A 28 de outubro passado, o Público
online dava à luz um texto de João André Costa, professor que vive, há 11 anos,
em Inglaterra e criou o blogue “Dar aulas em Inglaterra”, em que é referido que,
em Portugal, 48% dos professores têm 50 ou mais anos e ensinam por paixão e
devoção numa profissão em que “o melhor do mundo são mesmo as crianças”. Todavia, a pari,
assegura que também ensinam por falta de alternativa viável num país onde o
professor é visto como apenas capaz de ensinar e pouco mais, sendo o desemprego
a única saída. E acrescenta: o desemprego
ou a emigração. Emigrar foi o que este cidadão fez!
Ora, como
ninguém quer ficar desempregado ou ver-se forçado a deixar tudo para trás, muitos
dos professores sujeitam-se a contratos temporários, viajam por todo o país
todos os anos, ensinando em duas ou três escolas ao mesmo tempo, substituindo
um colega de baixa num extremo do país e, no mês a seguir, noutro extremo,
prescindindo de casa, família e filhos em prol de casas, famílias e filhos dos
outros, na luta diária da preparação de crianças, adolescentes e adultos para
os desafios de um mundo em tudo distante da ilusão das redes sociais.
A tudo isto
acresce a constante ameaça física e psicológica de alunos e pais aos
professores – muitos deles nos quadros e com muitos anos de serviço dado à
educação e ensino – em escolas “onde as direções se trancam a sete chaves,
longe dos professores, dos alunos e respetivos pais”, cabendo aos auxiliares de
ação educativa (hoje rotulados de assistentes operacionais) a tarefa de arriscar a integridade física em casos
de polícia, de modo a salvar professores em apuros (as agressões
e as acusações difamatórias a professores multiplicam-se) e chamar alunos à razão. São casos em que o aluno é
sempre a vítima e o professor o algoz, responsabilizado pela incapacidade de,
por si, resolver os dramas sociais de turmas inteiras onde grassam a violência
doméstica, a toxicodependência, o desemprego, divórcios, a perda de familiares
e de amigos diretos, responsabilizado por não ser pai e mãe, irmão e irmã,
psicólogo e assistente social, o super-herói de todos os alunos das escolas de
todo o país (condições e misteres que o professor não pode assumir).
Como é do conhecimento público um juiz estagiário recebe no fim do mês em
remuneração mais do que um professor no topo da carreira. E, na pré-carreira e
no início de carreira, o professor, se tiver horário completo percebe um
vencimento bruto mensal de 1200 euros. No entanto, multiplicam-se os casos de
horários reduzidos a ocupar por docentes contratados (não ganham para alojamento ou deslocação), alguns a lecionar há
mais de 20 anos, ainda no início da carreira, mercê da não vinculação e
alongada precariedade sem esquecer o congelamento das carreiras para quem, ao
fim de 30 anos, teve a sorte de vincular em QZP (Quadro de Zona Pedagógica) já com a aposentação no horizonte, embora longínquo. E diz o articulista:
“Quando, há 20 anos e a meio do curso
universitário, decidimos, erradamente, enveredar pelo ramo de ensino, os nossos
professores juraram a pés juntos haver emprego à espera. Não demorou um ano
após o fim do curso para nos vermos na condição de desempregados. Vergados,
humilhados, preocupados para não dizer desesperados, sujeitámo-nos a tudo.
Sujeitámo-nos à degradação do ensino em Portugal. As nossas agruras fizeram
manchete nos jornais, ano após ano, entre agressões, internamentos
hospitalares, perseguições da parte de alunos e encarregados de educação,
instabilidade, falta de meios de subsistência onde as nossas famílias, perdão,
os nossos pais, foram, e ainda são, a tábua de salvação porque o dinheiro não
chega, nunca chegou, não vai chegar.”.
Assim, o
país é confrontado diariamente com a imagem duma carreira cada vez menos
apetecida: os mais velhos estão cansados, os mais novos sentem-se inseguros e
desapoiados. O Estado paga mal, sobrecarrega (se não é com aulas, é com papeladas,
bibliotecas, salas de estudo, ludotecas, fichas, relatórios, etc.), não dá autoridade e até desautoriza o professor. O
professor é o único responsável pelo insucesso escolar, pela indisciplina (que aumenta
a olhos vistos), pelo mau
estar do aluno, pelas faltas (que praticamente não têm consequências, a não ser dar
mais trabalho ao professor e ao diretor de turma). Enfim, a receita para os professores é a sobrevivência!
Contam-se
pelos dedos os professores com menos de 30 anos. Mil num universo de mais de
126.000 professores (menos de 1%). E daqui a
10 anos, 48% destes 126.000, cerca de 60.000 professores, estarão na
aposentação ou a caminho dela.
Daqui por 10
anos, precisaremos de pelo menos 60.000 professores, a não ser que aumente o
número de alunos por turma (para burocratas, quem ensina 30 alunos também ensina
40: tudo ao molho e fé em Deus). Professores a menos (na que é a maior classe profissional
do Estado) será visto como ensejo para melhorar
a racionalização de meios e restabelecer e reforçar os contratos de associação
com estabelecimentos de ensino privado, daqui a 10 anos, dados como a única
“alternativa viável”.
Com efeito,
num país onde a formação é vista não como investimento, mas antes ameaça a quem
está acima, não haverá mestrados nas áreas de educação e ensino. E, como diz
André Costa, “rapidamente voltaríamos
todos a assinar de cruz”.
***
Em setembro do ano passado, o relatório “Education
at a Glance 2018”, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), concluía que, ao invés da maioria
dos países da OCDE, os nossos professores ganham mais que os restantes
trabalhadores com formação superior e que “também os diretores das escolas
estão entre os que ganham mais”.
Os dados revelados então mostravam que só os professores
do Luxemburgo recebiam mais do que os portugueses quando se compara o seu rendimento
médio com o de trabalhadores com formação superior semelhante. Assim, Luxemburgo,
Portugal e Grécia eram os três países do topo da lista comparativa da OCDE, que
põe os alemães e os finlandeses em 4.º e 5.º lugares. E referiam que, por cá, os
professores ganhavam, desde a educação pré-escolar até ao ensino secundário,
mais que os outros trabalhadores com formação superior, variando entre 35% mais
no ensino básico e secundário até 50% mais na educação pré-escolar.
Ora,
sendo a carreira igual nos diversos níveis de educação e ensino não superior,
essas diferenças apenas se justificam pela idade e antiguidade na carreira
docente, diferentes nos diversos níveis de educação e ensino. E, nesse campo,
Portugal tem a classe docente mais envelhecida da OCDE: Entre 2005 e 2016, as nossas
escolas viram aumentar em 16% os docentes com mais de 50 anos, ao passo que nos
restantes países, o envelhecimento foi, em média, de apenas 3%. Em 2016, apenas
1% dos professores das nossas escolas do ensino básico e secundário tinha menos
de 30 anos, enquanto na OCDE representavam 11%. Já os docentes com pelo menos
50 anos eram 38% do total dos professores portugueses.
Mais: em
Portugal, segundo contas feitas da OCDE, o salário dum professor no topo da
carreira é duas vezes superior ao de um professor em início de carreira. Quando
começam a trabalhar, os docentes portugueses recebem cerca de 28.500 euros
anuais. Uma realidade diferente da de muitos países da OCDE, onde a média dos
vencimentos vai aumentando consoante se vai estando responsável por ensinar uma
turma de alunos mais velhos. Aqui isso acontecia há muitos anos em que o
professor que lecionasse apenas turmas do ensino secundário tinha a redução do
seu horário semanal em dois tempos letivos. Assim, os números do relatório mostram
que na educação pré-escolar os professores da OCDE ganham, em média, menos do
que os portugueses, mas no ensino secundário já têm um ordenado superior. No
caso dos diretores, segundo as contas do relatório, o vencimento em Portugal
chega a ser o dobro quando comparado com outros trabalhadores com a mesma
formação académica, independentemente de estarem à frente de escola de ensino
pré-primário ou de secundária. “Este
rácio é um dos mais elevados da OCDE e muito acima da média da OCDE”, lê-se
no texto, que sublinha que um salário atrativo é um “passo importante para
recrutar, desenvolver e manter professores altamente qualificados e capazes”. É
de perguntar onde estão as escolas pré-primárias e seu diretor, quando todos os
jardins de infância e escolas básicas estão sob a égide dum agrupamento de
escolas.
Os docentes
portugueses aparecem no relatório como um grupo privilegiado em relação aos
colegas estrangeiros no que toca ao horário:
“Em
Portugal, os professores desfrutam de um horário mais leve do que a média da
OCDE e têm, comparativamente, mais tempo para atividades não docentes, como
preparar aulas e corrigir trabalhos de casa”.
Chamará a
OCDE preparação de aulas aos tempos passados nas reuniões de grupo e dos
conselhos de turma, na biblioteca, na ludoteca, na sala de estudo e quejandos?
Ou a componente não letiva onde cabe tudo (desde apoios educativos, substituições de professores,
codocências, etc.)?
E o relatório
refere que os nossos professores do ensino secundário dão 616 horas de aulas
por ano, enquanto a média na OCDE é de 701 horas. Cá, os docentes estão 920
horas na escola, enquanto a média nos países analisados é de 1.178 horas anuais.
Esquece a OCDE o tempo que se passa em provas de aferição, provas finais,
exames nacionais e exames de equivalência à frequência? E vem ainda falar das
horas de redução da componente letiva de professores com uma certa idade
conjugada com um certo número de anos de serviço, quando isso implica
normalmente permanecer na escola e estar ocupado com alunos, o que dantes não
acontecia.
***
Também no mês de setembro de 2018 e segundo o Notícias ao Minuto, o biólogo Joaquim
Jorge defendia a classe docente, questionando o que sentiriam os portugueses “se
perdessem mais de nove anos de serviço e que não tivesse efeitos para
progredirem na sua vida profissional”.
No entendimento
do fundador do Clube dos Pensadores, o predito relatório “prestou um mau
serviço à educação portuguesa”. Está em causa, como alega, o facto de “os
portugueses que, por sistema, são invejosos e só pensam na sua vida e no seu
emprego”, terem “muita dificuldade em colocar-se no lugar dos outros” e terem
um “hábito gratuito: dizer mal dos outros”.
Na sua ótica,
“o Governo e os portugueses têm, de uma vez por todas, de dizer se querem uma
escola pública de qualidade. Se querem, têm que ter professores bem pagos e
satisfeitos com a profissão. Se não, no futuro, não teremos professores
portugueses, eles virão dos países lusófonos: “No futuro ninguém quer ser professor: mal visto, mal pago, maltratado”.
E frisava:
“Não
podemos continuar a dividir os portugueses que trabalham no privado e no
público. Há muitas pessoas que trabalham no privado e que afirmam, de uma forma
espúria, que são elas que pagam os salários dos professores! Pura ignorância,
os professores pagam tantos ou mais impostos que um privado.”.
Dizia, com
razão, que os dados da OCDE “ são erróneos”, não se entendendo aonde os foram
buscar” (sabemos que os
dados são fornecidos por gente de cá, a jeito do interesse do Governo). E sustentava:
“Era
bom um professor no topo de carreira com mais de 40 anos de serviço ganhar
56.401 euros brutos. Pelas minhas contas, aufere brutos 47.096 euros, uma diferença
de quase 10.000 euros. Já um professor no início de carreira aufere 21.420
euros brutos anuais, e não, 28.349 euros.”.
E adiantava
que este relatório “saiu na hora exata
para, mais uma vez denegrir, e manipular a opinião pública contra os
professores”, que “veio na altura
certa e colocá-lo a favor do Governo, neste braço-de-ferro” e que “até parece que foi encomendado pelo Governo”.
Joaquim Jorge
gostava que a OCDE publicasse relatório sobre salários dos políticos portugueses
e as respetivas benesses (carros,
cartões de crédito, viagens, etc.), em comparação com os políticos de outros países, bem como
relatório sobre os salários dos bancários e suas benesses, comparando com os
bancários de outros países.” E ainda “dos médicos”. E justificava:
“O
que explica em grande medida, enquanto atitude mental, o nosso atraso secular é
a inveja, o ressentimento e o queixume como fatores que obstruem o progresso.
Eu acrescento outro: comparar o incomparável.”.
E Joaquim
Jorge concluía:
“A
idiossincrasia da profissão docente não se compagina em comparações, lida com
seres humanos diversos, é peculiar; e não é algo que tenha que dar lucro e se
resuma a despesa. Uma sociedade que não investe na educação dos seus filhos
não tem futuro.”.
***
O XXI
Governo Constitucional reduziu as retenções e abandono escolar no ensino básico
de 7,9% (em
1015) para 5,1% (em
2018), alegadamente
sem reduzir o padrão de exigências na avaliação. E o Programa do XXII Governo
vai “criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma
intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades”. Intenção
ambígua, pois não garante a abolição dos chumbos.
Apesar
do PNPSE (Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar), com os PAE (Planos
de Ação Estratégica)
e da flexibilização curricular (com alguma gestão local do
currículo), dos
Apoios Tutoriais e das candidaturas aos PPIP (Projetos-Piloto
de Inovação Pedagógica, que visam “promover o
sucesso e a qualidade das aprendizagens de todos os alunos, através do reforço
da autonomia das escolas na conceção e adoção de projetos educativos próprios,
que poderão passar pela introdução de alterações de âmbito organizacional e pedagógico”), e do reforço da ação social
escolar e do desporto, os chumbos continuam a afetar um terço dos alunos do
ensino básico (50 mil alunos).
E o Programa do Governo prevê intervir no combate ao insucesso no ensino
secundário onde o insucesso é maior (afeta 50 mil alunos). Isto acarreta custos ao Estado
e torna-se massivo por afetar sobretudo os alunos que provêm de famílias mais
desfavorecidas económica e socialmente. Por conseguinte, o Ministério da
Educação quer aprofundar e alargar as medidas que estão lançadas. E o Ministro
disse (vd
Público, do dia 3 de novembro) que há que sistematizar os
programas e medidas existentes e desenvolver um plano de geometria variável, com
a necessária adequação aos diversos contextos e com o envolvimento de cada
comunidade. Lindas palavras! Também referiu que muitas famílias não acolheram o
apoio tutorial por ser novidade (Filinto Lima diz que
foi pela conotação com o foro judiciário de menores). Aposta no acompanhamento
individualizado, quer no ensino básico, por ser fundamental, quer no
secundário, dado que as retenções são claramente superiores neste nível de ensino
(em
termos relativos); e
considera que a chave “é encontrar as melhores estratégias para apoiar e
alavancar o sucesso de todos os alunos”.
Talvez esqueça
que a mola do sucesso não está só no professor, a quem incumbe o ensino ou a dinamização
das aprendizagens com as melhores metodologias. Mas é preciso olhar a escola
como um todo e reforçar o elenco de auxiliares de ação educativa e assistentes administrativos,
nomeadamente ao nível da ação social e escolar e no acompanhamento dos alunos,
dotar a escola de técnicos superiores do âmbito da psicologia, serviço social, saúde
e regime alimentar correto, encarar, prevenir e combater a indisciplina e
comportamentos inadequados dos alunos, moderar o hipercriticismo dos
encarregados de educação e reforçar a autoridade dos professores e boas condições
do seu trabalho, a começar pela sua autonomia profissional.
De resto,
inventar disciplinas a gosto dos alunos ou trabalhar para estatísticas é beco sem
saída!
2019.11.04 – Louro
de Carvalho
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