quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Definir comboios como prioridade e deixar atrasar tudo é balela


Em setembro de 2018, o Primeiro-Ministro dizia, segundo o Público, do dia 7, que a prioridade é a ferrovia e que o Governo estava a correr atrás do prejuízo fazendo “o que não foi feito” por governos anteriores. Afirmou-o pegando num segmento conhecido de uma música de Pedro Abrunhosa a repetir a ideia de que estava o Executivo a recuperar tempo perdido: “Estamos a fazer aquilo que não foi feito”.
António Costa falava aos jornalistas, tendo ao seu lado Pedro Marques, então Ministro do Planeamento e Infraestruturas, no âmbito da visita às obras na linha que liga a Beira Baixa à Beira Alta, da Covilhã até à Guarda para reforçar a ideia que o Executivo não estava parado. Tendo subjacentes as críticas que vinham dominando o espaço mediático naquele verão, atirou:
Durante décadas o país andou concentrado na rodovia (...). Felizmente, mudámos de paradigma e hoje há um grande consenso, de que só me posso regozijar, nacional, para dar uma nova prioridade à ferrovia.”.
Pegou, a explicar o atraso, no exemplo do troço então em obras para dizer que, se tivesse havido trabalho anterior feito no atinente a obras e à aquisição de material circulante, haveria menos queixas. E explanou:
A ligação entre a Covilhã e a Guarda estava encerrada há 10 anos. (…) Fizemos a encomenda [de material circulante]. Temos de ter a noção do seguinte, se a linha não tivesse sido encerrado há 10 anos, o senhor presidente da câmara da Covilhã podia ter vindo até aqui de comboio; se tivesse começado há 5 anos, já estava feito. Se os comboios tivessem sido encomendados há 5 anos, estávamos aqui a estreá-los.”.
Assegurando que o Governo não tem só “um programa”, mas tem “obra de concretização do programa”, revelou que a intenção governamental era de que a linha estivesse “restabelecida” em meados de 2019 e garantiu que o objetivo era realizar mais obra, porque estas “são essenciais para a revitalização do interior”. Estavam em causa as ligações a Espanha que passam pela linha que sai de Sines e pela linha do Minho, pelo que referia:
Todas elas permitirão ter uma melhor conexão para a península ibérica, que as torna mais atrativas. (…) Agora a prioridade é a ferrovia e é nessa prioridade que temos de nos concentrar.”.
***
Passado pouco mais de um ano depois de tais solenes garantias costistas, estão ao todo previstos 18 adiamentos ou atrasos e até um cancelamento de norte a sul do país, nas obras previstas no programa Ferrovia 2020, vindo a IP (Infraestruturas de Portugal) alegar “dificuldades técnicas” e alterações nos “consórcios projetistas”. atrativas 
Recorde-se que este programa de recuperação e modernização dos caminhos de ferro nacionais, no quadro do qual surgiram as afirmações de Costa referenciadas supra, foi apresentado em 2016 e previa um investimento de cerca de dois mil milhões de euros.
O projeto abrange todo o país, pelo que este recuo se faz sentir de norte a sul. Por exemplo, a eletrificação do troço da Linha do Douro entre Marco de Canaveses e Régua, cuja conclusão estava prevista para o final deste ano, foi cancelada por causa duma alteração do “consórcio projetista”. Com efeito, as dificuldades técnicas evidenciadas pelo consórcio projetista obrigaram à revogação do contrato. E a IP “está atualmente a concluir a contratação de um novo consórcio projetista”.
Na Linha do Norte está atrasada a renovação da ligação entre Válega e Espinho, cuja conclusão estava prevista para final de setembro passado, mas que só ficará concluída “entre 2022 e 2023”, estando programado para 2020 o concurso da empreitada. Também a eletrificação da Linha do Minho e dos troços algarvios que ligam Tunes a Lagos e Faro a Vila Real de Santo António receberão nova data de conclusão: no primeiro caso, os habitantes de Valença esperam até 2020 para verem carruagens movidas a eletricidade (de acordo com o programa lançado em 2016, esse momento devia ter acontecido no 1.º trimestre deste ano); no segundo, mais a sul, estima-se que a renovação seja concluída algures no 2.º trimestre de 2023, registando-se um atraso de quase dois anos mercê das avaliações de impacto ambiental.
São contratempos que atrapalham as ambições do atual Governo, cujo Chefe, há mais de um ano, declarou que a ferrovia era uma das “prioridades” do executivo e que era preciso “”fazer o que ainda não foi feito”. E recentemente Pedro Nuno Santos, Ministro das Infraestruturas e Habitação, reafirmou a importância da Ferrovia como setor estratégico do país.
***
Quem não se dá pelos ajustes é a associação transfronteiriça Eixo Atlântico, que exige ponto de situação sobre eletrificação da Linha do Minho. Na verdade, o seu secretário-geral afirmou a necessidade de “um ponto de situação para clarificar” a execução da obra, adiantando que o “segundo semestre de 2020 foi o último prazo” dado pela IP.
Por seu turno, o Ministro das Infraestruturas admitiu atrasos e constrangimentos em projetos de modernização dos caminhos de ferro, mas afastou a hipótese de qualquer cancelamento na execução do plano ferroviário 2020
Assim, o Eixo Atlântico solicitará, esta semana, ao presidente da IP “informação oficial” sobre a eletrificação da Linha do Minho no troço entre Viana do Castelo e Valença. Em comunicado, a organização, criada há mais de 25 anos e que atualmente agrega 28 municípios portugueses e galegos, justificou aquele pedido com as informações que surgiram no dia 19 nos meios de comunicação portugueses relativas “à suspensão ou atraso na execução da linha ferroviária do Minho e do último troço”, entre Viana do Castelo e Valença, e com o facto de a informação tornada pública pela IP negar todos os aspetos dessas notícias e confirmar que todas as obras continuam em tramitação ou execução”.
O secretário-geral da supradita associação afirmou à Lusa ser necessário “um ponto de situação para clarificar” a execução da obra. Xoan Mao adiantou que o segundo semestre de 2020 foi o último prazo que lhe foi oficialmente comunicado por António Laranjo, presidente da IP para a conclusão daquela empreitada.
António Costa disse, em julho, na estação de caminhos de ferro da capital do Alto Minho, aquando da inauguração da eletrificação do troço Nine – Viana do Castelo, num valor de 16 milhões de euros, que a empreitada em curso, de eletrificação do troço entre Viana do Castelo e Valença, estaria concluída no segundo semestre de 2020. Porém, no dia 19 de novembro, Pedro Nuno Santos admitiu atrasos e constrangimentos em projetos de modernização dos caminhos de ferro, mas afastou a hipótese de qualquer cancelamento na execução do plano ferroviário 2020.
Afirmou o governante, à margem da assinatura do Acordo de Empresa da EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário), em Lisboa:
Não há nenhuma obra cancelada, nenhuma obra suspensa, o que temos […] são atrasos nas obras, isso é verdade, mas cancelamento e suspensão não existe um único.”.
O Ministro reagia, assim, à manchete desta terça-feira do JN, que dava conta do adiamento de 18 obras programadas no âmbito do programa Ferrovia 2020, apresentado em fevereiro de 2016, no valor de dois mil milhões de euros, e de um projeto cancelado de eletrificação do troço entre Viana do Castelo e Valença. E explicou, reafirmando que não há cancelamento ou desistência:
O que houve foi um projeto [de eletrificação] com pouca qualidade e foi necessário relançar o projeto de contratação do projetista”.
Com efeito, quanto a obras atrasadas, o Jornal de Notícias informava que afetam a Linha do Norte, a ligação entre Espinho e Gaia, a renovação da linha entre a Covilhã e a Guarda, a modernização da Linha do Oeste, entre Mira Sintra-Meleças e Caldas da Rainha, e a eletrificação entre Lagos e Tunes e entre Faro e Vila Real de Santo António.
E o governante, alegando que nem sempre as obras do investimento público preveem alguns constrangimentos, como impugnação dos concursos por parte de candidatos eliminados, atrasos no Tribunal de Contas (TdC) ou avaliações de impacto ambiental que exigem alterações, disse:
Os constrangimentos que o investimento público enfrenta levam a que, infelizmente, tenhamos que regularmente assistir a atrasos em algumas das obras”.
Também a IP, em comunicado, reafirmou não haver qualquer suspensão ou cancelamento, e que estão em desenvolvimento e serão concretizados “todos os investimentos previstos”, a executar no âmbito do Ferrovia2020.
***
Paralelamente, há a notícia dum acordo assinado pela EMEF e subscrito por várias organizações sindicais (SINDEFER, STMEFE, FECTRANS/SNTSF, SINFB e SINAFE) que permite o aumento salarial de 25 euros até 1 de janeiro de 2020, um aumento de 10 euros em janeiro e uma subida do valor do índice remuneratório de entrada na carreira de operário da EMEF, de cerca de 736 euros para 796,11 euros. É o culminar dum processo negocial inserido na estratégia definida pelo Governo, em finais de junho de 2018, na qual se definiu a contratação imediata de 67 trabalhadores para a EMEF e a substituição dos reformados.
José Manuel Oliveira, coordenador da Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans/CGTP-IN), em declarações no final da cerimónia, disse ter expectativa de que a empresa “brevemente” volte a ser o setor oficinal da CP – Comboios de Portugal, e não uma empresa autónoma, definindo-se neste acordo os pontos de partida desta fase de integração.
É um passo de alteração da prática neste setor, que desde 2009 não tinha contratação coletiva”, adiantou o sindicalista.
Por sua vez, o Ministro das Infraestruturas disse tratar-se de um acordo “muito importante” de valorização de uma “atividade crítica para o funcionamento da CP e para o país” e salientou o papel dos trabalhadores da EMEF que disse terem feito, ao longo dos anos, “milagres” ao conseguir manter em funcionamento material circulante “muito antigo”.
***
É curioso como só há reação pública notória em relação às obras na Linha do Minho, quando o atraso e o adiamento em obras públicas são crónicos e se estendem a vários troços da ferrovia e do material circulante. É difícil fazê-las sair do papel, é difícil pô-las em marcha – se não há dinheiro, é porque não há dinheiro; se há problemas técnicos, é porque há problemas técnicos (que podem encapotar falta de dinheiro); e, se há dinheiro e não há problemas técnicos, temos a burocracia, de que o TdC é um grande exemplo – e é difícil concluí-las. Há trabalhos a mais não previstos e previstos (Como é que um caderno de encargos prevê trabalhos a mais que o projeto não contempla?). Há contratempos: chove, neva e há aluimentos, derrocadas, alagamentos…
Enfim, tudo a justificar a incompetência técnica e a discrepância entre a vontade política e as intenções. Salvam-se os acordos salariais e a recentração do perfil da EMEF! Tendo os trabalhadores motivados a laboração é mais eficaz. Mas não pode haver hiatos no investimento!
2019.11.20 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário