quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Por fim, imperou o bom senso parlamentar, que é bom manter-se


Depois de ter eclodido, no passado dia 8 de novembro, a polémica em torno da hipótese de os partidos representados por um deputado único não poderem intervir no debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, da reação de Eduardo Ferro Rodrigues, Presidente da Assembleia da República (a contrariar a posição que também o seu partido votou na Conferência de Líderes Parlamentares), e do alerta de Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa, Presidente da República, a 1.ª Comissão Parlamentar (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) reuniu hoje, dia 12, pelas 16,30 horas, e deliberou estabelecer um regime transitório que reconhece a cada um dos deputados únicos eleitos por um partido as mesmas possibilidades de intervenção reconhecidas ao PAN na XIII Legislatura.
A reunião extraordinária da 1.ª Comissão, a 12 de novembro, teve como “Ponto Único”:  
Apreciação urgente, a pedido da Conferência de Líderes, do Projeto de Regimento n.º 1/XIV (Iniciativa Liberal) – Quarta alteração ao Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de agosto, de modo a assegurar a justa e proporcional representatividade de todos os partidos políticos”.
A deliberação dos partidos na 1.ª Comissão resultou de consenso para resolver o impasse criado. E Ferro Rodrigues já transmitiu aos membros da conferência de líderes a decisão. Assim, os partidos pequenos vão mesmo poder falar no debate quinzenal do dia 13, com um minuto e meio de intervenção a cada um no debate – o que também sucederá nos debates do plenário nos subsequentes dias 14 e 15
Chega, Iniciativa Liberal e Livre têm, a partir de hoje, da 12, e até que o processo de revisão do Regimento da Assembleia da República esteja concluído o mesmo tempo de intervenção nos debates que o PAN teve na última legislatura. A proposta da 1.ª Comissão era que o tempo fosse estipulado pela conferência de líderes, sendo, no mínimo, o mesmo de que o PAN dispôs nos últimos 4 anos, mas Ferro Rodrigues não viu necessidade de convocar uma conferência de líderes extraordinária e transmitiu diretamente aos seus membros a decisão de criar um regime transitório para os três deputados únicos igual ao regime de exceção de que o PAN gozou.
Enquanto durar o processo de revisão do Regimento da AR, que deverá concluir-se o mais breve possível – nos termos das recomendações de todos os partidos –, não prejudicando a qualidade do trabalho desenvolvido, os deputados únicos vão intervir nos debates nos moldes acordados.
Continuarão, é certo, sem assento na conferência de líderes, nem mesmo com o estatuto de observadores, um dos pontos que mereceu mais críticas de João Cotrim de Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal (IL). Os deputados únicos passam assim a poder falar também no plenário dos dias 14 e 15, além dos debates quinzenais com o Primeiro-Ministro, na discussão das petições e dos diplomas que são apresentados por arrastamento pelos partidos bem como nos debates de atualidade, de urgência ou temáticos marcados pelos grupos parlamentares.
***
Enquanto a IL pediu que fosse concedido de imediato metade do tempo que o partido Os Verdes tem, os outros partidos sugeriram que fosse seguida uma solução igual à encontrada para o PAN na legislatura anterior, proposta com a qual o IL não concorda, por considerar insuficiente, mas o facto de o partido representado por Cotrim de Figueiredo não ter assento na respetiva comissão resultou no não impedimento do consenso.
Do lado do CDS-PP, surgiu a proposta formal da adoção de “uma solução transitória”, semelhante à que vigorou na anterior legislatura para o deputado único do PAN, até que seja finalizada a revisão do Regimento da AR para permitir aos partidos pequenos a intervenção no debate quinzenal com o Primeiro-Ministro. A este respeito, Telmo Correia, deputado do CDS-PP, afirmou, à entrada da reunião da 1.ª Comissão, que era necessário “resolver já” o problema criado com a decisão da conferência de líderes do dia 8, anotando a necessidade dos partidos à esquerda fazerem um “rebate de consciência democrática”.
Além disso, os democratas-cristãos querem que seja criado um grupo de trabalho, em sede da 1.ª Comissão, para que se proceda à revisão do Regimento da AR “e dos demais diplomas importantes para a representação parlamentar de qualquer força política”. E, no documento distribuído aos jornalistas, o partido critico o projeto de revisão do Regimento apresentado pela IL, que não faz “qualquer proposta” em matéria de debates com o Governo.
Por seu turno, o PS, que defende a revisão do Regimento e já apresentou também um projeto de revisão, sugeriu a criação duma “regra e não uma exceção” que seja posta em prática por antecipação permitindo aos deputados únicos intervir nos “agendamentos de matérias de prioridade absoluta, no debate do Estado da Nação e nos debates quinzenais”.
Pedro Delgado Alves disse, na primeira intervenção na Comissão que, havendo consenso em “relação a pontos concretos”, estes deverão ser colocados rapidamente em vigor para que os deputados únicos possam intervir, se possível, já no próximo debate.
Carlos Rodrigues, deputado do PSD, depois de duras críticas à “tentativa de silenciamento” da esquerda aos novos partidos, acusando os partidos da anterior maioria parlamentar de tiques “totalitaristas e ditatoriais”, garantiu que o partido irá também apresentar um projeto de alteração do Regimento mas, não obstante, mostrou disponibilidade dos sociais-democratas para encontrar uma “solução no curto prazo”. E sugeriu, em nome do seu partido:
Enquanto não se encontrar [uma solução definitiva], o senhor Presidente da Assembleia da República, oficiosamente ou a requerimento da Iniciativa Liberal, fará o favor de contemplar um tempo no debate já de amanhã para que todos os pequenos partidos possam fazer ouvir a sua voz”.
Por sua vez, José Manuel Pureza, o deputado do Bloco de Esquerda que coordenou o grupo de trabalho, afirmou que o partido não iria “obstaculizar qualquer tipo de consenso que seja razoável” de forma a permitir uma “antecipação das regras, que venham a ser previsivelmente incluídas na nova versão do regimento”.
António Filipe, do PCP, contrariou as afirmações do deputado socialdemocrata que “resultam de um grande desconhecimento do que se passou na conferência de líderes” e afirmou a disponibilidade do partido para ir além da revisão do Regimento, dando resposta a “aspetos práticos que não poderão esperar por essa revisão”.
Quando ao Livre, um dos partidos com deputado único e que não participa nos trabalhos da Comissão, Joacine Katar Moreira frisou que esta é uma “época de alguma ironia”, pois era forçada a “subscrever completamente as reivindicações e propostas da Iniciativa Liberal”, embora ideologicamente muito afastados. Trata-se de uma subscrição meramente formal.
E Inês Sousa Real, deputada do PAN, que na última legislatura gozou dum regime de exceção que servirá de base – pelo menos no atinente ao tempo de intervenção – ao regime transitório a aplicar aos novos partidos no hemiciclo, lamentou que o debate “não tenha sido feito mais cedo”, pois não são os partidos que beneficiam da concessão de tempos, mas a “democracia”.
Entretanto, entraram na Assembleia da República mais dois projetos de revisão do Regimento: o Projeto de Regimento n.º 2/XIV (CH), do Chega; e o Projeto de Regimento n.º 3/XIV (PS).
***
Segundo o PS, considerando a amplificação da diversidade da representação parlamentar:
Todos os Deputados Únicos Representantes de Partidos têm intervenção em matéria de prioridade absoluta (identificadas no n.º 2 do artigo 62.º do Regimento), nos debates quinzenais com o Primeiro-Ministro e no debate sobre o Estado da Nação, para além daquilo que o Regimento atualmente já prevê para o processo legislativo”.
Assim, a nova redação do art.º 10.º prevê:
Ao Deputado que seja único representante de um partido é atribuído o direito de intervenção como tal, a efetivar nos termos do Regimento: “a) Nos debates das matérias de prioridade absoluta referidas no n.º 2 do artigo 62.º; “b) Nas demais disposições que prevejam expressamente a sua intervenção.”.
O n.º 1 do art.º 40.º determinará:
A Comissão Permanente é presidida pelo Presidente da Assembleia e composta pelos Vice-Presidentes e por Deputados indicados por todos os partidos, de acordo com a respetiva representatividade na Assembleia”.
Os artigos 73.º e 75.º contemplam direitos dos deputados únicos no atinente a procedimentos.
No âmbito dos requerimentos à Mesa, o n.º 3 do art.º 81.º, estabelecerá:
Os requerimentos escritos são imediatamente anunciados pela Mesa e distribuídos pelos grupos parlamentares, pelos Deputados únicos representantes de um partido e pelos Deputados não-inscritos”.
O n.º 3 do art.º 216.º estabelecerá:
O debate termina com as intervenções de um Deputado de cada grupo parlamentar, do Deputado único representante de um partido e do Governo, que o encerra”.
O n.º 3 do art.º 224.º estabelecerá:
Cada grupo parlamentar e os Deputados únicos representantes de um partido, dispõem de um tempo global para efetuar as suas perguntas, podendo utilizá-lo de uma só vez ou por diversas vezes”.
E o n.º 1 do art.º 228.º disporá:
Em cada sessão legislativa tem lugar, em data a fixar por acordo entre o Presidente da Assembleia e o Governo, numa das últimas 10 reuniões da sessão legislativa, um debate de política geral, iniciado com uma intervenção do Primeiro-Ministro sobre o estado da Nação, sujeito a perguntas dos grupos parlamentares e dos Deputados únicos representantes de um partido, seguindo-se o debate generalizado que é encerrado pelo Governo”.
Quanto à distribuição dos tempos de intervenção, segundo os anexos ao Regimento, atribuirão a cada deputado único um minuto.
***
Por seu turno, o Projeto do Chega considera na Exposição de Motivos:
Entre os dois tipos de partidos representados na Assembleia da República temos que, pelo Regimento, ficam estabelecidas diferenças não apenas quantitativas, o que é natural e aceitável por via do número de eleitores que cada um dos partidos representa, mas também, uma diferença qualitativa, o que não é de todo aceitável e se nos afigura (…),inconstitucional pois que, por tal se encontram violados, entre outros, o princípio da igualdade e o princípio constitucional da proibição do excesso, ou da proporcionalidade clássica, para muitos o mais importante princípio constitucional”.
E, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira no atinente ao direito ao uso da palavra, frisa:
É através dela que se executa a sua principal função [do Deputado], participando das diversas atividades parlamentares, intervindo desde logo nos debates que se verifiquem, sejam eles em Plenário ou nas comissões, exercendo também o seu natural e legitimado pelo sufrágio, direito de voto.
Assim, segundo o art.º 10.º, ao deputado único eleito por um partido (DURP) será atribuído o direito de intervenção, gozando como tal, designadamente do direito de ser ouvido na fixação da ordem do dia e interpor recurso para o Plenário da ordem do dia fixada; produzir declarações políticas em Plenário; requerer a interrupção da reunião plenária, nos termos regimentais; ser informado, regular e diretamente, pelo Governo, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público; e dispor de locais de trabalho na sede da Assembleia, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, nos termos da lei.
O novo n.º 2 do art.º 20.º disporá que o DURP participa na Conferência de Líderes em igualdade de circunstâncias de que gozam os grupos parlamentares, segundo o novo n.º 4, com igual direito de voto. O n.º 4 do art.º 30.º disporá que pode ser sempre indicado como membro efetivo ou suplente para um número indefinido de comissões parlamentares permanentes. Segundo o n.º 7, tal como o deputado não inscrito, indicará as opções sobre as comissões parlamentares que deseja integrar e o Presidente da Assembleia, ouvida a Conferência de Líderes, designa a ou as que o deputado deve integrar, acolhendo, na medida do possível, as opções apresentadas; e, nos termos do n.º 1 do art.º 40.º, integrará a Comissão Permanente.
O n.º 2 do art.º 64.º estipulará que tem direito à fixação da ordem do dia de uma reunião plenária em cada sessão legislativa; o n.º 2 do art.º 71.º dar-lhe-á a possibilidade de produzir uma declaração política semanal com a duração máxima de três minutos; e o seu n.º 6 dar-lhe-á a disponibilidade de um minuto para solicitar esclarecimentos ao orador e este igual tempo para dar explicações.
Nos termos do n.º 4 do art.º 72.º, poderá, por sessão legislativa, requerer potestativamente a realização de um debate de atualidade.
Por sua vez, o n.º 3 do art.º 75.º, estabelecerá:
A discussão e votação são feitas, em regra, no início de cada período regimental de votações, dispondo cada grupo parlamentar de dois minutos e cada DURP de um minuto para o uso da palavra”.
E o seu n.º 4 determinará:
No caso de haver mais de um voto sobre assuntos diversos, o tempo de cada grupo parlamentar pode ser alargado para quatro minutos e o de cada DURP para dois minutos e desdobrado de acordo com a organização da sua apresentação”.
Nos termos do n.º 8 do art.º 224.º, terá direito a participar e intervir no debate com o Primeiro-Ministro, nos termos fixados pela Conferência de Líderes; e, tendo os debates, nos termos do n.º 4 do art.º 225.º, a duração máxima de 120 minutos, cabe à Conferência de Líderes fixar a distribuição das perguntas segundo a representatividade de cada partido com representação parlamentar.
Segundo o novo n.º 2 do art.º 227.º, cada DURP tem direito a participar e intervir no debate por meio de interpelação ao Governo, nos termos fixados pela Conferência de Líderes; e, segundo o novo n.º 2 do art.º 228.º, tem direito a participar e intervir no debate sobre o estado da Nação nos mesmos termos de que gozam os grupos parlamentares.
Segundo o Anexo I, no processo legislativo comum, cada Grupo Parlamentar, o Governo e os DURP disporão de 3 minutos, sendo que em grelhas normais cada DURP disporá de metade do tempo reservado aos grupos parlamentares constituídos por dois Deputados e, nas grelhas especiais, designadamente no debate com o Primeiro-Ministro, cada DURP disporá de 2 minutos. E, nos termos do Anexo II, cada DURP terá direito a um debate em cada um dos tipos de debate (potestativos, de urgência, fixação da Ordem do Dia, nas Comissões, com o Primeiro-Ministro), um debate ou uma reunião conforme os casos, em igualdade com os grupos parlamentares que tenham até 5 deputados.
***
Fez-se ligeira referência ao projeto da IL, mas convenha-se que pouco avança a não ser no estabelecido para o regime transitório, sendo mais crítico do que propositivo.
O projeto do PS é suficientemente reconhecedor de direitos aos DURP, mas não os integra na Conferência de Líderes nem lhes dá a possibilidade de integrar comissões, sendo prudentemente contido. Por seu turno, o projeto do Chega cobre todas as possibilidades com razão, do meu ponto de vista, mas é demasiado ambicioso para o momento (Quem tudo quer…).
Porém, o Parlamento tem de fazer o seu percurso até dar a vez a voz a todos em todas as instâncias e segundo a proporcionalidade da representação. É o ónus e o jus da democracia.
2019.11.12 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário