Marcelo anunciou que vai promulgar hoje, dia 14, o decreto-lei do Governo que prevê o aumento do salário mínimo nacional
– agora denominado “Retribuição
Mínima Mensal Garantida” (RMMG) – para 635 euros a partir de 1 de janeiro do
próximo ano, sustentando que é “uma solução razoável” para o contexto
atual, ou seja, tendo em conta a economia portuguesa e a sociedade portuguesa. Com efeito, à saída do Bazar Diplomático, que se realizou
no Centro de Congressos de Lisboa, o Presidente da República garantiu:
“Recebi o diploma ontem, mas cheguei muito
tarde, à noite, não eram horas para promulgar, irei promulgá-lo hoje. Ainda não
vi o diploma, mas em princípio irei promulgá-lo agora ao início da tarde ou ao
fim da tarde.”.
O Governo apresentou a proposta de aumento da RMMG aos parceiros sociais na
reunião da Concertação Social no dia 13. Tanto do lado dos trabalhadores como
dos sindicatos, a proposta de aumento para 635 euros a partir de 1 de janeiro
foi recebida com alguma resistência. A UGT disse que os 635 euros eram o mínimo
possível, a CGTP disse que o Governo decidiu unilateralmente o valor e a CIP
acusou-o de ter dois pesos e duas medidas e exigiu que honrasse os compromissos
anteriormente assumidos com as empresas.
No final da reunião, em declarações aos jornalistas, Ana Mendes Godinho, Ministra
do Trabalho, disse que não havia expectativa de acordo na Concertação
Social, mas encontrar equilíbrio entre as várias propostas, pois,
independentemente da posição de cada parte, todos estão “comprometidos com um
objetivo comum”; e apontou que o aumento da RMMG para 635 euros é só o “início de um caminho”. E, logo em seguida, António Costa disse no Parlamento que o
Governo aprovaria, no dia seguinte, o decreto-lei com o novo valor.
Na verdade, nos termos do Comunicado do Conselho
de Ministros do dia 14, o Executivo aprovou “a
atualização do valor da Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) para os 635 euros, com entrada em vigor no dia 1 de
janeiro de 2020”. Com efeito, o
XXII Governo inscreveu no seu Programa o objetivo de aprofundar, no quadro da
negociação em concertação social, a trajetória de atualização real do salário
mínimo nacional, de forma faseada, previsível e sustentada, evoluindo cada ano
em função da dinâmica do emprego e do crescimento económico, para atingir os €
750 em 2023. E para o Governo a RMMG é um importante referencial do mercado de
emprego, quer na perspetiva do trabalho digno e da coesão social, quer da
competitividade e sustentabilidade das empresas. Estima-se que a atualização do
valor de € 600 (em 2019) para € 635
(em 2020) abrangerá cerca de 720 mil trabalhadores.
Contudo, o valor ora proposto foi estabelecido sem acordo com
as várias entidades patronais e de trabalhadores. A CGTP quer um aumento
para 850 euros em 2023, enquanto, para a UGT, os 635 euros, que eram “a linha
vermelha”, continuam a ser insuficientes. Já a CIP acusa O Executivo de
ter “dois pesos e duas medidas”. Ana Mendes Godinho
declarou as jornalistas:
“Ouvimos os parceiros, as diferentes
posições de cada um e procurámos encontrar aqui um equilíbrio entre as várias
propostas. Sabemos que não é possível satisfazer todas, mas ouvimos as
preocupações e este é o início de um caminho. (…) É a própria lei que
diz que o salário mínimo nacional deve ser fixado pelo Governo, ouvidos os
parceiros sociais. E foi isso que fizemos.”.
Independentemente de não se ter alcançado um acordo, a Ministra referiu:
“Naquilo que foram as propostas dos
parceiros, ficou evidente que todos estamos comprometidos com um objetivo comum,
que é continuarmos a crescer e a ter capacidade de valorizar os salários em
Portugal”.
Questionada pelos jornalistas sobre possíveis contrapartidas pedidas
pelas empresas em troca do aumento da RMMG, a governante respondeu que
o Governo “procurou desde sempre desligar a questão do salário
mínimo nacional de contrapartidas“. Assim, no próximo dia 27 de
novembro, o Governo reunirá novamente com os parceiros sociais para “dar o pontapé de saída para o acordo global de valorização dos
salários”. E a Ministra disse que, das medidas a apresentar pelas
entidades, o Executivo avaliará “em que momento estas poderão ser implementadas
em termos de legislação e de Orçamento do Estado”.
***
Ora, descontando o acréscimo de 3,85 euros nos
descontos para a Segurança Social, o aumento da RMMG traduz-se em mais 31,15 euros
líquidos no final do mês, segundo a consultora EY. E não qualquer implicação a nível do
IRS, pois quem o recebe continuará isento deste imposto, tendo apenas de
descontar os 11% de contribuições para a Segurança Social. Como vinca Nuno Alves, senior manager da EY, “com o
aumento proposto estes contribuintes ainda não pagam IRS”, pois, segundo o CIRS
(Código do Imposto
sobre Rendimentos de Pessoas Singulares), da
aplicação das taxas do IRS “não pode resultar, para os titulares de rendimentos
predominantemente originados em trabalho dependente (…), a disponibilidade de
um rendimento líquido de imposto inferior a 1,5 x 14 x valor do Indexante de
Apoios Sociais”.
Assim e contando com o acréscimo de 3,85 euros nos descontos para a
Segurança Social (SS), a passagem da RMMG dos atuais 600 euros para 635
euros fará com que cada pessoa receba mais 31,15 euros líquidos no final do mês
(um aumento
de 5,83%). Em termos anuais e como resulta
das simulações realizadas pela EY, a alteração da remuneração mínima vai
aumentar em 490 euros o montante bruto pago a cada pessoa, sendo que, em termos líquidos, o aumento será de 436,1 euros. Efetivamente, com
a RMMG fixado nos 600 euros, o desconto para a SS a cargo dos trabalhadores é
de 66 euros por mês (924 euros por ano). E, com o
valor de 635 euros, aquele encargo passará para os 69,85 euros mensais (977,90 euros
anuais).
Do lado das empresas, as simulações mostram que a atualização fará com que
o encargo mensal por trabalhador (que inclui o pagamento do salário
mensal mais os 23,75% por conta da Taxa Social Única) aumente dos atuais 742,5 euros para 785,81 euros. Em
termos anuais, a empresa pagará mais 490 euros a cada trabalhador e mais 116,38
euros de TSU à SS.
O aumento da fatura da empresa que tem trabalhadores a auferir o salário
mínimo será, porém, suavizado do lado do IRC já que a subida do encargo com as
remunerações é acompanhada dum aumento da poupança fiscal em
sede do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
Segundo os cálculos da EY, com base no universo de 755.900 pessoas que
auferem a RMMG e o valor de 635 euros, a poupança fiscal em IRC para
as empresas ascenderá a 1,87 mil milhões de euros em 2020, traduzindo um
aumento de 103,13 milhões de euros face ao valor de 2019. Esta simulação assume
uma taxa de IRC de 21% e de derrama municipal de 1,5%.
***
As referências à RMMG ou SMN (salário mínimo nacional) têm estado na ordem do dia. O Primeiro-Ministro
falou da RMMG na apresentação do Programa do Governo, assentando as bases para
a discussão: “Nesta legislatura é
necessário ter uma valorização do salário mínimo”; e “O SMN evoluirá em cada ano, ouvidos os parceiros sociais em função
da dinâmica do emprego e do crescimento económico”. O objetivo é atingir os 750 euros em 2023. E, para
justificar a intenção, o Chefe do Governo considerou que o SMN tem um “papel
importante” na “redução das desigualdades” no país. E a Ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social reunira há uma semana com os parceiros sociais
e, à saída da reunião, não revelou o valor em negociação, remetendo para o encontro do dia 13, determinada em “fechar este
assunto”.
Apôs a tomada de posse como deputado e líder da sua bancada parlamentar, o
presidente do PSD, abordou a questão do aumento da RMMG. Acerca da meta dos 750
euros em 2023, considerou arrojado dizer com esta distância que se
consegue chegar a esse patamar”. E, por ser “pouco dinheiro”, mostrou-se
reticente devido às projeções económicas tidas em conta pelo PSD. O partido propõe
os 700 euros em 2023, meta que Rui Rio disse já ser “esticada”.
O secretário-geral da CGTP disse que “a economia não só
aguenta como agradece” e que o Governo deveria ir mais longe apostando
nos 850 euros a curto prazo e sem contrapartidas para as empresas, pois “o país
não se desenvolve com a subsidiodependência das empresas”.
O secretário-geral da UGT tem vindo a defender o aumento do SMN para
660 euros já em 2020 e 800 euros em 2023. E, citado pelo Público (acesso condicionado), referiu:
“Uma vez que vai voltar para a Concertação
Social e que nós aplaudimos, então, também, os patrões portugueses não
sejam piegas e tenham a capacidade […] de dizer que é preciso aumentar o
salário mínimo. Então, que tenhamos condições na próxima
legislatura de quatro anos, que se chegue a 2023, com um mínimo de 800 euros.”.
Por sua vez,
o presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), disse à Renascença que
o aumento de 150 euros no SMN até 2023 é ambicioso, por a conjuntura
económica desfavorável que se antecipa para o período ser desfavorável. António
Saraiva alertou, assim, para o “amortecimento do
crescimento” dos países com quem Portugal mantém relações comerciais, o
que pode representar entrave a apoio à meta de 750 euros em 2023 por parte da
CIP.
O líder da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) criticou a meta do Governo, avisando que a subida do SMN “não pode ser definida apenas por decreto”.
Para Eduardo Oliveira e Sousa, é preciso garantir que as empresas têm condições
para suportar essa mesma evolução. Assim, face aos “sinais de abrandamento
económico mundial”, defende a meta do PSD.
O presidente da CCP (Confederação do Comércio e Serviços de Portugal) lembrou que a subida do SMN deve ter por base “a
evolução dos indicadores económicos”. Por isso, João Vieira Lopes diz que a CCP não alinha numa “espécie de leilão entre partidos e
sindicatos, com a apresentação de valores frequentemente ditados por razões
táticas e de conjuntura”.
E o Presidente da República pôs o pé na discussão do SMN para os próximos
anos, só referindo que “é uma matéria em que a intervenção dos parceiros económicos
e sociais é essencial”. E sustentou que tudo o que se possa obter pela via da
concertação é bom que seja obtido.
***
Decidido o aumento, César Araújo, presidente da ANIVEC (Associação
Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção) e dono da Calvelex (empresa com 700 trabalhadores), afirmou que “isto é uma batotice que só favorece o
Governo”, defendeu que a hora é de recordar velhos alertas de Mário Centeno
sobre o impacto no emprego e declarou:
“Os patrões têm de fazer uma greve aos
impostos. Vamos começar a pensar nisso.”.
E explicou justificando:
“Porque em vez de aumentar o rendimento
efetivo dos trabalhadores, o Governo optou por uma medida em que acaba por
aparecer como o principal beneficiário. Na prática, quem lucra verdadeiramente
é o Estado.”.
As contas do impacto na sua empresa não estão feitas, mas garantiu que “o
impacto da medida será grande em todo o setor e em toda a economia nacional”. E,
com base na estimativa oficial de que há mais de 700 mil trabalhadores a ganhar
o salário mínimo, frisou que, subindo o salário mínimo 35 euros por mês, a
empresa gastará mais 490 euros por ano por trabalhador com salário mínimo e
que, se este se traduz num ganho mensal líquido de 31 euros por trabalhador (sobre o
salário bruto de 635 euros brutos é preciso descontar 11% para a SS, o que
significa que os trabalhadores recebem 565,15 euros líquidos), o Estado arrecadará mais de 120 milhões. Depois,
falando de competitividade, indicou:
“Na Bulgária, o salário mínimo é de 286
euros e a jornada de trabalho tem 9 horas. Na Letónia, Roménia, Croácia,
Hungria, República Checa, Eslováquia, Polónia, Estónia e Lituânia, continuamos a
falar em horários de 9 horas e de salários até aos 530 euros, sem sairmos da
União Europeia.”.
Por isso, com base nesta comparação e na concorrência dos países asiáticos,
o presidente da ANIVEC elencou problemas, como: “descapitalização das empresas, menos
poder competitivo face à concorrência intra e extra comunitária, menos músculo empresarial e exportador”.
Com efeito, como disse, quem exporta o que produz, como sucede neste caso, não
pode simplesmente optar pelo caminho da subida de preços, porque “perderia os
clientes”, que podem ir facilmente bater a outra porta onde os custos de
trabalho são mais baixos”.
Sabe-se que “a receita passa por ganhos de eficiência e produtividade, mas
as margens não esticam automaticamente”, a subida dos salários mínimos tem
reflexos em todas as outras categorias profissionais e nas horas
extraordinárias. É por tudo isso que a chamada de atenção dos patrões poderá
passar, agora, por uma greve aos impostos, “considerando a carga fiscal brutal
que têm em cima da mesa de trabalho” e que o Governo “acabou por decidir tudo
isto por decreto”. E o dirigente empresarial e associativo não teve pejo em reiterar:
“E se não há negociações em sede de
concertação social, a forma de nos fazermos ouvir pode muito bem ser uma greve
aos impostos”.
Num país onde o peso do custo com pessoal no VAB (valor
acrescentado bruto) da fileira
ronda os 80% (dados de 2018), garante
que isto acabará por se traduzir em menos ofertas de emprego e menos
contratações. E, para sustentar esta afirmação, recordou o trabalho do
economista Mário Centeno antes de chegar à pasta das Finanças. O Ministro das
Finanças sustentou, no passado – no trabalho que assinou com mais dois
economistas do Departamento de Estudos Económicos do BdP (Banco de
Portugal), sob o título “O impacto do salário mínimo sobre os trabalhadores
com salários mais baixos” – que aumentos significativos do SMN podem
prejudicar o emprego, sobretudo no caso de trabalhadores pouco qualificados, e
que poderia ser lesiva para a economia uma subida não indexada à produtividade
dos trabalhadores. E concluiu que fortes aumentos no salário mínimo nacional
podem resultar em “pequenos ganhos salariais”, com um impacto reduzido ou mesmo
nulo na distribuição do rendimento e com redução do emprego.
***
A valorização da RMMG é um bom sinal económico e social. Pena é que as
grandes empresas tenham pejo em a aceitar ou exijam contrapartidas. Tem de
haver limites ao lucro. Faz bem o Governo em estimular as micro, pequenas e médias
empresas em fase inicial de atividade para lhes facilitar a prática da RMMG. E as
empresas devem instar com o Governo no sentido de este intervir para que não se
minore o grande custo da laboração à custa de baixos salários, mas com base na moderação
dos custos de energia, matérias-primas, combustíveis, etc. É bom que os trabalhadores
de RMMG sejam isentos de IRS, tenham uma TSU para a SS mais baixa e todos os trabalhadores
(todos) nunca deviam perceber pensão de velhice inferior à
RMMG.
Além disso, o Governo faz bem em isentar os funcionários do Estado da quota
percentual para a ADSE (que não é estatal) – e são muitos
os isentos –, mas devia compensar a ADSE pagando essa contribuição a partir do
Orçamento do Estado. A equidade deve estender-se a todos os setores e o Estado,
se decreta, deve assumir por si e não por outrem as consequências do decreto
que faz.
2019.11.15 –
Louro de Carvalho
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