E, questionado sobre a possibilidade de os deputados únicos dos partidos Chega, Iniciativa Liberal e Livre não poderem intervir nos debates quinzenais, respondeu que é uma decisão do Parlamento no âmbito do respetivo Regimento, não devendo o Presidente da República pronunciar-se sobre o funcionamento e a organização deste órgão de soberania, e lembrou o precedente criado com o PAN, esquecendo a prevenção de que aquela exceção não constituiria precedente para futuro.
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Do meu ponto de vista, os deputados únicos devem integrar a conferência de líderes e ter direito a voto (e não serem apenas observadores): são três votos em dez. Com efeito, a Assembleia da República não é a assembleia geral duma sociedade anónima onde, para ter direito a voto, é preciso ter subscrito um número mínimo de ações. É o órgão por excelência da democracia representativa, onde a diversidade é fonte de enriquecimento, cabendo a cada cabeça um voto. Ora, para que tal enriquecimento aconteça, é preciso dar a palavra a todos os representantes do povo, no respeito pela diversidade, embora em termos de proporcionalidade em que o mínimo é a unidade. Aliás, por que motivo dois deputados já formam um grupo e um só deputado não? Na matemática, além dos conjuntos plurais, temos os conjuntos singulares formados por um só elemento. E um deputado representa milhares de leitores. Se a 1.ª Comissão for lúcida, resolverá a contento.
2019.11.08 – Louro de Carvalho
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