“O Bracarense”
é a designação por que era conhecido Dom Frei Bartolomeu dos Mártires pelos
restantes padres conciliares de Trento mercê do ímpeto com que propôs as
grandes reformas da Igreja Católica do alto (a começar pelos cardeais) à base, passando pela formação e morigeração da vida
do clero e obviamente chegando a todos os fiéis.
O anúncio da sua canonização aconteceu a 6 de julho
deste ano. No texto publicado pela Sala de Imprensa da Santa Sé refere-se que Francisco,
no dia 5, “aprovou os votos favoráveis” dos membros da Congregação para as
Causas dos Santos e estendeu o culto litúrgico em honra do português arcebispo
bracarense a toda a Igreja, “inscrevendo-o no livro dos santos” por “canonização
equipolente” (dispensando o milagre requerido após a beatificação).
Então a CEP (Conferência Episcopal Portuguesa), que saudou o anúncio desta canonização do “grande
modelo para a renovação da Igreja”, recordava a nota pastoral de 1 de maio de
2014, por ocasião dos 500 anos do nascimento (1514-1590) do arcebispo da região que compreendia as atuais
dioceses de Bragança-Miranda, Braga, Viana do Castelo e Vila Real, onde se
realçava que Bartolomeu dos Mártires, “tendo vivido em tempos de uma enorme
crise epocal, dentro e fora da Igreja, pode e deve ser visto como testemunha”
para se acreditar que “a evangelização e as reformas na Igreja não só são
necessárias como possíveis”.
E o Presidente da República também se congratulou com
a canonização de Frei Bartolomeu dos e afirmou que é um “exemplo” para os
crentes e um “orgulho” para “todos os portugueses”.
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Hoje, dia 10 de novembro, celebrou-se na Sé Primacial
de Braga uma Solene Concelebração da Missa em ação de graças pela canonização de
São Bartolomeu (não foi o ato de canonização, que é reservado ao Papa
e, no caso da equipolência, não há lugar à cerimonia solene da canonização, mas
à inscrição pelo Papa no catalogo dos Santos), sob a presidência do Cardeal Angelo Becciu, prefeito da Congregação para
as causas dos Santos e onde esteve o Presidente da República, como tinha prometido.
Entretanto, a diocese de Viana do Castelo realizou, no
sábado à noite, uma vigília de oração de ação de graças na Igreja de São
Domingos, sob a presidência do Bispo diocesano Dom Anacleto Oliveira, em cuja
homilia disse que o novo santo português “entranhou as enfermidades do seu
povo”, sendo “um exemplo para todos os tempos”. Com efeito, é recordado como um
modelo de dedicação à Igreja Católica e aos mais necessitados; e, a nível
internacional, afirmou-se como uma das vozes de referência no Concílio de
Trento, num momento em que a Igreja Católica estava confrontada com o movimento
da Reforma.
Nesta vigília, esteve presente Dom Antonino Dias, Bispo
de Portalegre-Castelo Branco, natural do Alto Minho, que recebeu a sua
ordenação episcopal na Igreja de São Domingos e que declarou à Ecclesia que São
Bartolomeu dos Mártires é “um exemplo para todos”, acrescentando que a sua obra
“causa fascínio”. E também esteve presente o presidente da Câmara Municipal de
Viana do Castelo, José Maria Costa, salientando que não são apenas as dioceses
do norte “que estão em festa, mas toda a Igreja em Portugal”.
Ao longo da vigília foram lidos trechos da obra “Estímulo
de Pastores”, da autoria de São Bartolomeu dos Mártires; e, no final, foram
veneradas as relíquias do novo santo português.
***
O Papa assinalou hoje, à recitação do Angelus com os fiéis e peregrinos reunidos
na Praça de São Pedro, a canonização de frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo
português do século XVI, que apresentou como “grande evangelizador e pastor”.
“Hoje, em Braga, Portugal, celebra-se a
Missa de ação de graças pela canonização equipolente de São Bartolomeu
Fernandes dos Mártires”.
E acrescentou, pedindo uma salva de palmas de todos os
presentes:
“O novo
santo foi um grande evangelizador e pastor do seu povo”.
Resta que Francisco aceda a outro dos pedidos que,
segundo Dom Anacleto Oliveira, lhe fizeram, que Bartolomeu, além de santo
pastor, seja declarado doutor da Igreja.
Também o programa 70X7 deste domingo (17,45 horas,
RTP2) foi dedicado ao novo santo.
***
Na Missa de ação de graças, foi lido o decreto de
canonização, que mereceu uma forte salva de palmas do clero e povo, quer no fim
da súmula em latim, quer no fim da sua tradução em português. E é de registar a
presença de vários bispos de Portugal e da Galiza, parecendo confirmar as
palavras do Presidente da Câmara de Viana do Castelo acima referidas, tal como
as de Frei Bento Domingues, que aponta, na sua crónica dominical de hoje no Público:
“Não é só a arquidiocese de Braga que tem
motivos para viver a interpelação desta canonização responsabilizante. É toda a
Igreja portuguesa de norte a sul.”.
Talvez se possa estender este quesito de Frei Bento também
à Espanha, pois, Bartolomeu nasceu em Lisboa (13 de maio de 1514), em cuja Igreja dos Mártires recebeu o Batismo e
onde entrou para o antigo Convento de São Domingos, onde ensinou Teologia,
chegou a ser prior e onde conviveu (no novo Convento) com o famoso Frei Luís Granada; esteve no Convento
de Santa Maria da Vitória na Batalha, onde ensinou Filosofia e Teologia; esteve
em Salamanca, onde foi coroado o seu magistério teológico; e, em Évora, foi
precetor de Dom António Prior do Crato.
Na homilia
da Missa, o Cardeal Becciu aplicou a São Bartolomeu o propósito do pastoreio de
proximidade que Deus promete fazer em relação às suas ovelhas, como diz o livro
de Ezequiel:
“Eu apascentarei as minhas ovelhas, sou Eu
quem as fará descansar (…) Procurarei aquela que se tinha perdido, reconduzirei
a que se tinha tresmalhado; cuidarei a que está ferida e tratarei da que está
doente. Vigiarei sobre a que está gorda e forte. A todas apascentarei com
justiça.” (Ez 34,15-16).
Por outro
lado, disse que no Santo fulgiu como preceito o que Jesus diz dos apóstolos:
“Vós sois a luz do mundo. Não se pode
esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a candeia para a
colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a
todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo
que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.”
(Mt 5,14-16).
Salientou
que se lhe reconhece “a importância da cultura teológica e do seu ensinamento”
a par do “empenho pela reforma da Igreja”. Assim, foi “um bispo totalmente
dedicado às pessoas a ele confiadas”, no ciclo do pastor que conduz as suas
ovelhas e do doutor que as ensina. Destacou também a sua força da assídua
oração e contemplação, a vida e o estilo de pobreza pessoal, a visita pastoral,
apesar das intempéries e agruras dos caminhos a todo o território que lhe foi
confiado na tríplice postura: “compreender,
admoestar e corrigir”. Enfim, seguiu o ditame da Teologia tomista: “contemplar e comunicar aos outros as
maravilhas contempladas”.
***
De seu nome Bartolomeu Fernandes, tendo assumido o
apelido dos Mártires com a profissão religiosa em homenagem ao orago da igreja
onde foi batizado, que se afirmou como uma das vozes de referência no Concílio
de Trento (1543 – 1563), foi
declarado venerável a 23 de março de 1845, por Gregório XVI, e beatificado a 4
de novembro de 2001, por São João Paulo II. Foi Arcebispo de Braga numa ocasião
em que a arquidiocese incluía os territórios das dioceses de Braga, Bragança,
Vila Real e Viana do Castelo. Destacou-se pela sua missão pastoral à frente das
comunidades católicas do Minho e de Trás-os-Montes, com especial relevo para o
seu gosto pelas visitas pastorais às populações, a que dedicava grande parte do
seu tempo. Ao longo do seu percurso, ficou conhecido pela sua preocupação com a
estruturação da Igreja Católica local, do clero às comunidades católicas (tudo na Igreja devia ser posto ao serviço dos pobres), e pelo seu empenho nas causas sociais, de modo
particular junto dos mais pobres e doentes, Depois de resignar em 1582, por
motivos de idade, Frei Bartolomeu dos Mártires viria a falecer em 1590, no
Convento de Santa Cruz, em Viana do Castelo.
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Luís Filipe Santos diz (vd Ecclesia, de hoje) que se trata de “vulto cimeiro
do pensamento e da fé no século de ouro do humanismo” e a quem valores dos mais significativos das letras
portuguesas consideravam ‘astralmente luminosa’, num tempo em que reinava em
Portugal o rei Dom Manuel e presidia à Igreja de Deus o Papa Leão X.
Segundo as descrições da pessoa e obra pelo escritor seiscentista Frei Luís
de Sousa, este ilustre português era um homem de estatura acima da média, com
grande zelo apostólico, hábitos excessivamente frugais, rigorosos e
disciplinados; e, dotado duma inteligência perspicaz e duma vontade generosa e
forte, nunca deixou de ser uma pessoa humilde e simples. Por isso, nunca lhe
passou pela mente a ideia de ocupar cargos a que estivessem ligadas quaisquer
honrarias. O seu desejo era servir a Igreja como simples frade conventual.
Nunca imaginou ter de trocar o hábito de discípulo de São Domingos por vestes
episcopais.
Porém, como estava vaga a arquidiocese de Braga, por falecimento de Dom
Baltasar Limpo, a rainha Dona Catarina convidou-o a aceitar o arcebispado de
Braga, o que porfiadamente recusou. Foi necessário que o seu provincial, frei Luís
de Granada, lhe impusesse a obediência para este cargo hierárquico. Então,
vendo na vontade do superior a vontade de Deus, obedeceu fiel e generosamente. Assim,
Paulo IV nomeou-o Arcebispo de Braga, no consistório de 27 de janeiro de 1559, e
concedeu-lhe o pálio de arcebispo a 3 de junho do mesmo ano.
Diz Luís Filipe
Santos que a vida
de São Bartolomeu do Mártires, com todos os pormenores das funções que exerceu
ao longo da sua vida, é uma verdadeira epopeia de fé e de amor a Deus,
manifestado no amor ao próximo, sobretudo aos mais carenciados. A sua ação no
Concílio de Trento foi tão empolgante que causou a admiração de todos os padres
conciliares e do Papa. Foram célebres as suas intervenções, a que se devem
muitos dos decretos da reforma conciliar.
Um homem que não se ficava apenas pela teoria… Pastor desprendido de todas
as vaidades, honras e prazeres mundanos, tendo apenas em conta o bem do rebanho
que lhe estava confiado, começou a viver em ambiente de extraordinária austeridade.
À testa duma arquidiocese cujo território se estendia desde o Alto Minho até ao
nordeste transmontano não se sentia em paz nas só paredes do Paço. Em todas as
terras que visitava, sempre se deparava com a ignorância religiosa do povo e
dos pastores. Perante esta paisagem tão sombria de conhecimentos resolveu
escrever alguns livros, que passados 500 anos ainda estão e são atuais – obras
literárias em linguagem simples e acessível que se revestem de permanente
frescura e novidade.
São Carlos Borromeu, que a seu lado participou no Concílio de Trento, considerou-o
“modelo de bispo e espelho de virtudes cristãs”. Fundou o seminário, o primeiro
de toda a cristandade, para a formação dos presbíteros, uma novidade que São
João Paulo II fez questão de mencionar na celebração da sua beatificação.
Um homem audacioso e com fervor apostólico que nunca deixou de ser
dominicano. Na etapa final da sua vida, retirou-se para o Convento de Santa
Cruz, em Viana do Castelo. Naquele local, hoje Igreja de São Domingos, deu
expansão à sua ardente caridade para com os pobres, que já o consideravam
santo. Aquela Igreja guarda memórias e relíquias daquele homem que nunca se
cansou de evangelizar.
Foi referido que para merecer a pensão que lhe vinha de Roma continuava a
colaborar pastoralmente como simples dominicano na pregação e na catequese.
Por fim Luís
Filipe Santos, considerando que São
Bartolomeu dos Mártires já está inscrito no álbum dos santos e “foi um homem
sapientíssimo a quem a aspereza das regiões minhotas e transmontanas, nem
rigores alguns, frio ou calor ou outra qualquer intempérie, puderam deter-lhe o
passo, para cumprir, todos os deveres de pastor”, interroga-se: Será que algum dia será declarado doutor da
Igreja?
É justo que o seja, digo eu.
2019.11.10 –
Louro de Carvalho
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