Em setembro de 2018, o Primeiro-Ministro dizia, segundo o Público, do dia 7, que a prioridade é a
ferrovia e que o Governo estava a correr atrás do prejuízo fazendo “o que não
foi feito” por governos anteriores. Afirmou-o pegando num segmento conhecido de uma música de Pedro Abrunhosa a repetir a
ideia de que estava o Executivo a recuperar tempo perdido: “Estamos a fazer aquilo que não foi
feito”.
António
Costa falava aos jornalistas, tendo ao seu lado Pedro Marques, então Ministro
do Planeamento e Infraestruturas, no âmbito da visita às obras na linha que
liga a Beira Baixa à Beira Alta, da Covilhã até à Guarda para reforçar a ideia
que o Executivo não estava parado. Tendo subjacentes as críticas que vinham
dominando o espaço mediático naquele verão, atirou:
“Durante décadas o país andou concentrado na
rodovia (...). Felizmente, mudámos de paradigma e hoje há um grande consenso,
de que só me posso regozijar, nacional, para dar uma nova prioridade à
ferrovia.”.
Pegou, a
explicar o atraso, no exemplo do troço então em obras para dizer que, se
tivesse havido trabalho anterior feito no atinente a obras e à aquisição de
material circulante, haveria menos queixas. E explanou:
“A ligação entre a Covilhã e a Guarda estava
encerrada há 10 anos. (…) Fizemos a encomenda [de material circulante]. Temos
de ter a noção do seguinte, se a linha não tivesse sido encerrado há 10 anos,
o senhor presidente da câmara da Covilhã podia ter vindo até
aqui de comboio; se tivesse começado há 5 anos, já estava feito. Se os comboios
tivessem sido encomendados há 5 anos, estávamos aqui a estreá-los.”.
Assegurando
que o Governo não tem só “um programa”, mas tem “obra de concretização do
programa”, revelou que a intenção governamental era de que a linha estivesse
“restabelecida” em meados de 2019 e garantiu que o objetivo era realizar mais
obra, porque estas “são essenciais para a revitalização do interior”. Estavam em
causa as ligações a Espanha que passam pela linha que sai de Sines e pela
linha do Minho, pelo que referia:
“Todas elas permitirão ter uma melhor
conexão para a península ibérica, que as torna mais atrativas. (…) Agora a
prioridade é a ferrovia e é nessa prioridade que temos de nos concentrar.”.
***
Passado pouco mais de um ano depois de tais solenes garantias
costistas, estão ao todo previstos 18 adiamentos ou atrasos e até um cancelamento
de norte a sul do país, nas obras previstas no programa Ferrovia 2020, vindo a
IP (Infraestruturas de
Portugal) alegar “dificuldades
técnicas” e alterações nos “consórcios projetistas”. atrativas
Recorde-se que este programa de
recuperação e modernização dos caminhos de ferro nacionais, no quadro do qual
surgiram as afirmações de Costa referenciadas supra, foi apresentado em 2016 e
previa um investimento de cerca de dois mil milhões de euros.
O projeto abrange todo o país, pelo
que este recuo se faz sentir de norte a sul. Por exemplo, a eletrificação do troço
da Linha do Douro entre Marco de Canaveses e Régua, cuja conclusão estava prevista para o
final deste ano, foi cancelada por causa duma alteração do “consórcio
projetista”. Com efeito, as dificuldades técnicas evidenciadas pelo consórcio
projetista obrigaram à revogação do contrato. E a IP “está atualmente a
concluir a contratação de um novo consórcio projetista”.
Na Linha do Norte está atrasada a
renovação da ligação entre Válega e Espinho, cuja
conclusão estava prevista para final de setembro passado, mas que só ficará
concluída “entre 2022 e 2023”, estando programado para 2020 o concurso da
empreitada. Também a eletrificação da Linha do Minho e dos troços
algarvios que ligam Tunes a Lagos e Faro a Vila Real de Santo António
receberão nova data de conclusão: no primeiro caso, os habitantes de Valença
esperam até 2020 para verem carruagens movidas a eletricidade (de acordo com o programa lançado em
2016, esse momento devia ter acontecido no 1.º trimestre deste ano); no segundo, mais a sul, estima-se
que a renovação seja concluída algures no 2.º trimestre de 2023, registando-se
um atraso de quase dois anos mercê das avaliações de impacto ambiental.
São contratempos que atrapalham as
ambições do atual Governo, cujo Chefe, há mais de um ano, declarou que a
ferrovia era uma das “prioridades” do executivo e que era preciso “”fazer o que
ainda não foi feito”. E recentemente Pedro Nuno Santos, Ministro das
Infraestruturas e Habitação, reafirmou a importância da Ferrovia como setor
estratégico do país.
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Quem não se dá pelos ajustes é a associação
transfronteiriça Eixo Atlântico, que
exige ponto de situação sobre eletrificação da Linha do Minho. Na verdade,
o seu secretário-geral
afirmou a necessidade de “um ponto de situação para clarificar” a execução da
obra, adiantando que o “segundo semestre de 2020 foi o último prazo” dado pela
IP.
Por seu
turno, o Ministro das Infraestruturas admitiu atrasos e constrangimentos em
projetos de modernização dos caminhos de ferro, mas afastou a hipótese de
qualquer cancelamento na execução do plano ferroviário 2020
Assim, o Eixo Atlântico solicitará,
esta semana, ao presidente da IP “informação oficial” sobre a eletrificação da
Linha do Minho no troço entre Viana do Castelo e Valença. Em comunicado, a
organização, criada há mais de 25 anos e que atualmente agrega 28 municípios
portugueses e galegos, justificou aquele pedido com as informações que surgiram
no dia 19 nos meios de comunicação portugueses relativas “à suspensão ou atraso
na execução da linha ferroviária do Minho e do último troço”, entre Viana do
Castelo e Valença, e com o facto de a informação tornada pública pela IP negar
todos os aspetos dessas notícias e confirmar que todas as obras continuam em
tramitação ou execução”.
O secretário-geral da supradita
associação afirmou à Lusa ser
necessário “um ponto de situação para clarificar” a execução da obra. Xoan Mao
adiantou que o segundo semestre de 2020 foi o último prazo que lhe foi oficialmente
comunicado por António Laranjo, presidente da IP para a conclusão daquela
empreitada.
António Costa disse, em julho, na
estação de caminhos de ferro da capital do Alto Minho, aquando da inauguração
da eletrificação do troço Nine – Viana do Castelo, num valor de 16 milhões de
euros, que a empreitada em curso, de eletrificação do troço entre Viana do
Castelo e Valença, estaria concluída no segundo semestre de 2020. Porém, no dia
19 de novembro, Pedro Nuno Santos admitiu atrasos e constrangimentos em
projetos de modernização dos caminhos de ferro, mas afastou a hipótese de
qualquer cancelamento na execução do plano ferroviário 2020.
Afirmou o governante, à margem da
assinatura do Acordo de Empresa da EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário), em Lisboa:
“Não
há nenhuma obra cancelada, nenhuma obra suspensa, o que temos […] são atrasos
nas obras, isso é verdade, mas cancelamento e suspensão não existe um único.”.
O Ministro reagia, assim, à manchete
desta terça-feira do JN, que dava
conta do adiamento de 18 obras programadas no âmbito do programa Ferrovia 2020,
apresentado em fevereiro de 2016, no valor de dois mil milhões de euros, e de
um projeto cancelado de eletrificação do troço entre Viana do Castelo e
Valença. E explicou, reafirmando que não há cancelamento ou desistência:
“O
que houve foi um projeto [de eletrificação] com pouca qualidade e foi
necessário relançar o projeto de contratação do projetista”.
Com efeito, quanto a obras atrasadas,
o Jornal de Notícias informava que
afetam a Linha do Norte, a ligação entre Espinho e Gaia, a renovação da linha
entre a Covilhã e a Guarda, a modernização da Linha do Oeste, entre Mira
Sintra-Meleças e Caldas da Rainha, e a eletrificação entre Lagos e Tunes e
entre Faro e Vila Real de Santo António.
E o governante, alegando que nem
sempre as obras do investimento público preveem alguns constrangimentos, como
impugnação dos concursos por parte de candidatos eliminados, atrasos no
Tribunal de Contas (TdC) ou avaliações de impacto ambiental
que exigem alterações, disse:
“Os
constrangimentos que o investimento público enfrenta levam a que, infelizmente,
tenhamos que regularmente assistir a atrasos em algumas das obras”.
Também a IP, em
comunicado, reafirmou não haver qualquer suspensão ou cancelamento, e
que estão em desenvolvimento e serão concretizados “todos os investimentos
previstos”, a executar no âmbito do Ferrovia2020.
***
Paralelamente,
há a notícia dum acordo assinado pela EMEF e subscrito por várias organizações
sindicais (SINDEFER, STMEFE, FECTRANS/SNTSF, SINFB e SINAFE) que permite o aumento salarial
de 25 euros até 1 de janeiro de 2020, um aumento de 10 euros em janeiro e uma
subida do valor do índice remuneratório de entrada na carreira de operário da
EMEF, de cerca de 736 euros para 796,11 euros. É o culminar dum processo
negocial inserido na estratégia definida pelo Governo, em finais de junho de
2018, na qual se definiu a contratação imediata de 67 trabalhadores para a EMEF
e a substituição dos reformados.
José Manuel Oliveira, coordenador da
Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans/CGTP-IN), em
declarações no final da cerimónia, disse ter expectativa de que a empresa
“brevemente” volte a ser o setor oficinal da CP – Comboios de Portugal, e não
uma empresa autónoma, definindo-se neste acordo os pontos de partida desta fase
de integração.
“É
um passo de alteração da prática neste setor, que desde 2009 não tinha
contratação coletiva”, adiantou o sindicalista.
Por sua vez, o Ministro das
Infraestruturas disse tratar-se de um acordo “muito importante” de valorização
de uma “atividade crítica para o funcionamento da CP e para o país” e salientou
o papel dos trabalhadores da EMEF que disse terem feito, ao longo dos anos,
“milagres” ao conseguir manter em funcionamento material circulante “muito
antigo”.
***
É curioso como só há reação pública
notória em relação às obras na Linha do Minho, quando o atraso e o adiamento em
obras públicas são crónicos e se estendem a vários troços da ferrovia e do material
circulante. É difícil fazê-las sair do papel, é difícil pô-las em marcha – se não
há dinheiro, é porque não há dinheiro; se há problemas técnicos, é porque há
problemas técnicos (que
podem encapotar falta de dinheiro); e, se há dinheiro e não há problemas técnicos, temos a
burocracia, de que o TdC é um grande exemplo – e é difícil concluí-las. Há
trabalhos a mais não previstos e previstos (Como é que um caderno de encargos prevê trabalhos a mais que
o projeto não contempla?).
Há contratempos: chove, neva e há aluimentos, derrocadas, alagamentos…
Enfim, tudo a justificar a
incompetência técnica e a discrepância entre a vontade política e as intenções.
Salvam-se os acordos salariais e a recentração do perfil da EMEF! Tendo os
trabalhadores motivados a laboração é mais eficaz. Mas não pode haver hiatos no
investimento!
2019.11.20 – Louro de Carvalho
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