quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Francisco quer o não ao uso e posse de armas atómicas no Catecismo


No diálogo com os jornalistas durante voo Tóquio-Roma, no dia 26, o Papa respondeu a muitas perguntas dos jornalistas, sobressaindo a reiterada condenação pronunciada em Hiroxima:
O uso das armas nucleares é imoral, por isso deve ser introduzido no Catecismo da Igreja Católica (CIC), e não somente o uso, mas também a posse, porque um acidente, ou a loucura de algum governante, a loucura de um pode destruir a humanidade”.
Além disso, exprime dúvidas sobre as centrais nucleares até que haja segurança total.
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O Padre Makoto Yamamoto, do Catholic Shimbum, questionou o Pontífice sobre a visita a Nagasaki e Hiroxima e se a sociedade e a Igreja ocidentais têm algo a aprender da sociedade e da Igreja orientais. Em resposta, tendo em mente o dito lux ex Oriente, ex Occidente luxus”, o Santo Padre, disse que “a luz vem do Oriente”, enquanto “o luxo, o consumismo vem do Ocidente”. E, porque a sabedoria oriental não é “apenas de conhecimento, mas de tempos, de contemplação”, ajuda muito a sociedade ocidental (sempre às pressas) “a aprender a contemplação, a deter-se e olhar as coisas também poeticamente”. Talvez falte “ao Ocidente um pouco de poesia a mais”, enquanto o Oriente vê as coisas “com olhos que vão além”, com “poesia, gratuitidade, busca da própria perfeição no jejum, nas penitências, na leitura da sabedoria dos sábios orientais”. Por isso, “fará bem a nós ocidentais parar um pouco e dar tempo à sabedoria”.
Quanto a Nagasaki e Hiroxima, o Papa anota a semelhança no sofrimento da bomba atómica, mas evidencia uma diferença: Nagasaki não teve só a bomba; também teve os cristãos. De facto, Nagasaki tem raízes cristãs antigas; e, quando havia perseguição aos cristãos em todo o Japão, em Nagasaki ela foi muito forte. O secretário da Nunciatura ofereceu ao Sumo Pontífice um fac-símile em madeira onde está escrito o “wanted” daquele tempo:
Procuram-se cristãos! Se encontrares um, denuncia-o e serás bem compensado; se encontrares um sacerdote, denuncia-o e serás bem compensado.”.
Depois de considerar que foram séculos de perseguições, Francisco revelou que desejou ir a ambas a cidades, pois nelas houve o desastre atómico, e fez a seguinte apreciação:
Hiroxima foi uma verdadeira catequese humana sobre a crueldade, não pude ver o museu de Hiroxima por motivos de tempo, porque foi um dia difícil, mas dizem que é terrível: cartas dos Chefes de Estado, dos generais que explicavam como se podia fazer um desastre maior. Para mim foi uma experiência muito mais comovente.”.
Por conseguinte, mencionando o dito de Einstein ‘A quarta guerra mundial será combatida com paus e pedras’, ali reiterou que “o uso das armas nucleares é imoral, pelo que deve ser introduzido no Catecismo da Igreja Católica, e não apenas o uso, mas também a posse, porque um acidente, ou a loucura de algum governante, a loucura de um pode destruir a humanidade”.
A Shinichi Kawarada, do The Asahi Shimbum, que referiu ser o Japão um produtor de energia nuclear e ter a proteção nuclear dos EUA e que perguntou se “as centrais nucleares deveriam ser desativadas”, por comportarem “grande risco como aconteceu em Fukushima, o Papa frisou que pode sempre ocorrer um acidente, como o tríplice desastre (o terramoto, o tsunami e o desastre nuclear da central de Fukushima em 2011). Entende que “o nuclear é o limite” porque ainda não se alcançou uma segurança total e que devemos abandonar as armas porque elas são destruição. E à objeção de que também “com a energia elétrica se pode provocar um desastre por uma insegurança”, respondeu que “seria um pequeno desastre”, ao passo que “o desastre duma central nuclear será um grande desastre”. A título de opinião pessoal, diz que não se deve usar a energia nuclear “enquanto não houver uma segurança total sobre a sua utilização”, não alinhando com os que a querem suspensa por a considerarem “um risco para a custódia da criação”. Insistindo na questão da insegurança, lembrou que tem havido um acidente a cada dez anos no mundo e com reflexos na criação e nas pessoas. E, mencionando o da Ucrânia (em Chernobyl, 1986), vincou:
Devemos pesquisar sobre a segurança, quer para evitar acidentes, quer para as consequências sobre o ambiente. Sobre o ambiente creio que fomos além do limite, na agricultura com os pesticidas, na criação de frangos com os médicos que orientam as mães a não dar às crianças para comer aqueles frangos de criação porque são criados com as hormonas e fazem mal à saúde. Muitas doenças raras que hoje existem devido ao mau uso do ambiente. A custódia do ambiente é uma coisa que ou se faz hoje ou nunca mais. Mas voltando à energia nuclear: construção, segurança e custódia da criação.”.
Porque o tema das armas nucleares levanta a questão da paz, Jean-Marie Guénois, do Le Figaro, deu azo a que Francisco falasse da legítima defesa, da hipótese da guerra justa e da não violência. Há projetos que estão na gaveta – diz – um sobre a paz está a amadurecer e verá a luz quando for o momento. Diz que o bullying é um problema de violência, de que falou aos jovens japoneses, e que “é um problema que estamos a tentar resolver com muitos programas educacionais”. Não obstante, entende que uma encíclica sobre a não-violência ainda não a vê amadurecida, pelo que deve “rezar muito” e “buscar o caminho”. Pode suceder que tenha de ser um sucessor a assumir essa tarefa.
Mencionando o dito romano “Si vis pacem para bellum”, disse que ainda não fomos maduros, “as organizações internacionais não conseguem fazer a paz sem armas”. Releva que as Nações Unidas não conseguem evitar as guerras, mas fazem muitas mediações meritórias e países como a Noruega estão sempre dispostos a mediar, o que é bom, mas é preciso mais. E faz reparo:
Pense no Conselho de Segurança da ONU, se há um problema com as armas e todos estão de acordo para resolver aquele problema para evitar um incidente bélico, todos votam ‘sim’, um com direito de veto vota ‘não’ e tudo se bloqueia. (…) Talvez as Nações Unidas devessem dar um passo avante renunciando no Conselho de Segurança ao direito de veto que algumas nações têm. (…) Tudo aquilo que se pode fazer para deter a produção das armas, para favorecer a negociação, com a ajuda dos facilitadores, isso deve fazer-se sempre, e dá resultados.”.
Depois, denunciou a hipocrisia ‘armamentista’ de países cristãos, países europeus, que falam de paz e vivem das armas. E apontou que Jesus fala sobre isso no capítulo 23 de Mateus – o capítulo das invectivas aos doutores da Lei e fariseus hipócritas – e disse que é preciso acabar com essa hipocrisia, assumindo a coragem de dizer: ‘Não posso falar de paz, porque a minha economia lucra muito com as armas’. Com efeito, às vezes, fala-se de fraternidade insultando e maculando pessoas e países – o que tem de acabar. E Francisco evocou o seguinte episódio:
Num determinado porto, chegou dum país uma embarcação que deveria passar as armas a outra embarcação para ir para o Iémen, e os trabalhadores do porto disseram ‘não’. Fizeram bem e a embarcação voltou para o seu lugar de partida. É um caso, mas ensina-nos como se deve seguir nessa direção. Hoje a paz é muito frágil, mas não se deve desencorajar.”.
E, quanto à legítima defesa, referiu que é uma hipótese sempre a considerar, pois na teologia moral é contemplada, mas como último recurso. E entende que a legítima defesa deve ser feita com a diplomacia, com as mediações… e com as armas só em “último recurso”.
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É uma postura lúcida e corajosa a assumida pelo Papa em relação à energia nuclear e armas nucleares. Não considera a energia nuclear, em si, um atentado à criação, mas sugere a sua suspensão enquanto não houver garantias de segurança, porque aí, sim, ao surgir um acidente, o que não é raro, o desastre humano e ecológico é indesmentível e indisfarçável. Já quanto à posse e uso de armas nucleares considera-os de todo imorais e quer a introdução deste enunciado no Catecismo da Igreja Católica. É uma questão de coerência.
É pena que Francisco, às vezes, se escude em opinião pessoal (como se vê na entrevista): revela humildade, mas também falta de assessoria, necessária em razão da magnitude destas matérias!      
2019.11.28 – Louro de Carvalho

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