Depois de, na
Tailândia, ter desafiado os jovens católicos a prosseguir a magnífica história
de evangelização, iniciada pelos missionários dominicanos portugueses Frei Jerónimo da Cruz e Frei Sebastião do Canto,
ter pedido o combate ao turismo e exploração sexuais, ter instado com as
diversas religiões a que se unam contra a exploração de seres humanos e haver exortado
a que o anúncio do Evangelho deixe de lado
qualquer “roupagem estrangeira”, Francisco chegou ao Japão hoje, dia 23, com mensagens em favor do desarmamento nuclear e de
homenagem aos mártires da minoria católica.
Já na tradicional videomensagem enviada antes da visita, o
Pontífice condenava o uso de armas nucleares, que considerou “imoral”.
A viagem inclui,
este domingo, dia 24, passagens pelos locais atingidos por bombas atómicas
durante a II Guerra Mundial, Nagasáqui e Hiroxima; e, no dia 25, em Tóquio,
decorrerá um encontro com as vítimas do chamado “triplo desastre” de 2011 –
terramoto, tsunami e acidente nuclear em Fucuxima.Ao invés do que
tem sido em outras visitas apostólicas, o primeiro ato oficial não é o Encontro
com as Autoridades e o Corpo
Diplomático, que ocorrerá no dia 25 no edifício governamental “Kantei”, em
Tóquio, mas o encontro com os Bispos católicos na Nunciatura Apostólica, às
18,50 horas do primeiro dia da visita.Saudou os Bispos
e, nesta saudação, incluiu todas e cada uma das comunidades, fiéis leigos,
catequistas, sacerdotes, religiosos, pessoas consagradas, seminaristas. E
desejou estender o seu abraço e orações a todos os japoneses neste período
marcado pela entronização do novo Imperador e o início da era Reiwa.
Revelou que,
desde jovem, sentiu simpatia e estima por estas terras, sendo que, “passados
muitos anos desde aquele impulso missionário, cuja realização se fez esperar”,
considera que esta foi a oportunidade que o Senhor lhe deu de estar ali como
peregrino missionário seguindo os passos de grandes testemunhas da fé. Frisou a
passagem dos 470 anos da chegada de São Francisco Xavier ao Japão, que marcou o
início da propagação do cristianismo naquela terra. Disse unir-se aos Bispos
para dar graças ao Senhor por quantos, “ao longo dos séculos, se dedicaram a
semear o Evangelho e a servir o povo japonês com grande unção e amor”,
conferindo peculiar fisionomia à Igreja japonesa. Evocou os mártires São Paulo
Miki e companheiros e o Beato Justo Takayama Ukon, considerando “esta oferta de
si mesmos para manter viva a fé no meio da perseguição” uma ajuda ao
crescimento, consolidação e frutificação da pequena comunidade cristã. E pediu
um pensamento nos “cristãos escondidos” da região de Nagasáqui, “que mantiveram
a fé durante várias gerações graças ao Batismo, à oração e à catequese” –
autênticas Igrejas domésticas que resplandeciam nesta terra “como espelhos da
Família de Nazaré”.
***
É de recordar
que, após uma vaga de perseguições nos séculos XVI e XVII, o Cristianismo foi
oficialmente banido do Japão e os que se mantiveram cristãos tiveram de
praticar a sua fé em segredo durante mais de dois séculos. E Francisco disse
aos Bispos:
“O ADN das
vossas comunidades está marcado por este testemunho, antídoto contra todo o
desespero, que nos indica a estrada para onde encaminhar-se. Sois uma Igreja
que se manteve viva pronunciando o Nome do Senhor e contemplando como Ele vos
guiava no meio da perseguição.”.
E, considerando
“a sementeira confiante, o testemunho dos mártires, a espera paciente dos
frutos que o Senhor concede” e a modalidade apostólica com que souberam
acompanhar a cultura japonesa, observou:
“Plasmastes ao longo dos anos um rosto eclesial, geralmente
muito apreciado pela sociedade japonesa, graças às vossas variadas
contribuições para o bem comum. Este importante capítulo da história do país e
da Igreja universal foi agora reconhecido com a designação das igrejas e
cidades de Nagasáqui e Amacuça como lugares do Património Cultural Mundial; mas
sobretudo como memória viva da alma das vossas comunidades, esperança fecunda
de toda a evangelização.”.
Em torno do lema
da viagem apostólica “Proteger toda a
vida”, disse que este pode simbolizar o ministério episcopal. Com efeito,
“o Bispo é uma pessoa que o Senhor chamou do meio do seu povo, para lho
devolver como pastor capaz de proteger toda a vida”.
Reconhecendo na
busca de inculturação e diálogo e na formação de modalidades independentes das
europeias, espelhadas nos escritos, teatro, música e todo o género de meios, na
sua maioria em língua japonesa, o amor que os primeiros missionários sentiam
por estas terras, adiantou:
“Proteger toda a vida significa (…) ter um olhar contemplativo
capaz de amar a vida de todo o povo que vos está confiado, para reconhecerdes
nele, antes de mais nada, um dom do Senhor. Porque só o que se ama pode ser
salvo. Só o que se abraça pode ser transformado. É o princípio da encarnação,
capaz de nos ajudar (…) a olhar cada vida como um dom gratuito. Proteger todas
as vidas e anunciar o Evangelho não são duas coisas separadas nem contrapostas,
mas uma reclama e exige a outra. Ambas significam estar atentos e vigilantes
relativamente a tudo aquilo que hoje possa impedir, nestas terras, o
desenvolvimento integral das pessoas confiadas à luz do Evangelho de Jesus.”.
O Papa sabe
que a Igreja no Japão é pequena e que os católicos são uma minoria, o que não
desmerece o compromisso com a evangelização, sendo que a palavra mais forte a
oferecer é a do “testemunho humilde, diário, aberto ao diálogo com as outras
tradições religiosas”. E a hospitalidade e cuidado a prestar aos trabalhadores
estrangeiros (são mais de
metade dos católicos do Japão) servem como testemunho do Evangelho na sociedade japonesa e atestam a
universalidade da Igreja, mostrando que “a
nossa união com Cristo é mais forte do que qualquer outro vínculo ou identidade
e é capaz de atingir e envolver todas as realidades”. De facto, “uma Igreja
de mártires – diz o Santo Padre – pode falar com maior liberdade, especialmente
quando aborda questões urgentes como a paz e a justiça no nosso mundo”.
Disse que a
visita a Nagasáqui e Hiroxima, onde rezará pelas vítimas do bombardeamento atómico,
dará voz aos apelos proféticos dos Bispos em prol do desarmamento nuclear e constituirá
ensejo para encontrar os que sofrem ainda as feridas daquele trágico episódio
da história humana – sofrimento que “é uma advertência eloquente para o nosso
dever humano e cristão de ajudar a quantos sofrem no corpo e no espírito e de
oferecer a todos a mensagem evangélica de esperança, cura e reconciliação”. E,
este respeito, alertou e exortou:
“O mal não faz aceção de pessoas nem
pergunta pela sua filiação; simplesmente irrompe com a sua força destruidora,
como aconteceu recentemente com o furação devastador que causou tantas vítimas
e danos materiais. Encomendemos à misericórdia do Senhor os que morreram, os
seus familiares e todos os que perderam a casa e bens materiais. Não tenhamos
medo de realizar sempre, aqui e em todo o mundo, a missão de levantar a voz e
defender toda a vida como dom precioso do Senhor.”.
Encorajando os
esforços dos Bispos por garantir que a comunidade católica, no Japão, ofereça
um testemunho claro do Evangelho no meio de toda a sociedade, frisou que o apostolado
educacional da Igreja “constitui um grande recurso para a evangelização e
demonstra o compromisso com as mais amplas correntes intelectuais e culturais”,
pois “a qualidade da sua contribuição dependerá naturalmente da promoção da sua
identidade e missão”.
Depois,
apontou os flagelos que ameaçam a vida de algumas pessoas daquelas comunidades
atingidas pela solidão, desespero e isolamento, o aumento do número de
suicídios nas cidades, o bullying (ijime) e várias formas de consumo geradoras de novos tipos de alienação e
desorientação espiritual – com especial incidência nos jovens. Por isso,
convidou os Bispos à atenção especial às necessidades as pessoas, criando “espaços
onde a cultura da eficiência, do rendimento e do sucesso possa abrir-se à
cultura dum amor gratuito e altruísta, capaz de oferecer a todos” possibilidades duma vida feliz e realizada.
Francisco,
sabendo da grandeza da messe e da grande escassez de operários, exortou “a
buscar, desenvolver e fazer crescer uma missão capaz de envolver as famílias e
promover uma formação capaz de atingir as pessoas onde quer que estejam, tendo
sempre em conta a realidade, situando-se “o ponto de partida para todo o
apostolado” onde as pessoas se encontram com os seus hábitos e ocupações, Aí
devemos alcançar a alma das cidades, dos lugares de trabalho, das
universidades, acompanhando os fiéis com o Evangelho da compaixão e da
misericórdia.
Por fim,
garantiu que “Pedro quer confirmar-vos na fé, mas Pedro vem também para tocar e
deixar-se renovar nos passos de tantos mártires testemunhas da fé”. É um dar e
receber. E o Bispo de Roma pede oração para que o Senhor lhe dê a graça de
receber a força do testemunho dos mártires, bem como o de todos aqueles
obreiros da evangelização, culto e caridade, e de confirmar os irmãos na fé.
***
Queira Deus que
a viagem papal por Tailândia e Japão produza os desejados frutos naquelas
paragens e constitua um estímulo forte para o rejuvenescimento da Igreja e da
Sociedade na Europa cansada, velha e alheada dos valores do são humanismo.
2019.11.23 – Louro de Carvalho
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