segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O alerta deixado pelas eleições presidenciais de 2021

 

Não dou novidade a ninguém se disser que Marcelo Rebelo de Sousa ganhou as eleições por larga margem percentual sobre os votos validamente expressos, aliás como era de prever, dada a experiência anterior de que o recandidato ganha, bem como o facto de a pandemia condicionar fortemente a governação saindo o Presidente um pouco por cima do devir da crise e, ainda, pelo facto de se ter feito valer, nalguns ambientes, a ideia de que havia vencedor antecipado, pouco valendo a concorrência ao ato eleitoral.

Não obstante, quiseram emparceirar com Marcelo, mais seis candidatos: cinco (Marisa Matias, João Ferreira, Tiago Mayan, André Ventura e Vitorino Silva), para dar voz eleitoral e ideológica aos partidos de onde provêm, sendo que dois, André e Vitorino são líderes partidários; e uma, Ana Gomes, para colmatar a alegada falta de comparência formal do seu partido a este ato eleitoral.

Na verdade, a direção do Partido Socialista, depois de o secretário-geral e outras figuras de proa terem manifestado apoio informal a Marcelo (Costa na AutoEuropa dera-o por vencedor) e a socialista ex-eurodeputada se ter declarado candidata, declarou muito positivo o exercício do primeiro mandato do Presidente da República, deu as boas-vindas à candidata do partido e deixou a cada militante a liberdade de voto, não sem recomendar aos membros do Governo contenção na manifestação de apoio a este/a ou àquele/a candidato/a. Entretanto, o líder do Chega quis testar o índice da capacidade eleitoral do seu partido. E conseguiu fazer-se estrela.

Como disse Rio na noite eleitoral e Ventura repetiu, em todo o Alentejo o candidato do Chega bateu em todos os concelhos o candidato do PCP (esquecem que Setúbal e Santarém têm concelhos que integram o Alentejo). Na verdade, André Ventura, deputado da extrema-direita e líder do Chega, foi o 3.º mais votado, com 11,9%. Arrecadou quase meio milhão de votos (496.653) e foi o 2.º nos distritos de Beja, Bragança, Castelo Branco, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre, Santarém, Vila Real, Viseu; na Madeira e Suíça (aqui gente afogada em trabalho, sem perspetiva de regresso a Portugal), sem falar noutros consulados. E Marcelo, reeleito, e Ana Gomes, reconhecendo que não conseguiu o objetivo de levar o eleitorado a uma segunda volta, mas conseguindo o de preencher o vazio da não comparência do PS, sentiram o alerta do Chega a crescer e a implantar o discurso da xenofobia, racismo, intolerância e ódio espelhados nesta corrida eleitoral.

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Foi, neste aspeto, premonitório o ato de 140 cristãos de várias denominações (católica, metodista, evangélica, anglicana, menonita e presbiteriana) unidos, no passado dia 22 de janeiro, por valores-base para estas eleições presidenciais presentes no Manifesto que subscreveram e que foi publicado pelo jornal eletrónico “7margens”.

Chamados como discípulos a seguir a Pessoa de Cristo, entendem que a aplicação dos ideais não se cinge à zona do templo nem à zona da oração pessoal, mas se estende a todos os setores da vida e, obviamente, tem de estar presente “na vida cívica e em sociedade”.

E, frisando que a campanha eleitoral decorreu em tempo de “profunda clivagem, tribalização e fulanização dos discursos mediáticos”, sentem que é mister dos cristãos a retoma da pergunta feita a Jesus como critério determinante da decisão de votar: Quem é o meu próximo?(Lc 10,25-37). Com efeito, ante a provocação dos doutores da Lei, Jesus evoca o exemplo do estrangeiro que age “na hospitalidade e no cuidado”, guindando altos representantes do sacerdócio do seu povo ao tipo de pessoas que atuam contra a palavra de Deus. Por isso, os subscritores do Manifesto assumem que o Evangelho se concretiza na relação, mormente com “aqueles que mais estão afastados de nós, dos que estão a ser oprimidos ou dos que sofrem”, pelo que “qualquer voz que nos coloque contra estes irmãos não é a voz de Deus”. 

Assim, estes cristãos e cristãs, face a “propostas políticas que abertamente procuram dividir, de forma maniqueísta, a sociedade entre ‘bons’ e ‘maus’, ‘puros’ e “impuros’ – negando o direito de asilo aos refugiados e segregando etnias; impedindo um processo de reintegração dos presos e sonegando a assistência aos mais pobres dos pobres –”, sentem-se interpelados/as pela atual agudeza da pergunta do Evangelho, que reformulam: “Diante destas injustiças de quem é que me faço próximo?”. 

Não se socorrem da lógica desculpabilizante de Caim face à morte de Abel, de que não era responsável pela morte do irmão, para se escusarem a responder àquela interrogação, mas propõem a ultrapassagem do “raciocínio predatório e revanchista face ao próximo”, tornado cultura dominante nas redes sociais, para dar lugar à cultura “de cuidado e de proximidade”, porque, face às injustiças de cada tempo somos responsáveis pelos nossos irmãos.

Os referidos cristãos sentem, pois, “a necessidade de exprimir uma forte oposição a qualquer projeto político assente em princípios xenófobos, racistas, homofóbicos, autoritários e de ataque aos pobres”, na certeza de que tais projetos “são gravemente contrários à mensagem de Cristo”. Por outro lado, censuram como “particularmente grave” a descarada instrumentalização da fé “ao serviço de projetos políticos claramente contrários ao Evangelho, a reboque de discursos providencialistas”. E, como crentes e cidadãos preconizam “uma atitude cristã em relação à política”, assumindo o irrenunciável conjunto de princípios seguinte:

- O respeito por todos e todas, independentemente de género, credo, cor de pele, etnia ou orientação sexual, repudiando qualquer discurso de ódio;

- A promoção do pluralismo e da diversidade como componentes indispensáveis da nossa convivência humana

- A luta pela erradicação da pobreza e das desigualdades mediante uma opção preferencial pelos pobres e por modelos de desenvolvimento sustentáveis e ecológicos; e

- O compromisso na construção do bem comum, na defesa intransigente da justiça, da liberdade, da fraternidade, da tolerância, da solidariedade e da paz.

Por isso, mercê do compromisso batismal frisaram conjuntamente “uma recusa intransponível perante projeto e programas políticos” em relação aos quais não podem, em consciência, votar. E, apesar de suas “divergências políticas e divisões eclesiais, na presença de modelos populistas assentes na retórica de ódio e segregação”, manifestaram a certeza irrevogável que os une: “não aceitamos renunciar à nossa humanidade”. E fizeram-no publicamente, porque “ser sinal do Evangelho no mundo contemporâneo não condescende com uma propaganda xenófoba e autoritária para fins eleitoralistas”, mas implica “ter a capacidade de ser fermento na história dos homens e das mulheres nossos concidadãos: anunciando, aqui e agora, a possibilidade de um mundo novo transformado, onde todos tenham lugar, e a esperança de uma humanidade renovada, ressuscitada”.

E, referindo que, no oitavário de oração pela unidade dos cristãos, o exemplo das comunidades ecuménicas de Taizé, Bose, Chemin Neuf e Grandchamp servem de interpelação e desafio, bússola e compasso, na esperança de urdir um mundo reconciliado na sua diversidade e na certeza que é “possível construir o mundo justo” onde “o outro-diferente não seja percebido como uma ameaça, mas como um dom”.

Também, no seu artigo semanal de opinião publicado no JN deste dia 25 de janeiro, o Padre Fernando Calado Rodrigues, considerando bom que os católicos “estejam conscientemente do lado da vida” e se mobilizem em torno de questões como “o aborto e a eutanásia”, entende que “devem também mobilizar-se e erguer a sua voz para defender ou condenar muitas outras opções políticas e sociais”. E, na linha do que a Igreja Católica tem proposto, sobretudo pela voz e pena do Papa Francisco, aponta: a opção preferencial pelos mais pobres; as questões ambientais; e os sistemas políticos e económicos injustos, que não protegem os mais fracos, que discriminam e que segregam.

Ora, se a vida, enquanto direito inegociável, mobiliza os católicos contra o aborto e a eutanásia, diz Calado Rodrigues que “os deveria mobilizar na luta contra a pena de morte, que também é um atentado à vida” e para “a prisão perpétua, que acaba por ser uma sentença de morte encapotada” e para uma “economia que mata”, como Francisco tem denunciado.

A este respeito, congratula-se por haver cristãos, embora menos, que se unem para denunciar “determinadas propostas políticas que são contrárias aos ensinamentos de Jesus Cristo”. E menciona o caso de “cristãos de diferentes igrejas cristãs que a história separou”, que se uniram, em Portugal, nas vésperas da eleição presidencial, para exprimirem “uma forte oposição a qualquer projeto político assente em princípios xenófobos, racistas, homofóbicos, autoritários e de ataque aos pobres” e considerarem “particularmente grave a instrumentalização” de algo tão precioso como a fé, colocando-a “ao serviço de projetos políticos claramente contrários ao Evangelho, a reboque de discursos providencialistas”.

Embora no tempo da sua escrita não conseguisse avaliar o sucesso da iniciativa, realçou “a unidade entre os cristãos e a atenção que demonstram às questões que não deverão deixar indiferente nenhum seguidor de Jesus Cristo”.

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O alerta de domingo passado, preocupante para os cristãos, não pode deixar de ser um recado para os políticos democratas. Em vez de se enredarem nas malhas dos aparelhos partidários, imporem ao eleitorado ideias e representantes a escolher e transportarem a mediocridade para o Parlamento, para o Governo e para a Justiça, deveriam ouvir o povo e tentar responder às suas justas aspirações, colmatar as suas carências e ajuda-lo a resolver os seus problemas.

É óbvio que a inclusão e a igualdade, bem como o respeito pelos grupos minoritários, são pressupostos da democracia social. Porém, abandonar as populações, conceder “regalias” a grupos minoritários à custa de sacrifício de quem trabalha ou trabalhou e empurrar os problemas para a frente não deixam de ser topos antidemocráticos. Enfim, o discurso xenófobo, racista, anti-imigração e antiminorias só é possível pela força ideológica da pureza da raça ou da nação – o que é injusto e anticientífico – e pela incapacidade, incompetência e falta de vontade política da governança dita democrática na resolução dos problemas sociais. Por exemplo, enquanto houver dinheiro para salvar a banca e não o houver para investimento público, sistema de saúde, educação e proteção social…

O dia 21, embora tenha dado a vitória eleitoral a um político que se reclama da direita social – e não do centro como disse alguém – contentou os que se reclamam do centro democrático social, da socialdemocracia e do socialismo democrático, obnubilou a esquerda mais radical, evidenciou a direita liberal e fez da direita antidemocrática e demolidora a estrela. E não venha Carlos César, presidente do PS, dizer que é, por enquanto apenas uma ameaça ao PSD, que recebeu de André Ventura o recado de que não haveria, de futuro, governo sem o Chega. Trata-se de fenómeno transversal a todo o país que arrebata os descontentes e, sobretudo os jovens que não se reveem neste jogo partidário ou temem pelo futuro.

É certo que Ana Gomes, que ficou em segundo lugar, mas muito aquém do vencedor, cumpriu, segundo diz, o objetivo central de “representar o campo dos democratas e progressistas europeístas e impedir que a ultradireita ascendesse a uma posição de possível alternativa”. Todavia, salientou que a abstenção não pode ser apenas atribuída à pandemia, pois “houve quem quisesse desvalorizar estas eleições presidenciais e não tivesse cuidado sequer de assegurar que eram facultados meios alternativos de voto a quem está retido em casa obrigado a confinar e à maioria de milhão e meio na diáspora que indignamente se viram assim impedidos de votar”. E deixou um desafio ao seu partido no sentido de os militantes ajudarem a direção do PS a refletir profundamente e a retirar consequências da sua atuação de ausência nesta eleição.

Mas isto não basta. É preciso que as instituições funcionem regular e solidariamente, se resolvam os problemas das pessoas e das empresas, se previna e combata a corrupção e o crime organizado, se façam leis justas e eficazes, se arrede o compadrio e o parasitismo, a justiça funcione, os jovens tenham futuro (Tantos e tantas votaram em André Ventura!), acabem os guetos, se abatam as desigualdades e o distanciamento social, se elimine a pobreza e os cidadãos se sintam acolhidos, protegidos, livres e seguros.

Quem é o meu próximo? De quem tenho de ser próximo? Bom recado do dia eleitoral!

2021.01.25 – Louro de Carvalho

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