Celebra-se
no dia 17 de novembro, 33.º domingo do Tempo Comum, o III Dia Mundial dos Pobres, que o Papa dedicou ao tema “A esperança dos pobres jamais se frustrará”.
Recorde-se
que o Dia Mundial dos Pobres, que Francisco
instituiu, é fruto do Jubileu Extraordinário da Misericórdia e se realiza no
domingo anterior ao da Solenidade de Cristo Rei.
O Sumo
Pontífice, na sua mensagem para este dia, mostra-nos, a partir da Oração do
Salmo 9, a via do nosso compromisso como sinal concreto na realização da
Esperança Cristã. E os instrumentos da Esperança são postos principalmente na
consolação que exprime a proximidade de toda a pessoa a quem se encontra em
situação de pobreza. Com efeito, o Salmo 9 é um ato pessoal
de agradecimento dirigido a Deus, protetor dos pobres e humildes, apresentado
como protetor do salmista pobre e oprimido, a quem a justiça de Deus dá coragem
para enfrentar o mundo de pagãos, iníquos, ímpios, inimigos, opressores… E, no Salmo 10 (também um ato pessoal de ação de
graças: os Salmos 9 e 10 devem ter constituído inicialmente um só), a proteção do Senhor estende-se
aos indefesos, infelizes, inocentes, miseráveis, vítimas de toda a espécie de
prepotências.
A mensagem
papal, difundida a 13 de junho, desenrola-se em duas vertentes principais: a
evocação das novas formas de pobreza que patentes diariamente aos nossos olhos;
e a ação concreta dos que podem oferecer esperança através do seu testemunho. Ora,
porque o pobre não
será esquecido eternamente, nem para
sempre se há de perder a esperança dos infelizes, o salmista pede ao Senhor que
julgue as nações na sua divina presença, faça com que os homens O temam e lhes
faça saber que são simples mortais (cf Sl 9,20-21). E o Santo Padre faz o paralelo entre a sorte do
pobre no tempo do salmista e a atual e, notando que pouco mudou, diz:
“Passam os séculos, mas permanece imutável a condição de ricos e pobres,
como se a experiência da história não ensinasse nada. Assim, as palavras do
salmo não dizem respeito ao passado, mas ao nosso presente submetido ao juízo
de Deus.”.
Menciona as
“muitas formas de novas escravidões”, como: famílias obrigadas a deixar a sua
terra; órfãos que perderam os pais; jovens em busca de realização profissional;
vítimas de tantas formas de violência, da prostituição à droga; milhões de
migrantes instrumentalizados para uso político. E fala das periferias das cidades,
repletas de pessoas que vagueiam pelas ruas em busca de alimento, tornadas elas
próprias parte duma lixeira humana e sendo tratadas como lixo, “sem que isto
provoque qualquer sentido de culpa em quantos são cúmplices”, se não autores
deste escândalo. Não obstante a descrição de injustiça e sofrimento no salmo,
há uma definição do pobre: é quem “confia no Senhor” (cf 9, 11), pois tem a certeza de que nunca será abandonado.
Por isso,
segundo o Sumo Pontífice, “o grito dos pobres torna-se mais forte a cada dia”,
mas “a cada dia é menos ouvido, porque abafado pelo barulho de poucos ricos,
que são sempre menos e sempre mais ricos”. Porém, como “na Escritura, o pobre é
o homem da confiança”, como escreve o Papa, “é precisamente esta confiança no
Senhor, esta certeza de não ser abandonado, que convida o pobre à esperança”,
pois “sabe que Deus não o pode abandonar”.
Por ocasião
deste Dia Mundial, Francisco não pede só iniciativas de assistência, mas faz
votos de que aumente em cada um a atenção plena que é devida a toda a pessoa
que se encontra em dificuldade. E, enaltecendo o trabalho de inúmeros
voluntários pelo mundo, recorda que os pobres não precisam somente duma “sopa
quente ou duma sanduíche”. Precisam das nossas mãos para se reerguerem, dos
nossos corações para sentirem de novo o calor do afeto, da nossa presença para
superar a solidão. “Precisam simplesmente de amor...”.
Agora, numa
mensagem enviada, a 15 de novembro, aos peregrinos da associação “Fratello”
reunidos no Santuário de Lourdes (França), por ocasião do III Dia Mundial dos
Pobres, Francisco diz que precisa deles, de cada um deles, garantindo:
“Vós que estais aos pés da cruz, talvez sozinhos, isolados, abandonados,
sem abrigo, forçados a abandonar a vossa família ou o vosso país, vítimas do
álcool, da prostituição, da doença, ficai cientes de que Deus vos ama. Deus
escuta em particular a vossa oração. O mundo sofre e a vossa oração comove o
Senhor.”.
Numa ação
concreta, nesta semana de preparação para o Dia
Mundial do Pobre, como já ocorreu no ano passado, voltou à Praça São Pedro
o Posto de Saúde para atender os pobres e necessitados. Foram disponibilizadas
consultas médicas com especialistas, cuidados especiais, análises clínicas e
outros exames específicos – tudo gratuito e oferecido a pessoas que têm normalmente
dificuldade de acesso a este tipo de serviço. O Posto fica aberto domingo, dia
17, quando o Papa celebra a Santa Missa na Basílica vaticana.
Na homilia
da Missa do ano passado, Francisco lembrou que “o grito dos pobres se torna
mais forte a cada dia e a cada dia é menos ouvido, porque abafado pelo barulho
de poucos ricos que são sempre menos e sempre mais ricos”. Desta vez, na sua
mensagem aos peregrinos reunidos em Lourdes, disse que são “pequenos, pobres,
frágeis”, mas “são o tesouro da Igreja”: estão no coração do Papa, no coração
de Maria, no coração de Deus. E porfiou:
“O amor salva o mundo e Deus quer passar através de nós para salvar o
mundo. Dizei ao mundo qual é o vosso tesouro, ‘Jesus’. O Papa ama-vos e confia
em vós.”.
***
O mau tempo
de Roma, na tarde do dia 15, não impediu Francisco de se deslocar à Praça de São
Pedro. Chegou de surpresa ao Posto de Saúde instalado no local desde o início
da semana, que atende gratuitamente os pobres e mais necessitados. Quem estava
em exames naquele momento sentiu-se privilegiado por encontrar o Papa que, em
seguida, inaugurou um novo Centro de Acolhimento diurno e noturno para
moradores de rua.
Desde o
início da semana, 8 ambulatórios atendem gratuitamente no local os pobres e
mais necessitados, por ocasião do III Dia
Mundial dos Pobres.
A visita-surpresa
(no âmbito das
Sextas-Feiras
da Misericórdia do Papa Francisco) a este
“hospital temporâneo” foi emocionante sobretudo para quem estava no local na
hora em que o Pontífice chegou (pouco depois das 16 horas), acolhido com calorosos aplausos e querendo todos saudá-lo
e abraça-lo. O Papa estava acompanhado de Dom Rino Fisichella, presidente do Pontifício
Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, que apresentou ao Pontífice os
médicos, enfermeiros e voluntários que trabalham nos 8 ambulatórios. Francisco
ficou muito satisfeito com a estrutura montada para oferecer um verdadeiro
serviço de emergência. Recebeu palavras de agradecimento da parte dos profissionais
sanitários que realizam um trabalho voluntário, inclusive alguns que decidiram
antecipar o gozo de dias de férias para poderem compartilhar a experiência em
prol de tantos necessitados. Fez uma breve oração, saudou todos os presentes e
concluiu a visita-surpresa no meio de muita gratidão e alegria dentro do Posto
de Saúde.
Centenas de
pobres estão efetivamente a usufruir todos os dias dos serviços especializados,
disponíveis aos pobres até domingo, no seguimento da orientação da Associação
Nacional dos Médicos Genéricos, com o auxílio das enfermeiras da Cruz Vermelha.
Depois de
visitar o Posto de Saúde, o Papa inaugurou o Centro de Acolhimento para
moradores de rua que vai atender tanto de dia como de noite no Palácio
Migliori. O edifício do Vaticano de 4 andares, dotado dum elevador para
facilitar o acesso de idosos e pessoas com algum tipo de deficiência, foi
construído em 1800 e fica a poucos metros da Colunata da Praça de São Pedro. O
local, confiado à Elemosineria Apostólica, tem capacidade para receber 50
pessoas e será administrado pela Comunidade de Santo Egídio, uma organização
italiana não-governamental.
Francisco
foi acolhido pelo cardeal Konrad Krajewski, esmoleiro do Papa, que o conduziu a
uma breve visita ao local, inclusive à capela do Centro de Acolhimento dedicada
a São Jorge. “A beleza cura” –
exclamou Francisco ao contemplar os ambientes bem decorados. Depois, visitou os
andares dedicados aos quartos e ao refeitório, onde aproveitou para fazer um
lanche com algumas pessoas que vivem no local e também com voluntários – entre
eles, alguns que moravam pela estrada e que agora encontraram um trabalho e uma
renda estável e se empenham como voluntários na estrutura.
Durante o
breve encontro com eles, o Papa falou da cultura do descarte e da necessidade
de recuperar um sentido de responsabilidade pelos pobres. Escutou a história de
vida dos voluntários, que há muitos anos levam o jantar a quem vive pela
estrada, e as dificuldades enfrentadas para organizar os funerais deles. E lembrou
que, quando era jovem, tinha o hábito de deixar um prato pronto durante as
refeições, especialmente nos dias de festa, para quem precisasse. Dessa forma,
o Pontífice mostrava a necessidade de “educar os jovens à compaixão”.
***
O Papa
insiste em chamar aos pobres o tesouro da Igreja e em dizer que conta com eles.
Está na linha do diácono São Lourenço, que intimado por ordem do Imperador, devido
à calúnia de que os cristãos eram um grupo social muito rico, a apresentar todos
os tesouros da Igreja, apresentou uma caterva de pobres. Mas Francisco, além de
professar a convicção numa Igreja que só o será se for predominantemente e preferencialmente
dos pobres, quererá contar com a voz e o protagonismo dos pobres para imprimir
a constante reforma da sociedade, obnubilando os esforços contra dos detratores.
Dito de outro modo, o Pontífice não considera o encargo eclesial com os pobres
uma despesa, um fardo, mas um investimento. E um investimento nos pobres tem
sempre retorno. Quando não for outro, o retorno será a recuperação da dignidade
humana refeita e reconhecida e a certeza da utilidade social da pessoa humana para
a ação comunitária, bem como a disponibilidade para a cooperação nas grandes causas.
E não posso
deixar de fazer breve referência à crónica de Tolentino Mendonça na Revista do Expresso de hoje, em que chama aos pobres “mestres de humanidade”, em discreto alinhamento com o Papa. Fala sobretudo
dos sem-abrigo, que entram na rua por diversas razões de desconstrução e que
regressam só quando alguém lhes desperta a chama da confiança em si mesmos,
pois “os pobres não são dados estatísticas nem abstrações”, mas “seres humanos
que precisam de outros seres humanos”. Vinca a obrigação do Estado, como a
nossa (pessoal) e a da comunidade, podemos
aprender muito com os voluntários que tratam deles e que os pobres têm direito
a ocupar o espaço público contra uma arquitetura hostil que quer desembaraçar-se
deles. Censura que os cúmplices de situações de miséria ou quaisquer outros os tratem
como ameaçadores, incapazes ou lixo. E diz que, “se abrirmos os olhos e o
coração, os pobres tornam-se nossos mestres de humanidade”. E nada como um
exemplo pessoal: olhando do seu apartamento para uma praça que lhe parecia “um lugar
desarrumado, anódino, cheio de entraves”, demorou-se a falar com um romeno que
dorme numa das arcadas. Ao perguntar-lhe o que achava da Praça, ouviu: “Esta praça é a minha família”. E o homem
nomeou, um por um, os seus residentes. Num mundo cujos moradores não se conhecem
nem se saúdam, boa lição!
2019.11.16 –
Louro de Carvalho
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