sábado, 9 de novembro de 2019

Frequência das aulas de EMRC e da Catequese Paroquial


O JN de 6 de novembro tem em 1.ª página a seguinte informação: “FELGUEIRAS Ameaça de sanções a quem faltar a Religião e Moral”, com remissão para a página 26, onde se lê em título: “Alunos em Felgueiras coagidos a assistir a aulas de religião”.
Lendo o texto noticioso, que não sei se merece crédito, está em causa uma circular enviada aos pais dos 48 alunos inscritos em EMRC (entre os 63 que frequentam a escola) pelo coordenador do Centro Escolar de Torrados, em Felgueiras, a advertir que os educandos tinham de frequentar as aulas de EMRC (Educação Moral Religiosa Católica). Com efeito, “no ato de matrícula foi feia a escolha para a frequência da disciplina” e a comunicação das faltas (à décima o aluno reprova) será feita “mensalmente para a base de dados da Igreja Católica Portuguesa”. Mais: a papeleta referia que os alunos corriam “o risco de lhes ser barrado o acesso aos vários serviços da Igreja, como por exemplo a frequência da catequese, batizados, primeira comunhão e outras celebrações, bem como não poder entrar em qualquer Igreja católica portuguesa” (sic).
A julgar pelo teor desta comunicação, mormente o trecho aspado e marcado a negrito, os alunos, mesmo menores, estariam totalmente “interditos”, para não dizer “excomungados” por não terem cumprido com uma obrigação que os pais lhes impuseram. Na verdade, segundo as leis eclesiásticas, as penas canónicas só podem recair sobre crentes batizados, maiores de idade e sabedores de que este ou aquele comportamento acarreta uma pena canónica, o que não é o caso. Por outro lado, quem opta pela frequência ou não da disciplina de EMRC são os alunos maiores ou os pais dos alunos menores e não as crianças e adolescentes.
Da parte da Igreja Católica, os únicos pedidos que se podem fazer às escolas é que respeitem a opção dos pais dos alunos menores e a dos alunos maiores e que tratem a disciplina com as mesmas condições com que tratam as outras, dando também aos seus professores as mesmas condições de trabalho e desempenho que aos demais. De resto, não há lugar a qualquer comunicação de faltas às instâncias eclesiásticas (muito menos a uma base de dados da Igreja), mas aos encarregados de educação, como no caso das outras disciplinas. E também, nos termos do Estatuto do Aluno e Ética Escolar em vigor não há uma reprovação automática por excesso de faltas a nenhuma disciplina, devendo promover-se a remediação logo que o aluno ultrapasse metade do limite de faltas. Além disso, a média de EMRC não conta para efeitos de retenção ou transição, reprovação ou aprovação.
Perante o sucedido, o diretor do gabinete de informação da diocese do Porto, a que pertence Felgueiras, diz que o predito comunicado é da responsabilidade de quem o assina, assegura que a diocese tomou conhecimento apenas pela comunicação social, nega que haja algum cruzamento de dados entre a escola e a Igreja sobre a frequência da disciplina e frisa que “nenhuma criança foi, é ou será impedida de frequentar a catequese ou entrar na igreja por não ir as estas aulas”.
Fontes do Ministério da Educação dizem que o Ministério desconhecia tal comunicado e que o mesmo “não tem qualquer cabimento”. Na verdade, embora as orientações programáticas da disciplina sejam da responsabilidade da Igreja Católica, “o ensino religioso tem de se orientar por processos científicos e pedagógicos partilhados por outras disciplinas e áreas curriculares, não se constituindo como uma situação de aprendizagem alternativa à catequese”. Por outro lado, a disciplina pretende ajudar alunos cristãos a “um aprofundamento da visão cristã da vida” e, aos não cristãos que a frequentem (a quem está aberta e que os há) proporcionar o contacto com o cristianismo como fenómeno cultural e ajuda-los a definirem-se “sem exercer qualquer ação condicionadora das suas escolhas”.
O presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) anota que a disciplina de EMRC é “opcional” e que deve ser respeitada “a liberdade religiosa” de cada um, afirmando que este caso de ameaças é caso “isolado e inédito” no país.  
Por seu turno, a direção do Agrupamento de Escolas Dr. Machados de Matos – Felgueiras confirmou a existência do comunicado e remeteu o esclarecimento do assunto para uma reunião a realizar ainda naquele dia.
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Não me custa a crer que o pároco ou outras pessoas ligadas à pastoral da paróquia (às vezes, mais papistas que o Papa) tenham feito pressões públicas no sentido de os alunos frequentarem a disciplina de EMRC na escola, no âmbito do zelo por que haja coerência com as convicções de fé. Porém, custa-me a crer que tais pressões tenham sido formalizadas junto dos dirigentes escolares. E, se o foram, estes não deveriam dar a mão a tais pressões, no quadro da autonomia da escola e da autonomia da paróquia. Aliás, ainda que houvesse base de dados da Igreja, os dirigentes escolares não poderiam responder, pois só devem fornecer dados estatísticos às entidades estatais e a escola não responde a qualquer tipo de inquéritos solicitados por entidades exteriores, a não ser por ordem ou autorização superior, exceto (por parte de dirigentes, professores, pessoal não docente e alunos) no atinente a dados que suportem trabalhos académicos, que serão tratados confidencialmente e com manutenção do anonimato. Além disso, os cidadãos (neste caso, pais e alunos) não podem ser importunados pelas entidades estatais sobre opções religiosas, políticas, ideológicas e de orientação sexual.
Por fim, tenho de fustigar a incoerência de tantos pais e mães que se dizem cristãos e católicos, mas não inscrevem os filhos na EMRC, porque: assim têm mais tempo para estudar (É o estudas!); a aula é no 1.º tempo (e o/a filho/a pode dormir mais um bocadinho); é no último tempo (e o/a filho/a pode chegar mais cedo a casa. Mas o transporte escolar não vem mais cedo ou os pais não tê hipótese de ir buscar o/a filho/a mais cedo); é no tempo letivo antes do almoço (e o/a filho/a pode ir almoçar mais cedo); é no tempo letivo a seguir ao almoço (e o/a filho/a pode ficar a almoçar com mais calma); o/a filho/a não quer e ele/a é que sabe; a aula é uma seca; o professor não é competente… No entanto, mandam os/as filhos/as à catequese ou, pelo menos, às últimas lições porque não dispensam as festarolas, os vestidos ou os fatinhos, o almoço com convidados, o bolo e as prendas… sobretudo quando se trata de 1.ª comunhão ou de Profissão de Fé – Comunhão Solene. Cristianismo de conveniência, de folclore, de afirmação social.
Todavia, os pastores de proximidade e seus colaboradores deverão insistir oportuna e inoportunamente com os cristãos para que levem ou mandem os filhos às catequeses, à missa em domingo e dia santo e, por consequência, às festas que decorrem dos atos das catequeses: festa do Pai Nosso, festa do Credo; 1.ª Comunhão, Profissão de Fé – Comunhão Solene, Crisma ou Confirmação… E, porque os cristãos devem estar presentes na escola, há que aproveitar a oportunidade para ali dar o testemunho possível, sendo uma das formas de testemunho a frequência da EMRC, que se constitui, não como forma de aprendizagem alternativa à catequese, mas como uma forma específica de aprendizagem do mundo e da vida. No entanto, devem os pastores de proximidade abster-se de pressões ilegítimas que raiem o proselitismo em vez de afirmarem a via do diálogo e do respeito pela liberdade de cada um. E não devem confundir as coisas, dificultando o acesso aos benefícios e tarefas eclesiais por não terem cumprido tarefas escolares e beneficiado das oportunidades que a escola é obrigada a dar-lhes. Com efeito, como diz o Papa, os pastores e seus colaboradores devem ser facilitadores da fé e não seus controladores.
Porém, insisto: os cristãos devem ser coerentes e consequentes com as suas convicções, se é que as têm. Parece que a liberdade religiosa, para alguns consiste apenas em não professar uma religião, quando é mais a possibilidade de ter e professar a religião por que opta, sem que a sua formação seja impedida ou dificultada e a sua prática seja impedida ou condicionada por meios e razões desproporcionados. Por outro lado, muitos pensam que a liberdade religiosa é para usar só quando apetece, quando ela deve ter uma linha de coerência e de estabilidade. As Igrejas e a sociedade devem poder saber com quem podem contar.  
2019.11.09 – Louro de Carvalho

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