sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O missionário é um mendigo que reconhece a falta dos irmãos, irmãs e mães


É uma das poderosas pérolas afirmativas da homilia do Papa no Estádio Nacional de Bancoque, no dia 21 de novembro.
Partindo da passagem do Evangelho de Mateus (Mt 12,46-50) em que Jesus, que estava a ensinar, é avisado de que a sua família estava à sua procura, Francisco frisa que o Mestre desafiou a multidão com a pergunta “Quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos?” (v. 46). E, porque a missão de Jesus era ensinar, dá a resposta à sua maneira, não à dos homens: “Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está no Céu, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (v. 50), banindo as convenções e “toda a pretensão de quem poderia julgar-se com direitos preferenciais sobre Ele”. De facto, o Evangelho “é convite e direito gratuito” para todos.
Vincando que o Evangelho, tecido de perguntas desinquietantes, convida os discípulos a porem-se a caminho, na busca da verdade que dá e gera vida, o Papa considera que são interrogações a procurar abrir o coração para horizontes de novidade e a querer “renovar incessantemente a nossa vida e a da nossa comunidade com uma alegria sem par”.
Assim, prosseguiu o Pontífice, os primeiros missionários puseram-se a caminho e chegaram a estas terras; escutaram a palavra do Senhor e, tentando responder às suas solicitações, viram que “pertenciam a uma família muito maior do que a gerada pelos laços de sangue, cultura, região ou filiação num determinado grupo”. Impelidos pelo Espírito Santo e cheios da esperança nascida do Evangelho, procuraram “os membros desta sua família que ainda não conheciam”; vieram em demanda dos seus rostos, não só pelo que podiam oferecer, mas também pelo que necessitavam de receber deles para crescerem na fé e na compreensão das Escrituras. Isto deu-lhes o ensejo de melhor vislumbrarem o desígnio amoroso do Pai, que “é imensamente maior que todos os nossos cálculos e previsões”. Deste modo, ficamos a saber que “o discípulo missionário não é um mercenário da fé nem um caçador de prosélitos, mas um mendigo que reconhece que lhe faltam os irmãos, as irmãs e as mães com quem [é preciso] celebrar e festejar o dom irrevogável da reconciliação que Jesus nos oferece a todos”.
Passados 350 anos da criação do Vicariato Apostólico de Sião (1669-2019), “sinal do abraço familiar produzido nestas terras”, o Papa evocou os dois missionários que lançaram as sementes que têm vindo a crescer e florescer numa variedade de iniciativas apostólicas que contribuíram para a vida da nação. Longe de significar nostalgia do passado, este aniversário é fogo de esperança para que hoje respondamos com a mesma determinação e confiança; é “comemoração festiva e agradecida, que nos ajuda a sair de coração feliz para partilharmos a vida nova, que brota do Evangelho, com todos os membros da nossa família que ainda não conhecemos”.
Com efeito, disse o Santo Padre, “todos somos discípulos missionários”, quando decidimos ser “parte viva da família do Senhor” partilhando à maneira d’Ele, que “não teve medo de Se sentar à mesa dos pecadores, para lhes assegurar que, na mesa do Pai e da criação, havia um lugar reservado também para eles”. Na verdade, Jesus tocou os considerados impuros e, deixando-Se tocar por eles, “ajudou-os a compreender a proximidade de Deus” e que “eram eles os bem-aventurados”.
E, pensando nas vítimas da prostituição e do tráfico (crianças e mulheres), nos escravos da droga e da falta de sentido (jovens), nos migrantes privados de casa e família, nos esquecidos, órfãos, e abandonados, nos pescadores explorados, nos mendigos ignorados e em tantos outros e outras, espoliados da sua dignidade, o Pontífice afirma categoricamente que “fazem parte da nossa família, são nossas mães e nossos irmãos”. Por conseguinte, não podemos privar “as nossas comunidades dos seus rostos, das suas chagas, dos seus sorrisos, das suas vidas”; e não podemos privar “as suas chagas e as suas feridas da unção misericordiosa do amor de Deus”.
Com efeito, como assegura o Papa, “o discípulo missionário sabe que a evangelização não é acumular adesões” nem mostrar poder, mas “abrir portas para viver e partilhar o abraço misericordioso e sanador de Deus Pai que nos torna família”. Por isso, há que retornar à senda dos primeiros missionários para “reconhecer com alegria todos os rostos de mães, pais e irmãos que o Senhor nos quer dar e que faltam ao nosso banquete dominical”.
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Já no encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e o Corpo Diplomático, na sala “Inner Santi Maitri” da Casa governamental (Bangcoque), também no dia 20, Francisco, antecipando o que iria dizer na Missa referida supra, se deteve numa referência aos movimentos migratórios, um dos sinais caraterísticos do nosso tempo. Não estando em causa o fenómeno da mobilidade, pôs em evidência as condições em que ela se desenrola e que representam “um dos principais problemas morais colocados à nossa geração”. E frisou que a Tailândia, conhecida pela hospitalidade que oferece a migrantes e refugiados, se viu em sério desafio com a fuga trágica de refugiados dos países vizinhos. Por isso, o Papa insistiu em que a comunidade internacional atue com responsabilidade e clarividência, para resolver os problemas que levam a este êxodo trágico e promover “uma migração segura, ordenada e regulamentada”, devendo cada nação desenvolver “mecanismos eficazes para proteger a dignidade e os direitos dos migrantes e refugiados, que enfrentam perigos, incertezas e exploração na sua busca da liberdade e duma vida digna para as suas famílias”.   
A pari, neste ano em que se comemora o 3.º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Infância e da Adolescência, o Pontífice evocou as mulheres e crianças de hoje particularmente feridas, violentadas e expostas à exploração, escravidão, violência e abuso, agradecendo ao Governo tailandês os esforços que faz para extirpar este flagelo, tal como às pessoas e organizações que incansavelmente trabalham para erradicar este mal e proporcionar um caminho de dignidade. Na verdade, este ano convida a refletir e trabalhar, com determinação, perseverança e rapidez, para proteger o bem-estar e desenvolvimento social e intelectual das crianças, o seu o acesso à educação e o seu crescimento físico, psicológico e espiritual, pois “o futuro de nossos povos depende, em grande parte, do modo como garantirmos aos nossos filhos um futuro na dignidade”.
Considerando que a Tailândia “é detentora de tantas maravilhas naturais e guardiã esplêndida de antigas tradições espirituais e culturais, bem como da hospitalidade que lhe é dado experimentar pessoalmente, apraz ao Sumo Pontífice propor a extensão e aumento de laços de maior amizade entre os povos.
Depois, observou o caráter global dos problemas que hoje o nosso mundo enfrenta, visto que “envolvem toda a família humana e exigem que se desenvolva um decidido esforço em prol da justiça internacional e da solidariedade entre os povos”. Salientou o facto de, nestes dias, a Tailândia concluir o seu período de presidência da ASEAN, expressando, assim, o seu histórico empenhamento nos problemas mais amplos que enfrentam os povos de toda a região do sudeste asiático e seu interesse constante em promover a cooperação política, económica e cultural na região. Na verdade, desde há muito que o país reconhece, enquanto nação multicultural e caraterizada pela diversidade, “a importância de construir a harmonia e a convivência pacífica entre os seus numerosos grupos étnicos, mostrando respeito e apreço pelas diferentes culturas, grupos religiosos, filosofias e ideias”, pois “a experiência concreta duma unidade que respeite e salvaguarde as diferenças serve de inspiração e incentivo para quantos têm a peito o mundo tal como o desejamos legar às gerações futuras”.
E o líder da Igreja Católica congratulou-se com a iniciativa da criação duma ‘Comissão Ético-Social’, para cuja participação foram convidadas “as religiões tradicionais do país a fim de acolher as suas contribuições e manter viva a memória espiritual” deste povo e disse que o encontro que, a seguir, iria ter com o Supremo Patriarca Budista era “sinal da importância e urgência de promover a amizade e o diálogo inter-religioso” e “serviço à harmonia social na construção de sociedades justas, compassivas e inclusivas”. Por outro lado, assegurou “todos os esforços da pequena mas vivaz comunidade católica, para manter e promover as caraterísticas tão peculiares dos tailandeses”, evocadas no Hino Nacional: “pacíficos e carinhosos, mas não covardes”. E considerou: 
Esta terra tem como nome ‘liberdade’. Sabemos que esta só é possível se formos capazes de nos sentir corresponsáveis uns pelos outros e superar toda e qualquer forma de desigualdade. Por isso, é necessário trabalhar para que as pessoas e as comunidades possam ter acesso à educação, a um trabalho digno, à assistência sanitária e assim alcançar os níveis mínimos indispensáveis de sustentabilidade que tornem possível um desenvolvimento humano integral.”.
Por fim, evidenciou que “as nossas sociedades” precisam, a par de discípulos missionários, de ‘artesãos da hospitalidade’, homens e mulheres que cuidem do desenvolvimento integral de todos os povos, no seio duma família humana que se empenhe a viver na justiça, solidariedade e harmonia fraterna”, devendo cada qual, a partir da própria posição, viver a vida ajudando a que “o serviço ao bem comum possa chegar a todos os cantos desta nação” (“esta é uma das tarefas mais nobres duma pessoa”) nas “sendas da sabedoria, da justiça e da paz”.
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Hoje, dia 22, à homilia da Missa com os jovens na Catedral da Assunção, o Bispo de Roma clamava: “Vamos ao encontro de Cristo Senhor, que vem!”. E comentava o Evangelho tomado para a Liturgia da Palavra (Mt 25,1-13) e que nos convida a pormo-nos em movimento com o olhar fixo no futuro, para acolhermos a vinda definitiva de Cristo à nossa vida e ao nosso mundo. Com efeito, antes de sairmos à sua procura, já Ele nos procurava e vem ao nosso encontro a chamar-nos “a partir da história que é necessário construir, criar, inventar”. Assim, ir ao seu encontro é responder à sua chamada e à sua caminhada, sabendo que Ele nos espera.
Diz o Papa que o Senhor sabe que, pelos jovens, entra o futuro nestas terras e no mundo e conta com eles para continuar hoje a sua missão, pois, tal como Deus tinha um plano para o povo escolhido, também tem um plano para cada um dos jovens.
Falando o Evangelho de dez jovens convidadas a olhar para o futuro e participar na festa do Senhor, assinala-se que algumas não estavam preparadas para O receber, não por terem adormecido, mas por lhes faltar o combustível para manter aceso o fogo do amor. Queriam, com entusiasmo, tomar parte na convocação do Mestre, mas, como as forças e os anseios se foram amortecendo, chegaram tarde. É a parábola do que pode suceder com os cristãos. Por isso, o Santo Padre perguntou: 
Quereis manter vivo o fogo que vos pode iluminar no meio da noite e no meio das dificuldades? Quereis preparar-vos para responder à chamada do Senhor? Quereis estar prontos para cumprir a sua vontade? Como obter o azeite que possa manter-vos em movimento e encorajar-vos a buscar o Senhor em todas as situações?”.
E vincou a herança de fé que os jovens receberam e de que é testemunha a Catedral vincando: 
Sois herdeiros duma magnífica história de evangelização, que vos foi transmitida como um tesouro sagrado. Esta bela Catedral é testemunha da fé em Jesus Cristo que tiveram os vossos antepassados: a sua fidelidade, profundamente arraigada, impeliu-os a cumprir boas obras, a construir o outro templo ainda mais esplêndido, composto de pedras vivas para poder levar o amor misericordioso de Deus a todas as pessoas do seu tempo. E conseguiram fazê-lo, porque estavam convencidos do que o profeta Oseias diz na 1.ª Leitura de hoje: Deus falara-lhes com ternura, abraçara-os com um amor forte, para sempre (cf Os 2, 16.21-22).”.
Depois, exortou a que não deixem apagar o fogo do Espírito Santo e possam manter despertos o olhar e o coração, para o que é necessário firmarem-se na fé dos mais velhos, não para ficarem prisioneiros do passado, mas para aprenderem a ter “a mesma coragem”, que ajude “a responder às novas situações históricas”. Os mais velhos resistiram a muitas provações e sofrimentos e foram descobrindo que “o segredo dum coração feliz é a segurança que encontramos quando estamos ancorados, enraizados em Jesus: na sua vida, nas suas palavras, na sua morte e ressurreição”. E confidenciou em jeito de metáfora, citando o Christus vivit, 179:
Já me aconteceu ver árvores jovens, belas, que elevavam seus ramos sempre mais alto para o céu; pareciam uma canção de esperança. Mais tarde, depois duma tempestade, encontrei-as caídas, sem vida. Estenderam os seus ramos sem se enraizarem bem na terra e, por terem poucas raízes, sucumbiram aos assaltos da natureza. Por isso, custa-me ver que alguns propõem aos jovens construir um futuro sem raízes, como se o mundo começasse agora. Com efeito, é impossível uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a ajudem a estar firme de pé e agarrada à terra. [Moços e moças, é muito] fácil extraviar-se, quando não temos onde agarrar-nos, onde firmar-nos.”.
Tendo em conta que, “sem este sentido forte de enraizamento, podemos ficar perplexos com as vozes deste mundo que reclamam a nossa atenção”, muitas delas atraentes, mas que deixam, com o passar do tempo, apenas o vazio, o cansaço, a solidão e a frustração, proclamou que “os jovens são ‘uma nova geração’, com novas esperanças, sonhos e interrogações – seguramente com algumas dúvidas, mas, enraizados em Cristo”. E Papa convidou-os “a manter viva a alegria e a não ter medo de olhar para o futuro com confiança”. E reforçou:
Arraigados em Cristo, olhai com alegria, olhai com confiança. Esta condição nasce da certeza de se saber procurado, encontrado e amado infinitamente pelo Senhor. A amizade cultivada com Jesus é o azeite necessário para iluminar o caminho; não só o vosso caminho, mas também o de todas as pessoas que vos rodeiam: amigos, vizinhos, colegas de estudo e trabalho, mesmo o caminho de quantos estão em total desacordo convosco.”.
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É, de facto, importante garantir a nossa condição de discípulos missionários e de hospedeiros, sentindo-nos concidadãos e familiares uns dos outros e sabendo radicar no passado a nossa vivência do presente com os olhos no futuro, sem medos e sem aviltamentos. Na verdade, lá no futuro está à nossa espera “o Senhor para preparar e celebrar a festa do seu Reino”, onde está preparado lugar para todos e donde ninguém está excluído à partida.
2019.11.22 – Louro de Carvalho

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