É uma das
poderosas pérolas afirmativas da homilia do Papa no Estádio Nacional de
Bancoque, no dia 21 de novembro.
Partindo da
passagem do Evangelho de Mateus (Mt 12,46-50) em que Jesus, que estava a ensinar, é avisado de que a sua família
estava à sua procura, Francisco frisa que o Mestre desafiou a multidão com a
pergunta “Quem é a minha mãe e quem são
os meus irmãos?” (v.
46). E, porque a missão
de Jesus era ensinar, dá a resposta à sua maneira, não à dos homens: “Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai
que está no Céu, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (v. 50), banindo as convenções e “toda a pretensão de quem
poderia julgar-se com direitos preferenciais sobre Ele”. De facto, o Evangelho “é
convite e direito gratuito” para todos.
Vincando que
o Evangelho, tecido de perguntas desinquietantes, convida os discípulos a porem-se
a caminho, na busca da verdade que dá e gera vida,
o Papa considera que são interrogações a procurar abrir o coração para horizontes
de novidade e a querer “renovar incessantemente a nossa vida e a da nossa
comunidade com uma alegria sem par”.
Assim,
prosseguiu o Pontífice, os primeiros missionários puseram-se a caminho e chegaram
a estas terras; escutaram a palavra do Senhor e, tentando responder às suas
solicitações, viram que “pertenciam a uma família muito maior do que a gerada
pelos laços de sangue, cultura, região ou filiação num determinado grupo”.
Impelidos pelo Espírito Santo e cheios da esperança nascida do Evangelho,
procuraram “os membros desta sua família que ainda não conheciam”; vieram em
demanda dos seus rostos, não só pelo que podiam oferecer, mas também pelo que
necessitavam de receber deles para crescerem na fé e na compreensão das
Escrituras. Isto deu-lhes o ensejo de melhor vislumbrarem o desígnio amoroso do
Pai, que “é imensamente maior que todos os nossos cálculos e previsões”. Deste
modo, ficamos a saber que “o discípulo missionário não é um mercenário
da fé nem um caçador de prosélitos, mas um mendigo que reconhece que lhe faltam
os irmãos, as irmãs e as mães com quem [é preciso] celebrar e festejar o dom irrevogável da reconciliação que Jesus nos
oferece a todos”.
Passados 350
anos da criação do Vicariato Apostólico de Sião (1669-2019), “sinal do abraço familiar produzido nestas terras”, o Papa
evocou os dois missionários que lançaram as sementes que têm vindo a crescer e
florescer numa variedade de iniciativas apostólicas que contribuíram para a
vida da nação. Longe de significar nostalgia do passado, este aniversário é
fogo de esperança para que hoje respondamos com a mesma determinação e
confiança; é “comemoração festiva e agradecida, que nos ajuda a sair de coração
feliz para partilharmos a vida nova, que brota do Evangelho, com todos os
membros da nossa família que ainda não conhecemos”.
Com efeito,
disse o Santo Padre, “todos somos discípulos missionários”, quando decidimos
ser “parte viva da família do Senhor” partilhando à maneira d’Ele, que “não
teve medo de Se sentar à mesa dos pecadores, para lhes assegurar que, na mesa
do Pai e da criação, havia um lugar reservado também para eles”. Na verdade,
Jesus tocou os considerados impuros e, deixando-Se tocar por eles, “ajudou-os a
compreender a proximidade de Deus” e que “eram eles os bem-aventurados”.
E, pensando
nas vítimas da prostituição e do tráfico (crianças e mulheres), nos escravos da droga e da falta de sentido (jovens), nos migrantes privados de casa e família, nos esquecidos,
órfãos, e abandonados, nos pescadores explorados, nos mendigos ignorados e em
tantos outros e outras, espoliados da sua dignidade, o Pontífice afirma
categoricamente que “fazem parte da nossa família, são nossas mães e nossos
irmãos”. Por conseguinte, não podemos privar “as nossas comunidades dos seus
rostos, das suas chagas, dos seus sorrisos, das suas vidas”; e não podemos
privar “as suas chagas e as suas feridas da unção misericordiosa do amor de
Deus”.
Com efeito,
como assegura o Papa, “o discípulo missionário sabe que a evangelização não é acumular
adesões” nem mostrar poder, mas “abrir portas para viver e partilhar o abraço
misericordioso e sanador de Deus Pai que nos torna família”. Por isso,
há que retornar à senda dos primeiros missionários para “reconhecer com alegria
todos os rostos de mães, pais e irmãos que o Senhor nos quer dar e que faltam
ao nosso banquete dominical”.
***
Já no
encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e o Corpo Diplomático, na sala “Inner Santi Maitri” da Casa governamental (Bangcoque), também no dia 20,
Francisco, antecipando o que iria dizer na Missa referida supra, se deteve numa
referência aos movimentos migratórios, um dos
sinais caraterísticos do nosso tempo. Não estando em causa o fenómeno da
mobilidade, pôs em evidência as condições em que ela se desenrola e que
representam “um dos principais problemas morais colocados à nossa geração”. E
frisou que a Tailândia, conhecida pela hospitalidade que oferece a migrantes e
refugiados, se viu em sério desafio com a fuga trágica de refugiados dos países
vizinhos. Por isso, o Papa insistiu em que a comunidade internacional atue com
responsabilidade e clarividência, para resolver os problemas que levam a este
êxodo trágico e promover “uma migração segura, ordenada e regulamentada”,
devendo cada nação desenvolver “mecanismos eficazes para proteger a dignidade e
os direitos dos migrantes e refugiados, que enfrentam perigos, incertezas e
exploração na sua busca da liberdade e duma vida digna para as suas famílias”.
A pari, neste ano em que se comemora o 3.º aniversário da Convenção
sobre os Direitos da Infância e da Adolescência, o Pontífice evocou as mulheres
e crianças de hoje particularmente feridas, violentadas e expostas à
exploração, escravidão, violência e abuso, agradecendo ao Governo tailandês os
esforços que faz para extirpar este flagelo, tal como às pessoas e organizações
que incansavelmente trabalham para erradicar este mal e proporcionar um caminho
de dignidade. Na verdade, este ano convida a refletir e trabalhar, com
determinação, perseverança e rapidez, para proteger o bem-estar e desenvolvimento
social e intelectual das crianças, o seu o acesso à educação e o seu
crescimento físico, psicológico e espiritual, pois “o futuro de nossos povos
depende, em grande parte, do modo como garantirmos aos nossos filhos um futuro
na dignidade”.
Considerando que a Tailândia “é detentora de tantas maravilhas naturais e guardiã esplêndida
de antigas tradições espirituais e culturais, bem como da hospitalidade que lhe
é dado experimentar pessoalmente, apraz ao Sumo Pontífice propor a extensão e
aumento de laços de maior amizade entre os povos.
Depois,
observou o caráter global dos problemas que hoje o nosso mundo enfrenta, visto
que “envolvem toda a família humana e exigem que se desenvolva um decidido
esforço em prol da justiça internacional e da solidariedade entre os povos”.
Salientou o facto de, nestes dias, a Tailândia concluir o seu período de
presidência da ASEAN, expressando, assim, o seu histórico empenhamento nos
problemas mais amplos que enfrentam os povos de toda a região do sudeste
asiático e seu interesse constante em promover a cooperação política, económica
e cultural na região. Na verdade, desde há muito que o país reconhece, enquanto
nação multicultural e caraterizada pela diversidade, “a importância de
construir a harmonia e a convivência pacífica entre os seus numerosos grupos
étnicos, mostrando respeito e apreço pelas diferentes culturas, grupos
religiosos, filosofias e ideias”, pois “a experiência concreta duma unidade que
respeite e salvaguarde as diferenças serve de inspiração e incentivo para
quantos têm a peito o mundo tal como o desejamos legar às gerações futuras”.
E o líder da
Igreja Católica congratulou-se com a iniciativa da criação duma ‘Comissão
Ético-Social’, para cuja participação foram convidadas “as religiões
tradicionais do país a fim de acolher as suas contribuições e manter viva a memória
espiritual” deste povo e disse que o encontro que, a seguir, iria ter com o
Supremo Patriarca Budista era “sinal da importância e urgência de promover a
amizade e o diálogo inter-religioso” e “serviço à harmonia social na construção
de sociedades justas, compassivas e inclusivas”. Por outro lado, assegurou “todos
os esforços da pequena mas vivaz comunidade católica, para manter e promover as
caraterísticas tão peculiares dos tailandeses”, evocadas no Hino Nacional: “pacíficos
e carinhosos, mas não covardes”. E considerou:
“Esta
terra tem como nome ‘liberdade’. Sabemos que esta só é possível se formos
capazes de nos sentir corresponsáveis uns pelos outros e superar toda e
qualquer forma de desigualdade. Por isso, é necessário trabalhar para que as
pessoas e as comunidades possam ter acesso à educação, a um trabalho
digno, à assistência sanitária e assim alcançar os níveis mínimos
indispensáveis de sustentabilidade que tornem possível um desenvolvimento
humano integral.”.
Por fim,
evidenciou que “as nossas sociedades” precisam, a par de discípulos missionários,
de ‘artesãos
da hospitalidade’, homens e mulheres que cuidem do desenvolvimento
integral de todos os povos, no seio duma família humana que se empenhe a viver
na justiça, solidariedade e harmonia fraterna”, devendo cada qual, a partir da
própria posição, viver a vida ajudando a que “o serviço ao bem comum possa
chegar a todos os cantos desta nação” (“esta é uma das tarefas mais nobres duma pessoa”) nas “sendas da sabedoria, da
justiça e da paz”.
***
Hoje, dia 22, à homilia da Missa com os jovens na Catedral da Assunção,
o Bispo de Roma clamava: “Vamos ao encontro de Cristo Senhor, que vem!”. E comentava o Evangelho tomado
para a Liturgia da Palavra (Mt 25,1-13) e que
nos convida a pormo-nos em movimento com o olhar fixo no futuro, para
acolhermos a vinda definitiva de Cristo à nossa vida e ao nosso mundo. Com
efeito, antes de sairmos à sua procura, já Ele nos procurava e vem ao nosso
encontro a chamar-nos “a partir da história que é necessário construir, criar,
inventar”. Assim, ir ao seu encontro é responder à sua chamada e à sua
caminhada, sabendo que Ele nos espera.
Diz o Papa
que o Senhor sabe que, pelos jovens, entra o futuro nestas terras e no mundo e
conta com eles para continuar hoje a sua missão, pois, tal como Deus tinha um
plano para o povo escolhido, também tem um plano para cada um dos jovens.
Falando o
Evangelho de dez jovens convidadas a olhar para o futuro e participar na festa
do Senhor, assinala-se que algumas não estavam preparadas para O receber, não
por terem adormecido, mas por lhes faltar o combustível para manter aceso o
fogo do amor. Queriam, com entusiasmo, tomar parte na convocação do Mestre,
mas, como as forças e os anseios se foram amortecendo, chegaram tarde. É a parábola
do que pode suceder com os cristãos. Por isso, o Santo Padre perguntou:
“Quereis
manter vivo o fogo que vos pode iluminar no meio da noite e no meio das
dificuldades? Quereis preparar-vos para responder à chamada do Senhor? Quereis
estar prontos para cumprir a sua vontade? Como obter o azeite que possa manter-vos
em movimento e encorajar-vos a buscar o Senhor em todas as situações?”.
E vincou a
herança de fé que os jovens receberam e de que é testemunha a Catedral vincando:
“Sois
herdeiros duma magnífica história de evangelização, que vos foi transmitida
como um tesouro sagrado. Esta bela Catedral é testemunha da fé em Jesus Cristo
que tiveram os vossos antepassados: a sua fidelidade, profundamente arraigada,
impeliu-os a cumprir boas obras, a construir o outro templo ainda mais
esplêndido, composto de pedras vivas para poder levar o amor misericordioso de
Deus a todas as pessoas do seu tempo. E conseguiram fazê-lo, porque
estavam convencidos do que o profeta Oseias diz na 1.ª Leitura de hoje: Deus
falara-lhes com ternura, abraçara-os com um amor forte, para sempre (cf Os 2,
16.21-22).”.
Depois,
exortou a que não deixem apagar o fogo do Espírito Santo e possam manter
despertos o olhar e o coração, para o que é necessário firmarem-se na fé dos
mais velhos, não para ficarem prisioneiros do passado, mas para aprenderem a
ter “a mesma coragem”, que ajude “a responder às novas situações históricas”.
Os mais velhos resistiram a muitas provações e sofrimentos e foram descobrindo que
“o segredo dum coração feliz é a segurança que encontramos quando estamos
ancorados, enraizados em Jesus: na sua vida, nas suas palavras, na sua morte e
ressurreição”. E confidenciou em jeito de metáfora, citando o Christus vivit, 179:
“Já
me aconteceu ver árvores jovens, belas, que elevavam seus ramos sempre mais
alto para o céu; pareciam uma canção de esperança. Mais tarde, depois duma
tempestade, encontrei-as caídas, sem vida. Estenderam os seus ramos sem se
enraizarem bem na terra e, por terem poucas raízes, sucumbiram aos assaltos da
natureza. Por isso, custa-me ver que alguns propõem aos jovens construir um
futuro sem raízes, como se o mundo começasse agora. Com efeito, é impossível
uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a ajudem a estar firme de
pé e agarrada à terra. [Moços e moças, é muito] fácil extraviar-se, quando não
temos onde agarrar-nos, onde firmar-nos.”.
Tendo em
conta que, “sem este sentido forte de enraizamento, podemos ficar
perplexos com as vozes deste mundo
que reclamam a nossa atenção”, muitas delas atraentes, mas que deixam, com o
passar do tempo, apenas o vazio, o cansaço, a solidão e a frustração, proclamou
que “os jovens são ‘uma nova geração’, com novas esperanças,
sonhos e interrogações – seguramente com algumas dúvidas, mas, enraizados em
Cristo”. E Papa convidou-os “a manter viva a alegria e a não ter medo de olhar
para o futuro com confiança”. E reforçou:
“Arraigados
em Cristo, olhai com alegria, olhai com confiança. Esta condição nasce da
certeza de se saber procurado, encontrado e amado infinitamente pelo Senhor. A
amizade cultivada com Jesus é o azeite necessário para iluminar o caminho; não
só o vosso caminho, mas também o de todas as pessoas que vos rodeiam: amigos,
vizinhos, colegas de estudo e trabalho, mesmo o caminho de quantos estão em
total desacordo convosco.”.
***
É, de facto,
importante garantir a nossa condição de discípulos missionários e de
hospedeiros, sentindo-nos concidadãos e familiares uns dos outros e sabendo
radicar no passado a nossa vivência do presente com os olhos no futuro, sem
medos e sem aviltamentos. Na verdade, lá no futuro está à nossa espera “o Senhor para preparar e celebrar a festa do seu Reino”,
onde está preparado lugar para todos e donde ninguém está excluído à partida.
2019.11.22 –
Louro de Carvalho
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