segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Não basta um Programa de Governo por mais ambicioso que seja


Já o programa eleitoral do PS prometia a melhoria dos serviços públicos designadamente no atinente à saúde e à educação. E o Programa do Governo, que passou na apreciação parlamentar, reitera-o de forma ambiciosa.
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No âmbito da educação, a ênfase dada pelo Ministério da Educação (ME) e pela Comunicação Social recai no plano nacional da não retenção no ensino básico, sem que se vislumbrem medidas em concreto para lá do PNPSE (Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar), dos PAFC (Projetos de Autonomia e Flexibilização Curricular), agora com diversas cambiantes, e o novo diploma para a Educação Inclusiva – medidas herdadas da XIII Legislatura e ora recauchutadas.
Não há uma medida para pôr cobro à indisciplina e a outros comportamentos desviantes que atacam a fluência da ação educativa. Não sei se o ME conseguirá dar força às escolas para ultrapassarem o caldo de cultura que se criou em torno dos testes como quase único meio de avaliação sumativa, como não vejo jeito de a escola contribuir para o combate às desigualdades socioeconómicas, continuando, ao invés, a replicá-las.
Referir que o sistema precisará de mais professores sem perceber as razões por que tantos e tantas docentes estão de baixa médica por doença, sem mexer uma palha para que se renove o corpo docente em meio escolar ou sem assumir a audácia de se prover à resolução do problema de apoio a alojamento e deslocação de professores, nomeadamente dos que são colocados em horários incompletos (serão estas as razões de muitos alunos estarem sem aulas), ou expressar a possibilidade de as escolas poderem organizar turmas com número de alunos superior ao determinado na legislação é dizer nada ou muito pouco e até o contrário do desejável.
Por outro lado, insistir nas codocências nalgum dos tempos semanais da disciplina na turma, sem que a ação pedagógico-didática seja planeada, executada (totalmente) e avaliada em conjunto, atribuir apoios educativos sob dependência de autorização prévia dos encarregados de educação e não regulamentar a atividade dos centros de estudos (eufemismo de explicações) – grande entrave ao funcionamento das aulas na escola (ajudam a fazer trabalhos sem explicar, têm cópias de testes da escola para treino, criticam os professores, etc.) é atirar medidas para o ar sem sustentáculo. 
Enfim, temo que em educação não se passe da caetanista evolução na continuidade.       
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Na saúde, o panorama não é melhor. A marcação de consultas externas nos hospitais públicos é difícil e com imenso tempo de espera – o que já vai acontecendo em hospitais privados no regime convencionado – muitas das cirurgias têm infindas listas de espera. E não se percebe por que motivo um utente do SNS tem de se munir previamente do P1 do Centro de Saúde para poder marcar uma consulta no hospital público.
Se falarmos de urgências, a cada passo se vizinha o espectro do encerramento, ainda que temporário, não receção de doentes em situação de gravidade, falta de especialistas, muito tempo de espera, entupimento, não funcionamento de serviços de saúde materno-infantil…
Isto, apesar de Correia de Campos, ex-Ministro da Saúde, ter dito, em Santa Maria da Feira, no passado fim de semana, na conferência “40 anos do SNS – o passado, o presente e o futuro”:  
É necessário continuar a ter um SNS para todos os portugueses e uma boa saúde pública. (…) É essencial para Portugal estar socialmente equilibrado e com equidade entre a população.”.     
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Está na berra, nestes dias, o Hospital Garcia de Orta, em Almada, que surgiu para servir 150 mil pessoas, quando agora atende cerca de meio milhão. E hoje, dia 18 de novembro, é primeiro dia de 6 meses sem urgências pediátricas noturnas naquele hospital, com autarcas do Seixal e de Almada a juntarem-se em vigília contra a decisão do Ministério da Saúde e a pedirem respostas, reforçando o que sucedeu no final de outubro, quando mais de uma centena de pessoas se manifestou contra o encerramento das urgências pediátricas ao fim de semana.
Na verdade, as urgências pediátricas começaram a encerrar no Garcia de Orta esta segunda-feira, dia 18, às 20 horas para só reabrirem às 8 da manhã do dia seguinte. É uma “solução paliativa”, que deverá arrastar-se por 6 meses, como dizem as comissões de utentes da saúde, que não aceitam esta solução e decidiram, para marcar este dia, sair à rua, indiferentes ao frio, numa vigília noturna de protesto frente ao hospital, a partir das 20 horas, tendo ao lado os presidentes das câmaras de Almada e do Seixal, que mostram solidariedade com a população que o hospital serve diretamente.
Ao todo, os municípios de Almada e de Seixal têm cerca de 340 mil habitantes, número bem maior que o inicialmente previsto que o hospital atendesse quando foi inaugurado, em setembro de 1991. Atualmente dá resposta a quase meio milhão de pessoas, pois, ao Seixal e Almada, juntam-se os casos que recebe de todo o distrito de Setúbal, que se estende até Sines.
A solução apresentada pela Ministra da Saúde para a falta de pediatras no hospital (Foi ela própria quem a anunciou) representa um “agravamento” da situação vivida até agora, porque, se até aqui as urgências fechavam à noite nos fins de semana, doravante encerram durante a semana das 20 horas às 8 da manhã. As crianças serão atendidas por médicos de família e, em situação mais grave, serão transferidas para Lisboa e, se houver uma urgência a partir da meia-noite, também terão de recorrer à capital. A falta de médicos especialistas já tinha ditado o encerramento das urgências pediátricas durante os sábados e domingos. Em contrapartida, o Governo prolongou os horários dos centros de saúde da Amora (Seixal) e Rainha Dona Leonor (Almada), que passam a funcionar das 8 às 0 horas, nos dias de semana, e das 10 horas às 22, aos fins de semana.
De facto, já passa de um ano que o Garcia de Orta tem problemas na resposta pediátrica, com a saída de 13 especialistas. E atualmente trabalham 28 médicos nos seus Serviços de Pediatria, mas apenas 7 fazem urgências; e, destes, só 4 fazem noite por terem menos de 55 anos. Como é que uma pediatra pôde atender 70 crianças em 12 horas? Que segurança profissional?
O Sindicato dos Médicos da Zona Sul diz que os concursos abertos não trouxeram nada de volta porque não houve médicos a concorrer às vagas. Porém, a 26 de outubro, o presidente conselho de administração afirmou que a situação estar normalizada daqui a 6 meses, por ter sido aberto novo concurso e de terem sido preenchidas 3 vagas por contratação direta. E o hospital também abriu um concurso (conforme publicação no dia 15 de novembro em Diário da República) para recrutamento de um diretor para os Serviços de Pediatria, depois da demissão da diretora do serviço.
A isto, José Lourenço, da Comissão de Utentes da Saúde do Seixal, observa:
A solução proposta não é suficiente nem é solução. O Garcia de Orta é um hospital de referência para todo o distrito de Setúbal, um hospital tampão, e a situação nunca devia ter chegado ao que chegou.”.
Lembra que, além da população de Almada e Seixal, acodem àquela unidade doentes de Sesimbra e que o hospital recebe transferências do Barreiro e do Montijo e de situações mais emergentes do sul do distrito, nomeadamente do Litoral Alentejano.
Por seu turno, Joaquim Santos, presidente da Câmara do Seixal, eleito pela CDU, afirma que o prolongamento do horário dos centros de saúde contra o encerramento das urgências pediátricas “é apenas uma forma de dizer que se tem algo para dar em troca”. E acrescenta: 
Não aceitamos o facto de haver esta solução por mais seis meses. Quando reunimos com a Secretária de Estado [da Saúde] do anterior Governo, foi-nos dito que o problema ia ser resolvido.”.
Joaquim Santos junta ao funcionamento em pleno das urgências do Garcia de Orta a reivindicação do hospital no Seixal, que aparece nos programas de Governo e, apesar de os anos irem passando, não avança – o protocolo assinado em 2009 não foi concretizado e, em 2018, uma adenda atribuiu ao município uma maior comparticipação na obra. O orçamento para a construção do hospital é de 30 milhões, mas não há data para os trabalhos avançarem, pois o projeto nem sequer foi adjudicado. Considera que a sua construção traria substancial melhoria à oferta de serviços de saúde para a população e libertaria o Garcia de Orta – que serve hoje quase três vezes mais utentes do que devia – já que receberia os casos mais graves. E, dando mais uma achega à insuficiência dos serviços de saúde, lembra que o concelho do Seixal tem 40 mil utentes sem médico de família, pelo que está a trabalhar com a Administração Regional de Saúde e Vale do Tejo na construção de dois centros de saúde: o de Corroios cuja construção começou em agosto; e do de Foros da Amora, cujo dossiê ainda nem começou a ser discutido.
Entretanto, José Lourenço entende que o hospital do Seixal não resolverá a situação. Com efeito, segundo diz, “pouco mais será que uma urgência básica”, pois estão previstas apenas 60 camas para internamentos de 24 horas”, sendo que há uma carência de 700 camas no distrito de Setúbal, o que justificaria que a nova instituição de saúde tivesse pelo menos 300 camas para mitigar as deficiências.
O autarca de Setúbal, que afirma que o problema da falta de médicos no Garcia de Orta está identificado há muito tempo, sustenta:
Tem havido pouco empenho para o resolver. Mas o Ministério da Saúde tem que tomar medidas. Se na greve dos camionistas houve requisição civil, tem que se ver se aqui também é desejável a requisição civil de médicos. Alguma coisa tem que ser feita.”.
E, lembrando o inverno como período crítico em que muitas crianças adoecem, nomeadamente com bronquiolites, e que os centros de saúde não têm respostas para estas situações, vinca:
O Primeiro-Ministro e a Ministra da Saúde têm que se empenhar pessoalmente neste caso. Não se está a cuidar da coisa mais importante para os portugueses, que é a saúde?”.
Do seu lado, Inês de Medeiros, presidente da Câmara Municipal de Almada, eleita pelo PS, embora com um discurso mais moderado, fez questão de estar presente na vigília e, porfiando que “não pode ficar descansada com a perspetiva de encerramento das urgências pediátricas do por 4 ou 6 meses”, afirma que “importa não alimentar a ansiedade natural das pessoas”. Por outro lado, releva a importância de não se recorrer logo às urgências e de ligar primeiro para a Linha de Saúde 24 (808242424). Responde à preocupação manifestada pelas populações da Margem Sul de terem de recorrer a uma urgência de Lisboa quando podem deparar-se com os engarrafamentos ou acidentes na Ponte 25 de Abril, apontando que “a Proteção Civil, os bombeiros e até helicópteros podem ser acionados em casos prementes”. E, fazendo questão de dizer que não se podem confundir as urgências pediátricas com os serviços de neonatologia e obstetrícia, que continuam a funcionar em pleno, a autarca socialista deixa uma palavra de apreço aos profissionais dos centros de saúde que “vão ver o seu esforço redobrado para cumprirem o alargamento de horário”, o que levará a situações de exaustão que em nada beneficiarão os utentes, na opinião de José Lourenço, que alerta para outra situação:
Estes médicos não são pediatras e os centros de saúde não estão equipados para todo o tipo de situações. Se lá for uma criança pequena com problemas respiratórios, não têm aparelhos e máscaras adaptado. Não têm experiência adquirida nesta especialidade.”.
Por seu turno, Luísa Ramos, da Comissão de Utentes da Saúde de Almada, sustentando, há muito tempo, que a porta de entrada para assistir utentes devem ser os cuidados primários (reservando-se os casos emergentes para os urgências), lembra que as várias reestruturações na saúde induziram o encerramento dos SAP (Serviços de Atendimento Permanente), o que atirou os doentes para os serviços de urgências noturnas, pois nos centros de saúde só há consulta até às 20 horas.
Por isso, considerando que a resolução do caso está nas mãos dos políticos, aponta:
O Governo tem que chamar os sindicatos dos médicos e criar condições para que a situação seja solucionada, seja na urgência, seja nos cuidados primários. Não se vai resolver a questão de fundo com o encerramento das urgências pediátricas.”.
E José Lourenço, opinando que a situação vivida no Garcia de Orta tem beneficiado os operadores privados na área da saúde, ao contrário do SNS que se deteriora cada vez mais, vai mais longe ao porfiar:
Exigimos ao Governo e à Ministra da Saúde que encontrem todas as hipóteses e crie condições objetivas para que as coisas melhorem. Não estamos de acordo com a degradação da qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a não ser que alguém queira justificar a necessidade de privatização.”.
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E assim se vão deteriorando dois pilares fundamentais do Estado social e democrático: a saúde, que é fonte e condição de bem-estar, e a educação, que é rampa de desenvolvimento e mais-valia para se viver em dignidade e se assumir a cidadania de corpo inteiro. Não há dinheiro para educação e saúde, mas há-o para a banca. Até pode ser dado duma só vez ao Novo Banco tudo o que está previsto dar-se-lhe. Rico socialismo o deste PS!  
Tanto podem estes dois setores públicos ser privatizados por decisão política, diretamente ou através da municipalização (em que rapidamente surgirá a concessão a privados), como por inanição induzida pela falta de formação e recrutamento de profissionais, pela falta de remuneração condigna, pela não criação de condições de trabalho razoáveis e pela ausência de perspetiva de carreira profissional.
Bem prega Correia de Campos ao apontar a necessidade de “libertar mais verbas” e “apostar na dinamização” das equipas profissionais médicas, com incentivos à produtividade, ao querer “menos burocracia e condicionamentos” para investimento do Estado no SNS e admitir “um SNS com medicina privada/convencionada”, porém, “com limites de atuação”.
Não estou certo de que o SNS melhore a sua qualidade como assegura o ex-ministro ao mencionar que o Governo e as administrações hospitalares se anteciparam na tecnologia e desenvolveram um planeamento de médio e longo prazo.
Enfim, corremos o risco de caminhar para uma prestação de serviços de saúde e de educação em consonância com a bolsa de cada um, ficando o serviço público disponível para os mais pobres e dependente do amor à camisola por parte duns tantos mias generosos ou de quem não consiga emprego mais vantajoso. Mísera sorte, estranha condição!
2019.11.18 – Louro de Carvalho       

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