No diálogo
com os jornalistas durante voo Tóquio-Roma, no dia 26, o Papa respondeu a
muitas perguntas dos jornalistas, sobressaindo a reiterada condenação
pronunciada em Hiroxima:
“O uso das armas nucleares é imoral, por isso deve ser introduzido no
Catecismo da Igreja Católica (CIC), e não somente o uso, mas também a posse,
porque um acidente, ou a loucura de algum governante, a loucura de um pode
destruir a humanidade”.
Além disso,
exprime dúvidas sobre as centrais nucleares até que haja segurança total.
***
O Padre Makoto Yamamoto, do Catholic Shimbum, questionou
o Pontífice sobre a visita a Nagasaki e Hiroxima e se a sociedade e a
Igreja ocidentais têm algo a aprender da sociedade e da Igreja orientais.
Em resposta, tendo em mente o dito “lux ex Oriente, ex Occidente luxus”, o Santo Padre,
disse que “a luz vem do Oriente”, enquanto “o luxo, o consumismo vem do
Ocidente”. E, porque a sabedoria oriental não é “apenas de conhecimento, mas de
tempos, de contemplação”, ajuda muito a sociedade ocidental (sempre às
pressas) “a aprender a contemplação, a
deter-se e olhar as coisas também poeticamente”. Talvez falte “ao Ocidente um
pouco de poesia a mais”, enquanto o Oriente vê as coisas “com olhos que vão
além”, com “poesia, gratuitidade, busca da própria perfeição no jejum, nas
penitências, na leitura da sabedoria dos sábios orientais”. Por isso, “fará bem
a nós ocidentais parar um pouco e dar tempo à sabedoria”.
Quanto a Nagasaki
e Hiroxima, o Papa anota a semelhança no sofrimento da bomba atómica, mas evidencia
uma diferença: Nagasaki não teve só a bomba; também teve os cristãos. De facto,
Nagasaki tem raízes cristãs antigas; e, quando havia perseguição aos cristãos
em todo o Japão, em Nagasaki ela foi muito forte. O secretário da Nunciatura
ofereceu ao Sumo Pontífice um fac-símile em madeira onde está escrito o
“wanted” daquele tempo:
“Procuram-se cristãos! Se encontrares um, denuncia-o e serás bem
compensado; se encontrares um sacerdote, denuncia-o e serás bem compensado.”.
Depois de considerar
que foram séculos de perseguições, Francisco revelou que desejou ir a ambas a
cidades, pois nelas houve o desastre atómico, e fez a seguinte apreciação:
“Hiroxima foi uma verdadeira catequese humana sobre a crueldade, não
pude ver o museu de Hiroxima por motivos de tempo, porque foi um dia difícil,
mas dizem que é terrível: cartas dos Chefes de Estado, dos generais que
explicavam como se podia fazer um desastre maior. Para mim foi uma experiência
muito mais comovente.”.
Por
conseguinte, mencionando o dito de Einstein ‘A quarta guerra mundial será combatida com paus e pedras’, ali
reiterou que “o uso das armas nucleares é
imoral, pelo que deve ser introduzido no Catecismo da Igreja Católica, e não
apenas o uso, mas também a posse, porque um acidente, ou a loucura de algum
governante, a loucura de um pode destruir a humanidade”.
A Shinichi Kawarada, do The Asahi Shimbum, que referiu ser o
Japão um produtor de energia nuclear e ter a proteção nuclear dos EUA e que perguntou
se “as centrais nucleares deveriam ser desativadas”, por comportarem “grande risco como aconteceu em
Fukushima, o Papa frisou que pode sempre ocorrer
um acidente, como o tríplice desastre (o terramoto, o tsunami e o desastre
nuclear da central de Fukushima em 2011). Entende
que “o nuclear é o limite” porque ainda não se alcançou uma segurança total e
que devemos abandonar as armas porque elas são destruição. E à objeção de que
também “com a energia elétrica se pode provocar um desastre por uma insegurança”,
respondeu que “seria um pequeno desastre”, ao passo que “o desastre duma
central nuclear será um grande desastre”. A título de opinião pessoal, diz que
não se deve usar a energia nuclear “enquanto não houver uma segurança total
sobre a sua utilização”, não alinhando com os que a querem suspensa por a
considerarem “um risco para a custódia da criação”. Insistindo na questão da
insegurança, lembrou que tem havido um acidente a cada dez anos no mundo e com
reflexos na criação e nas pessoas. E, mencionando o da Ucrânia (em
Chernobyl, 1986), vincou:
“Devemos pesquisar sobre a segurança, quer para evitar acidentes, quer
para as consequências sobre o ambiente. Sobre o ambiente creio que fomos além
do limite, na agricultura com os pesticidas, na criação de frangos com os
médicos que orientam as mães a não dar às crianças para comer aqueles frangos
de criação porque são criados com as hormonas e fazem mal à saúde. Muitas
doenças raras que hoje existem devido ao mau uso do ambiente. A custódia do
ambiente é uma coisa que ou se faz hoje ou nunca mais. Mas voltando à energia
nuclear: construção, segurança e custódia da criação.”.
Porque o tema das armas nucleares levanta a questão da paz, Jean-Marie Guénois, do Le Figaro, deu azo a que Francisco
falasse da legítima defesa, da hipótese da guerra justa e da não violência. Há projetos que estão na gaveta – diz – um sobre a paz
está a amadurecer e verá a luz quando for o momento. Diz que o bullying é um problema de violência, de
que falou aos jovens japoneses, e que “é um problema que estamos a tentar
resolver com muitos programas educacionais”. Não obstante, entende que uma
encíclica sobre a não-violência ainda não a vê amadurecida, pelo que deve “rezar
muito” e “buscar o caminho”. Pode suceder que tenha de ser um sucessor a
assumir essa tarefa.
Mencionando
o dito romano “Si vis pacem para bellum”, disse que ainda não fomos
maduros, “as organizações internacionais não conseguem fazer a paz sem armas”.
Releva que as Nações Unidas não conseguem evitar as guerras, mas fazem muitas
mediações meritórias e países como a Noruega estão sempre dispostos a mediar, o
que é bom, mas é preciso mais. E faz reparo:
“Pense no Conselho de Segurança da ONU, se há um problema com as
armas e todos estão de acordo para resolver aquele problema para evitar um
incidente bélico, todos votam ‘sim’, um com direito de veto vota ‘não’ e tudo
se bloqueia. (…) Talvez as Nações Unidas devessem dar um passo avante renunciando no Conselho de Segurança ao
direito de veto que algumas nações têm. (…) Tudo aquilo que se pode fazer
para deter a produção das armas, para favorecer a negociação, com a ajuda dos
facilitadores, isso deve fazer-se sempre, e dá resultados.”.
Depois,
denunciou a hipocrisia ‘armamentista’ de países cristãos, países europeus, que
falam de paz e vivem das armas. E apontou que Jesus fala sobre isso no capítulo
23 de Mateus – o capítulo das invectivas aos doutores da Lei e fariseus
hipócritas – e disse que é preciso acabar com essa hipocrisia, assumindo a
coragem de dizer: ‘Não posso falar de
paz, porque a minha economia lucra muito com as armas’. Com efeito, às
vezes, fala-se de fraternidade insultando e maculando pessoas e países – o que
tem de acabar. E Francisco evocou o seguinte episódio:
“Num determinado porto, chegou dum país uma embarcação que deveria
passar as armas a outra embarcação para ir para o Iémen, e os trabalhadores do
porto disseram ‘não’. Fizeram bem e a embarcação voltou para o seu lugar de
partida. É um caso, mas ensina-nos como se deve seguir nessa direção. Hoje a paz
é muito frágil, mas não se deve desencorajar.”.
E, quanto à
legítima defesa, referiu que é uma hipótese sempre a considerar, pois na
teologia moral é contemplada, mas como último recurso. E entende que a legítima
defesa deve ser feita com a diplomacia, com as mediações… e com as armas só em
“último recurso”.
***
É uma
postura lúcida e corajosa a assumida pelo Papa em relação à energia nuclear e
armas nucleares. Não considera a energia nuclear, em si, um atentado à criação,
mas sugere a sua suspensão enquanto não houver garantias de segurança, porque
aí, sim, ao surgir um acidente, o que não é raro, o desastre humano e ecológico
é indesmentível e indisfarçável. Já quanto à posse e uso de armas nucleares
considera-os de todo imorais e quer a introdução deste enunciado no Catecismo
da Igreja Católica. É uma questão de coerência.
É pena que
Francisco, às vezes, se escude em opinião pessoal (como se vê
na entrevista): revela
humildade, mas também falta de assessoria, necessária em razão da magnitude
destas matérias!
2019.11.28
– Louro de Carvalho
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