Depois de ter
eclodido, no passado dia 8 de novembro, a polémica em torno da hipótese de os
partidos representados por um deputado único não poderem intervir no debate
quinzenal com o Primeiro-Ministro, da reação de Eduardo Ferro Rodrigues,
Presidente da Assembleia da República (a contrariar a posição que também o
seu partido votou na Conferência de Líderes Parlamentares), e do alerta de Marcelo Nuno Duarte Rebelo de
Sousa, Presidente da República, a 1.ª Comissão Parlamentar (Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) reuniu hoje, dia 12, pelas 16,30 horas, e deliberou
estabelecer um regime transitório que reconhece a cada um dos deputados únicos eleitos por um
partido as mesmas possibilidades de intervenção reconhecidas ao PAN na XIII
Legislatura.
A
reunião extraordinária da 1.ª Comissão, a 12 de novembro, teve como “Ponto Único”:
“Apreciação urgente, a pedido da Conferência de Líderes, do Projeto de
Regimento n.º 1/XIV (Iniciativa Liberal) – Quarta alteração ao Regimento da
Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de agosto, de modo a assegurar a
justa e proporcional representatividade de todos os partidos políticos”.
A
deliberação dos partidos na 1.ª Comissão resultou de consenso para resolver o
impasse criado. E Ferro Rodrigues já
transmitiu aos membros da conferência de líderes a decisão. Assim, os partidos
pequenos vão mesmo
poder falar no debate quinzenal do dia 13, com um minuto e meio de intervenção
a cada um no debate – o que também sucederá nos debates do plenário nos
subsequentes dias 14 e 15
Chega,
Iniciativa Liberal e Livre têm, a partir de hoje, da 12, e até que o processo
de revisão do Regimento da Assembleia da República esteja concluído o mesmo tempo de intervenção nos debates que
o PAN teve na última legislatura. A proposta da 1.ª Comissão era que o
tempo fosse estipulado pela conferência de líderes, sendo, no mínimo, o mesmo de
que o PAN dispôs nos últimos 4 anos, mas Ferro Rodrigues não viu necessidade de
convocar uma conferência de líderes extraordinária e transmitiu diretamente aos
seus membros a decisão de criar um regime transitório para os três deputados
únicos igual ao regime de exceção de que o PAN gozou.
Enquanto
durar o processo de revisão do Regimento da AR, que deverá concluir-se o mais
breve possível – nos termos das recomendações de todos os partidos –, não
prejudicando a qualidade do trabalho desenvolvido, os deputados únicos vão
intervir nos debates nos moldes acordados.
Continuarão,
é certo, sem assento na conferência de líderes, nem mesmo com o estatuto de
observadores, um dos pontos que mereceu mais críticas de João Cotrim de
Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal (IL). Os deputados únicos passam assim a poder falar também no plenário dos
dias 14 e 15, além dos debates quinzenais com o Primeiro-Ministro, na discussão
das petições e dos diplomas que são apresentados por arrastamento pelos
partidos bem como nos debates de atualidade, de urgência ou temáticos marcados
pelos grupos parlamentares.
***
Enquanto a
IL pediu que fosse concedido de imediato metade do tempo que o partido Os
Verdes tem, os outros partidos sugeriram que fosse seguida uma solução igual à
encontrada para o PAN na legislatura anterior, proposta com a qual o IL não
concorda, por considerar insuficiente, mas o facto de o partido representado
por Cotrim de Figueiredo não ter assento na respetiva comissão resultou no não
impedimento do consenso.
Do lado do
CDS-PP, surgiu a proposta formal da adoção de “uma solução transitória”,
semelhante à que vigorou na anterior legislatura para o deputado único do PAN,
até que seja finalizada a revisão do Regimento da AR para permitir aos partidos
pequenos a intervenção no debate quinzenal com o Primeiro-Ministro. A este
respeito, Telmo Correia, deputado do CDS-PP, afirmou, à entrada da reunião da
1.ª Comissão, que era necessário “resolver já” o problema criado com a decisão
da conferência de líderes do dia 8, anotando a necessidade dos partidos à
esquerda fazerem um “rebate de consciência democrática”.
Além disso,
os democratas-cristãos querem que seja criado um grupo de trabalho, em sede da
1.ª Comissão, para que se proceda à revisão do Regimento da AR “e dos demais
diplomas importantes para a representação parlamentar de qualquer força
política”. E, no documento distribuído aos jornalistas, o partido critico o
projeto de revisão do Regimento apresentado pela IL, que não faz “qualquer
proposta” em matéria de debates com o Governo.
Por seu
turno, o PS, que defende a revisão do Regimento e já apresentou também um
projeto de revisão, sugeriu a criação duma “regra e não uma exceção” que seja
posta em prática por antecipação permitindo aos deputados únicos intervir nos
“agendamentos de matérias de prioridade absoluta, no debate do Estado da Nação
e nos debates quinzenais”.
Pedro
Delgado Alves disse, na primeira intervenção na Comissão que, havendo consenso
em “relação a pontos concretos”, estes deverão ser colocados rapidamente em
vigor para que os deputados únicos possam intervir, se possível, já no próximo
debate.
Carlos
Rodrigues, deputado do PSD, depois de duras críticas à “tentativa de
silenciamento” da esquerda aos novos partidos, acusando os partidos da anterior
maioria parlamentar de tiques “totalitaristas e ditatoriais”, garantiu que o
partido irá também apresentar um projeto de alteração do Regimento mas, não
obstante, mostrou disponibilidade dos sociais-democratas para encontrar uma
“solução no curto prazo”. E sugeriu, em nome do seu partido:
“Enquanto não se encontrar [uma solução definitiva], o senhor Presidente
da Assembleia da República, oficiosamente ou a requerimento da Iniciativa
Liberal, fará o favor de contemplar um tempo no debate já de amanhã para que
todos os pequenos partidos possam fazer ouvir a sua voz”.
Por sua vez,
José Manuel Pureza, o deputado do Bloco de Esquerda que coordenou o grupo de
trabalho, afirmou que o partido não iria “obstaculizar qualquer tipo de
consenso que seja razoável” de forma a permitir uma “antecipação das regras,
que venham a ser previsivelmente incluídas na nova versão do regimento”.
António
Filipe, do PCP, contrariou as afirmações do deputado socialdemocrata que “resultam
de um grande desconhecimento do que se passou na conferência de líderes” e
afirmou a disponibilidade do partido para ir além da revisão do Regimento,
dando resposta a “aspetos práticos que não poderão esperar por essa revisão”.
Quando ao
Livre, um dos partidos com deputado único e que não participa nos trabalhos da
Comissão, Joacine Katar Moreira frisou que esta é uma “época de alguma ironia”,
pois era forçada a “subscrever completamente as reivindicações e propostas da
Iniciativa Liberal”, embora ideologicamente muito afastados. Trata-se de uma
subscrição meramente formal.
E Inês Sousa
Real, deputada do PAN, que na última legislatura gozou dum regime de exceção
que servirá de base – pelo menos no atinente ao tempo de intervenção – ao
regime transitório a aplicar aos novos partidos no hemiciclo, lamentou que o
debate “não tenha sido feito mais cedo”, pois não são os partidos que
beneficiam da concessão de tempos, mas a “democracia”.
Entretanto,
entraram na Assembleia da República mais dois projetos de revisão do Regimento:
o Projeto de Regimento n.º 2/XIV (CH), do Chega; e o Projeto de Regimento n.º 3/XIV (PS).
***
Segundo
o PS, considerando a amplificação da diversidade da representação parlamentar:
“Todos os Deputados Únicos Representantes de Partidos têm intervenção em
matéria de prioridade absoluta (identificadas no n.º 2 do artigo 62.º do
Regimento), nos debates quinzenais com o Primeiro-Ministro e no debate sobre o
Estado da Nação, para além daquilo que o Regimento atualmente já prevê para o
processo legislativo”.
Assim, a
nova redação do art.º 10.º prevê:
“Ao Deputado que seja único representante de um partido é atribuído o
direito de intervenção como tal, a efetivar nos termos do Regimento: “a) Nos debates das matérias de prioridade
absoluta referidas no n.º 2 do artigo 62.º; “b) Nas demais disposições que prevejam expressamente a sua intervenção.”.
O n.º 1
do art.º 40.º determinará:
“A Comissão Permanente é presidida pelo Presidente da Assembleia e
composta pelos Vice-Presidentes e por Deputados indicados por todos os
partidos, de acordo com a respetiva representatividade na Assembleia”.
Os
artigos 73.º e 75.º contemplam direitos dos deputados únicos no atinente a
procedimentos.
No
âmbito dos requerimentos à Mesa, o n.º 3 do art.º 81.º, estabelecerá:
“Os requerimentos escritos são imediatamente anunciados pela Mesa e
distribuídos pelos grupos parlamentares, pelos Deputados únicos representantes
de um partido e pelos Deputados não-inscritos”.
O n.º 3
do art.º 216.º estabelecerá:
“O debate termina com as intervenções de um Deputado de cada grupo
parlamentar, do Deputado único representante de um partido e do Governo, que o
encerra”.
O n.º 3
do art.º 224.º estabelecerá:
“Cada grupo parlamentar e os Deputados únicos representantes de um
partido, dispõem de um tempo global para efetuar as suas perguntas, podendo
utilizá-lo de uma só vez ou por diversas vezes”.
E o n.º
1 do art.º 228.º disporá:
“Em cada sessão legislativa tem lugar, em data a fixar por acordo entre
o Presidente da Assembleia e o Governo, numa das últimas 10 reuniões da sessão
legislativa, um debate de política geral, iniciado com uma intervenção do
Primeiro-Ministro sobre o estado da Nação, sujeito a perguntas dos grupos
parlamentares e dos Deputados únicos representantes de um partido, seguindo-se
o debate generalizado que é encerrado pelo Governo”.
Quanto à
distribuição dos tempos de intervenção, segundo os anexos ao Regimento,
atribuirão a cada deputado único um minuto.
***
Por seu
turno, o Projeto do Chega considera na Exposição de Motivos:
“Entre os dois tipos de partidos representados na Assembleia da
República temos que, pelo Regimento, ficam estabelecidas diferenças não apenas
quantitativas, o que é natural e aceitável por via do número de eleitores que
cada um dos partidos representa, mas também, uma diferença qualitativa, o que
não é de todo aceitável e se nos afigura (…),inconstitucional pois que, por tal
se encontram violados, entre outros, o princípio da igualdade e o princípio
constitucional da proibição do excesso, ou da proporcionalidade clássica, para
muitos o mais importante princípio constitucional”.
E,
citando Gomes Canotilho e Vital Moreira no atinente ao direito ao uso da
palavra, frisa:
“É através dela que se executa a sua principal função [do Deputado],
participando das diversas atividades parlamentares, intervindo desde logo nos
debates que se verifiquem, sejam eles em Plenário ou nas comissões, exercendo
também o seu natural e legitimado pelo sufrágio, direito de voto”.
Assim, segundo
o art.º 10.º, ao deputado único eleito por um partido (DURP) será atribuído o direito de
intervenção, gozando como tal, designadamente do direito de ser ouvido na
fixação da ordem do dia e interpor recurso para o Plenário da ordem do dia
fixada; produzir declarações políticas em Plenário; requerer a interrupção da
reunião plenária, nos termos regimentais; ser informado, regular e diretamente,
pelo Governo, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público; e
dispor de locais de trabalho na sede da Assembleia, bem como de pessoal técnico
e administrativo da sua confiança, nos termos da lei.
O novo
n.º 2 do art.º 20.º disporá que o DURP participa na Conferência de Líderes em
igualdade de circunstâncias de que gozam os grupos parlamentares, segundo o novo
n.º 4, com igual direito de voto. O n.º 4 do art.º 30.º disporá que pode ser
sempre indicado como membro efetivo ou suplente para um número indefinido de
comissões parlamentares permanentes. Segundo o n.º 7, tal como o deputado não
inscrito, indicará as opções sobre as comissões parlamentares que deseja
integrar e o Presidente da Assembleia, ouvida a Conferência de Líderes, designa
a ou as que o deputado deve integrar, acolhendo, na medida do possível, as opções
apresentadas; e, nos termos do n.º 1 do art.º 40.º, integrará a Comissão
Permanente.
O n.º 2
do art.º 64.º estipulará que tem direito à fixação da ordem do dia de uma
reunião plenária em cada sessão legislativa; o n.º 2 do art.º 71.º dar-lhe-á a
possibilidade de produzir uma declaração política semanal com a duração máxima
de três minutos; e o seu n.º 6 dar-lhe-á a disponibilidade de um minuto para
solicitar esclarecimentos ao orador e este igual tempo para dar explicações.
Nos
termos do n.º 4 do art.º 72.º, poderá, por sessão legislativa, requerer
potestativamente a realização de um debate de atualidade.
Por sua
vez, o n.º 3 do art.º 75.º, estabelecerá:
“A discussão e votação são feitas, em regra, no início de cada período
regimental de votações, dispondo cada grupo parlamentar de dois minutos e cada
DURP de um minuto para o uso da palavra”.
E o seu
n.º 4 determinará:
“No caso de haver mais de um voto sobre assuntos diversos, o tempo de
cada grupo parlamentar pode ser alargado para quatro minutos e o de cada DURP
para dois minutos e desdobrado de acordo com a organização da sua apresentação”.
Nos
termos do n.º 8 do art.º 224.º, terá direito a participar e intervir no debate
com o Primeiro-Ministro, nos termos fixados pela Conferência de Líderes; e,
tendo os debates, nos termos do n.º 4 do art.º 225.º, a duração máxima de 120
minutos, cabe à Conferência de Líderes fixar a distribuição das perguntas
segundo a representatividade de cada partido com representação parlamentar.
Segundo
o novo n.º 2 do art.º 227.º, cada DURP tem direito a participar e intervir no
debate por meio de interpelação ao Governo, nos termos fixados pela Conferência
de Líderes; e, segundo o novo n.º 2 do art.º 228.º, tem direito a participar e
intervir no debate sobre o estado da Nação nos mesmos termos de que gozam os
grupos parlamentares.
Segundo
o Anexo I, no processo legislativo
comum, cada Grupo Parlamentar, o Governo
e os DURP disporão de 3 minutos, sendo que em grelhas normais cada DURP
disporá de metade do tempo reservado aos grupos parlamentares constituídos por
dois Deputados e, nas grelhas especiais, designadamente no debate com o
Primeiro-Ministro, cada DURP disporá de 2 minutos. E, nos termos do Anexo II, cada DURP terá direito a um
debate em cada um dos tipos de debate (potestativos, de
urgência, fixação da Ordem do Dia, nas Comissões, com o Primeiro-Ministro), um debate ou uma reunião
conforme os casos, em igualdade com os grupos parlamentares que tenham até 5
deputados.
***
Fez-se
ligeira referência ao projeto da IL, mas convenha-se que pouco avança a não ser
no estabelecido para o regime transitório, sendo mais crítico do que
propositivo.
O
projeto do PS é suficientemente reconhecedor de direitos aos DURP, mas não os
integra na Conferência de Líderes nem lhes dá a possibilidade de integrar
comissões, sendo prudentemente contido. Por seu turno, o projeto do Chega cobre
todas as possibilidades com razão, do meu ponto de vista, mas é demasiado
ambicioso para o momento (Quem
tudo quer…).
Porém, o
Parlamento tem de fazer o seu percurso até dar a vez a voz a todos em todas as
instâncias e segundo a proporcionalidade da representação. É o ónus e o jus da
democracia.
2019.11.12 –
Louro de Carvalho
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