quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Do debate sobre o combate à pobreza para as questões orçamentais


António Costa enunciou o combate à pobreza como tema do 2.º debate parlamentar quinzenal com o Primeiro-Ministro nesta XIV Legislatura. Porém, os deputados não se mostraram muito interessados no tema e desviaram-se para o Orçamento do Estado a pouco mais de 15 dias de ser entregue na Assembleia da República, ficando assim aberto o mercado das reivindicações.
Quiseram debater o que ainda não está em debate. Não concordo, mas são estes os deputados que nós escolhemos para nos representarem. Provavelmente não sabem como combater a pobreza ou não o querem fazer, mas sabem como enriquecer e talvez o queiram fazer; ou então pretendem deixar o Governo no faz-de-conta do combate à pobreza. Lá dizia o Padre António Vieira, num dos seus sermões: Os governos são para fazer bem com o pão próprio, e não para acrescentar os seus bens com o pão alheio”.
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Foram várias as tentativas de colocar o Primeiro-Ministro a assumir compromissos, com cada partido a usar a mesma estratégia: acusar o Governo de ter uma intenção heterodoxa no sentido de cada um dos itens apontados. E o Primeiro-Ministro foi tentando dissuadir os opositores à linha que se pressupõe ser a do Governo.
Assim, quanto ao englobamento obrigatório de todos os rendimentos na declaração de IRS, Costa disse a Rui Rio que “não vale a pena criar papões”. E acabou por dizer que esta medida inscrita no Programa do Governo ainda não aparecerá neste Orçamento do Estado. Ou seja, o Governo ainda não quer no próximo Orçamento do Estado taxar todos os rendimentos no IRS (consoante o escalão onde está o contribuinte em vez de aplicar uma taxa de 28% a rendimentos específicos, como os prediais ou os de capital). António Costa deixou-o claro: “Tenho quase por certo que não teremos essa discussão no Orçamento para 2020”.
Rio insistia em acusar o Executivo de prejudicar estes grupos com esta medida. Costa, porém, colocou-a fora do próximo caderno de encargos orçamental, garantindo que “em caso algum haverá qualquer medida de englobamento que prejudique a poupança, que prejudique o mercado de arrendamento, ou que prejudique a capacidade de investimento nas empresas”.
Em relação ao tema da redução do IVA da eletricidade, trazida ao debate por Jerónimo de Sousa, quando a bandeira é do BE (que ignorou o tema na sua intervenção), o Chefe do Executivo teve muita dificuldade em afastar o papão da esquerda e anuir a uma proposta que nunca aceitou nos orçamentos negociados com estes parceiros. Contornou a questão argumentando com o impacto da medida nas receitas do IVA. Contudo, admitiu estudar a redução do preço da energia, preferindo fazê-lo, mas através da redução dos custos do sistema, da redução da tarifa, por exemplo. E disse: “Se reduzirmos o custo da tarifa, reduzimos também o IVA que cada português paga”. Costa sabe efetivamente que este é um tema que pode vir a resultar numa coligação negativa no Parlamento, pois o PSD também tem uma proposta no mesmo sentido das defendidas pelos partidos da esquerda.
O Bloco de Esquerda e os Verdes apontaram os problemas da ferrovia, nomeadamente quanto à falta de material circulante e obras paradas e /ou adiadas em muitos troços das diversas linhas férreas. O Primeiro-Ministro tranquilizou ambos os partidos vincando que os processos de aquisição levam o seu tempo, o que deu azo a que a Coordenadora do BE tenha observado que “nunca nenhum de nós viu um stand para comprar comboios” e o Primeiro-Ministro tenha assumido que existem atrasos, mas negando ter havido cancelamento do investimento e alegando: “São vicissitudes dos processos de contratação”.
Outra questão vinda a terreiro pela mão do líder do PSD foi a relativa ao imposto sucessório, que acabou em 2004 com o Governo de Durão Barroso. A isto António Costa alertou Rui Rio para o facto de estar a perder tempo com questões extemporâneas, pois “não consta qualquer hipótese de imposto sucessório” nem no programa de Governo nem no programa eleitoral.
No atinente ao alegado caos da saúde, tema abordado por praticamente todas as bancadas parlamentares, a grande preocupação de todos, e, perante a mãe de todas as preocupações, Costa sacou do trunfo que tinha na manga e disse: “Daqui a algum tempo terá uma agradável surpresa”. Disse-o referindo-se à estratégia para acabar gradualmente com a suborçamentação no SNS e respondendo a Catarina Martins, que desferira a crítica mais dura, sobretudo ao afirmar que o “barato sai caro” e que o principal adversário do SNS é Mário Centeno.
Catarina, considerando que “o SNS não pode contratar”, mas que “não fecha as portas a ninguém”, concluía que “vai ficando enfraquecido, endividado e não tem a estrutura robusta que precisava de ter”. Assim “o barato sai caro: não se deixa gastar, mas depois gasta-se mais”.
E Jerónimo de Sousa focou-se sobretudo nos tempos de espera para consultas e cirurgias, tal como o fizeram, a seu tempo, André Silva e Cecília Meireles. Esta até corporizou um conflito com o Primeiro-Ministro sobre os minutos de espera previstos no Hospital Padre Américo, tendo Costa acabado por dizer que os tempos de espera estão a “estabilizar”. E a líder parlamentar centrista ironizou perguntando se o “tempo de espera de 1482 minutos é estável”.
André Silva, do PAN, acusou o Governo de ter falhado o prazo de 6 meses para regulamentação da lei que acaba com os animais selvagens no circo, o que “significa continuar a explorar e manter encarcerados em prisão perpétua animais que não cometeram nenhum crime”. E, o Primeiro-Ministro, dando-lhe “toda a razão” justificou-se com o verão e a campanha eleitoral.
Por fim, André Ventura, depois de ter feito um número político na semana passada a acusar Costa de ter “mentido” há 15 dias, quando disse que os polícias não estavam a ser obrigados a comprar equipamento com dinheiro próprio, voltou agora à carga a exigir um pedido de desculpas. Porém, o Primeiro-Ministro alegou que “não disse o que anda a dizer que eu disse” e explanou o seu desmentido, concitando fortes aplausos na bancada do PS:
A pergunta que me fez foi de que as pessoas eram obrigadas a pagar o seu próprio material. Eu não disse que as pessoas não compraram, efetivamente houve pessoas a comprar. O que eu disse foi que as pessoas não foram obrigadas a comprar. Mas uma força de segurança tem um comando próprio, não é uma organização anárquica, e cada comando estabelece qual é o material necessário para cada posto e cada agente.”.
E, tendo pedido mais tempo ao Presidente do Parlamento por haver matérias que não podem ficar sem resposta”, o deputado do Chega perguntou a Costa se “tem ou não precários no seu Governo”. E o Primeiro-Ministro respondeu que o mais precário é ele próprio, pois o seu contrato é de 4 anos, e deu uma explicação mais detalhada sobre os funcionários públicos que trabalham em São Bento e que não devem ser confundidos com funcionários de gabinete, que são escolhidos em função da confiança política dos titulares das pastas.
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Enfim, é de lamentar que a Casa da Democracia não tenha feito um debate sério sobre o combate à pobreza e o Primeiro-Ministro se tenha embrulhado por arrastamento em questões orçamentais, sem adiantar nada de jeito. Por exemplo, ficamos sem saber para que inscreveu o englobamento no Programa do Governo, se não é para o inscrever no Orçamento do Estado; quando e como promoverá a descida do valor da fatura de eletricidade; porque é que se levantou a questão da reinserção do imposto sucessório, se não consta em programa nenhum de interesse; quando avançam as obras na ferrovia e a aquisição do necessário material circulante; e que investimento teremos no SNS para este sair da fossa em que o lançaram os inúmeros problemas de que sofre (com médicos do SNS a serem avaliados no SIADAP em termos economicistas, designadamente pela poupança em medicamentos e exames a doentes crónicos).
Confesso que não estou preocupado com os animais selvagens no circo não lhes atribuindo a condição de presos perpétuos (Os animais não cometem crimes, não têm direitos nem deveres. Devem ser estimados e adestrados para utilidade e gáudio das pessoas). Nesse caso, deveríamos condenar a existência de jardins zoológicos em que os animais estão ali para gozo dos visitantes.
Critico o facto de o Chefe do Governo não pensar melhor antes de falar. Se o fizesse, não teria de vir a tentar reescrever o que disse num determinado momento e que beliscou a opinião pública. Os polícias não podem estar a comprar o material de que precisam para o seu eficaz desempenho, como não o devem fazer os militares das forças armadas e da GNR, os médicos e enfermeiros no SNS ou os professores na escola pública (E os professores fazem-no!).
Por outro lado, parece que a habilidade de Costa a desviar as respostas para o sentido que mais lhe interessa já não convence. O que o deputado do Chega queria saber era quantos precários há em trabalho na administração pública. Obviamente que todos sabemos que os membros do Governo e os membros dos gabinetes estão a prazo e que podem cessar funções a qualquer momento. Mesmo o Primeiro-Ministro que tem um contrato de 4 anos, o tempo de duração da Legislatura, pode sair por iniciativa própria, por aprovação, no Parlamento, de moção de censura ou de moção de confiança, bem como por dissolução parlamentar ou por exoneração por parte da Presidente da República, se isso for condição para garantir o regular funcionamento das instituições democráticas.
Por isso, os debates parlamentares têm de ser sérios e nunca descentrados dos temas que interessam. Nada deve ficar por debater. E cada coisa deve ser debatida em seu tempo e não por substituição.
2019.11.27 – Louro de Carvalho

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