sábado, 23 de novembro de 2019

Papa chega ao Japão como “missionário” que cumpre sonho antigo


Depois de, na Tailândia, ter desafiado os jovens católicos a prosseguir a magnífica história de evangelização, iniciada pelos missionários dominicanos portugueses Frei Jerónimo da Cruz e Frei Sebastião do Canto, ter pedido o combate ao turismo e exploração sexuais, ter instado com as diversas religiões a que se unam contra a exploração de seres humanos e haver exortado a que o anúncio do Evangelho deixe de lado qualquer “roupagem estrangeira”, Francisco chegou ao Japão hoje, dia 23, com mensagens em favor do desarmamento nuclear e de homenagem aos mártires da minoria católica.
Já na tradicional videomensagem enviada antes da visita, o Pontífice condenava o uso de armas nucleares, que considerou “imoral”.
A viagem inclui, este domingo, dia 24, passagens pelos locais atingidos por bombas atómicas durante a II Guerra Mundial, Nagasáqui e Hiroxima; e, no dia 25, em Tóquio, decorrerá um encontro com as vítimas do chamado “triplo desastre” de 2011 – terramoto, tsunami e acidente nuclear em Fucuxima.Ao invés do que tem sido em outras visitas apostólicas, o primeiro ato oficial não é o Encontro com as Autoridades e o Corpo Diplomático, que ocorrerá no dia 25 no edifício governamental “Kantei”, em Tóquio, mas o encontro com os Bispos católicos na Nunciatura Apostólica, às 18,50 horas do primeiro dia da visita.Saudou os Bispos e, nesta saudação, incluiu todas e cada uma das comunidades, fiéis leigos, catequistas, sacerdotes, religiosos, pessoas consagradas, seminaristas. E desejou estender o seu abraço e orações a todos os japoneses neste período marcado pela entronização do novo Imperador e o início da era Reiwa.
Revelou que, desde jovem, sentiu simpatia e estima por estas terras, sendo que, “passados muitos anos desde aquele impulso missionário, cuja realização se fez esperar”, considera que esta foi a oportunidade que o Senhor lhe deu de estar ali como peregrino missionário seguindo os passos de grandes testemunhas da fé. Frisou a passagem dos 470 anos da chegada de São Francisco Xavier ao Japão, que marcou o início da propagação do cristianismo naquela terra. Disse unir-se aos Bispos para dar graças ao Senhor por quantos, “ao longo dos séculos, se dedicaram a semear o Evangelho e a servir o povo japonês com grande unção e amor”, conferindo peculiar fisionomia à Igreja japonesa. Evocou os mártires São Paulo Miki e companheiros e o Beato Justo Takayama Ukon, considerando “esta oferta de si mesmos para manter viva a fé no meio da perseguição” uma ajuda ao crescimento, consolidação e frutificação da pequena comunidade cristã. E pediu um pensamento nos “cristãos escondidos” da região de Nagasáqui, “que mantiveram a fé durante várias gerações graças ao Batismo, à oração e à catequese” – autênticas Igrejas domésticas que resplandeciam nesta terra “como espelhos da Família de Nazaré”.
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É de recordar que, após uma vaga de perseguições nos séculos XVI e XVII, o Cristianismo foi oficialmente banido do Japão e os que se mantiveram cristãos tiveram de praticar a sua fé em segredo durante mais de dois séculos. E Francisco disse aos Bispos:

O ADN das vossas comunidades está marcado por este testemunho, antídoto contra todo o desespero, que nos indica a estrada para onde encaminhar-se. Sois uma Igreja que se manteve viva pronunciando o Nome do Senhor e contemplando como Ele vos guiava no meio da perseguição.”.

E, considerando “a sementeira confiante, o testemunho dos mártires, a espera paciente dos frutos que o Senhor concede” e a modalidade apostólica com que souberam acompanhar a cultura japonesa, observou:
Plasmastes ao longo dos anos um rosto eclesial, geralmente muito apreciado pela sociedade japonesa, graças às vossas variadas contribuições para o bem comum. Este importante capítulo da história do país e da Igreja universal foi agora reconhecido com a designação das igrejas e cidades de Nagasáqui e Amacuça como lugares do Património Cultural Mundial; mas sobretudo como memória viva da alma das vossas comunidades, esperança fecunda de toda a evangelização.”.
Em torno do lema da viagem apostólica “Proteger toda a vida”, disse que este pode simbolizar o ministério episcopal. Com efeito, “o Bispo é uma pessoa que o Senhor chamou do meio do seu povo, para lho devolver como pastor capaz de proteger toda a vida”.
Reconhecendo na busca de inculturação e diálogo e na formação de modalidades independentes das europeias, espelhadas nos escritos, teatro, música e todo o género de meios, na sua maioria em língua japonesa, o amor que os primeiros missionários sentiam por estas terras, adiantou:
Proteger toda a vida significa (…) ter um olhar contemplativo capaz de amar a vida de todo o povo que vos está confiado, para reconhecerdes nele, antes de mais nada, um dom do Senhor. Porque só o que se ama pode ser salvo. Só o que se abraça pode ser transformado. É o princípio da encarnação, capaz de nos ajudar (…) a olhar cada vida como um dom gratuito. Proteger todas as vidas e anunciar o Evangelho não são duas coisas separadas nem contrapostas, mas uma reclama e exige a outra. Ambas significam estar atentos e vigilantes relativamente a tudo aquilo que hoje possa impedir, nestas terras, o desenvolvimento integral das pessoas confiadas à luz do Evangelho de Jesus.”.


O Papa sabe que a Igreja no Japão é pequena e que os católicos são uma minoria, o que não desmerece o compromisso com a evangelização, sendo que a palavra mais forte a oferecer é a do “testemunho humilde, diário, aberto ao diálogo com as outras tradições religiosas”. E a hospitalidade e cuidado a prestar aos trabalhadores estrangeiros (são mais de metade dos católicos do Japão) servem como testemunho do Evangelho na sociedade japonesa e atestam a universalidade da Igreja, mostrando que “a nossa união com Cristo é mais forte do que qualquer outro vínculo ou identidade e é capaz de atingir e envolver todas as realidades”. De facto, “uma Igreja de mártires – diz o Santo Padre – pode falar com maior liberdade, especialmente quando aborda questões urgentes como a paz e a justiça no nosso mundo”.
Disse que a visita a Nagasáqui e Hiroxima, onde rezará pelas vítimas do bombardeamento atómico, dará voz aos apelos proféticos dos Bispos em prol do desarmamento nuclear e constituirá ensejo para encontrar os que sofrem ainda as feridas daquele trágico episódio da história humana – sofrimento que “é uma advertência eloquente para o nosso dever humano e cristão de ajudar a quantos sofrem no corpo e no espírito e de oferecer a todos a mensagem evangélica de esperança, cura e reconciliação”. E, este respeito, alertou e exortou:
O mal não faz aceção de pessoas nem pergunta pela sua filiação; simplesmente irrompe com a sua força destruidora, como aconteceu recentemente com o furação devastador que causou tantas vítimas e danos materiais. Encomendemos à misericórdia do Senhor os que morreram, os seus familiares e todos os que perderam a casa e bens materiais. Não tenhamos medo de realizar sempre, aqui e em todo o mundo, a missão de levantar a voz e defender toda a vida como dom precioso do Senhor.”.
Encorajando os esforços dos Bispos por garantir que a comunidade católica, no Japão, ofereça um testemunho claro do Evangelho no meio de toda a sociedade, frisou que o apostolado educacional da Igreja “constitui um grande recurso para a evangelização e demonstra o compromisso com as mais amplas correntes intelectuais e culturais”, pois “a qualidade da sua contribuição dependerá naturalmente da promoção da sua identidade e missão”.
Depois, apontou os flagelos que ameaçam a vida de algumas pessoas daquelas comunidades atingidas pela solidão, desespero e isolamento, o aumento do número de suicídios nas cidades, o bullying (ijime) e várias formas de consumo geradoras de novos tipos de alienação e desorientação espiritual – com especial incidência nos jovens. Por isso, convidou os Bispos à atenção especial às necessidades as pessoas, criando “espaços onde a cultura da eficiência, do rendimento e do sucesso possa abrir-se à cultura dum amor gratuito e altruísta, capaz de oferecer a todos” possibilidades duma vida feliz e realizada.
Francisco, sabendo da grandeza da messe e da grande escassez de operários, exortou “a buscar, desenvolver e fazer crescer uma missão capaz de envolver as famílias e promover uma formação capaz de atingir as pessoas onde quer que estejam, tendo sempre em conta a realidade, situando-se “o ponto de partida para todo o apostolado” onde as pessoas se encontram com os seus hábitos e ocupações, Aí devemos alcançar a alma das cidades, dos lugares de trabalho, das universidades, acompanhando os fiéis com o Evangelho da compaixão e da misericórdia.
Por fim, garantiu que “Pedro quer confirmar-vos na fé, mas Pedro vem também para tocar e deixar-se renovar nos passos de tantos mártires testemunhas da fé”. É um dar e receber. E o Bispo de Roma pede oração para que o Senhor lhe dê a graça de receber a força do testemunho dos mártires, bem como o de todos aqueles obreiros da evangelização, culto e caridade, e de confirmar os irmãos na fé.

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Queira Deus que a viagem papal por Tailândia e Japão produza os desejados frutos naquelas paragens e constitua um estímulo forte para o rejuvenescimento da Igreja e da Sociedade na Europa cansada, velha e alheada dos valores do são humanismo.
2019.11.23 – Louro de Carvalho

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