quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Debate parlamentar com o Governo focado na pré-catástrofe pandémica

 

A 19 de janeiro, os deputados debateram com o Primeiro-Ministro a situação pandémica que o país enfrenta na sua fase mais crítica, com o registo dum novo máximo de mortes: 218 (neste dia 20, são 219). E Costa, assumindo a responsabilidade pelo alívio das restrições em dezembro, após a crítica das oposições, declarou:

Se a culpa foi minha por termos celebrado o Natal, ofereço-me a esse sacrifício”.

Aqui fica uma súmula com as principais perguntas e declarações evitando, quanto possível, as repetições desnecessárias.

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Adão Silva, do PSD, considerou estes como os dias mais “tristes desde abril de 1974” e mostrou “solidariedade com todas as famílias que já sofreram na carne as mortes provocadas por esta pandemia”, ficando os portugueses “devedores” dos profissionais de saúde.

Falando do deputado Ricardo Baptista Leite por estar “no covidário” como voluntário, que esta semana gravou um vídeo, que se tornou viral ao descrever horas dramáticas no Hospital de Cascais, e aduzindo que está longe o milagre português, observou que “estamos a deixar pessoas para trás” e perguntou “como chegámos a esta situação, de “catástrofe humana”.

António Costa começou por dizer que o deputado fez uma síntese correta do que os portugueses sentem. Sobre o milagre português, referiu que, nos diferentes países do mundo, a pandemia tem tido “fases diversas” e que Portugal está agora numa fase pior. E esclareceu:

Quando o Presidente da República se referia ao milagre português, dizia que era preciso ter a serenidade para ver o que ia acontecer a seguir, porque a pandemia não tinha vindo para dois ou três meses, mas era uma maratona, uma maratona muito dura”.

E lembrou que o Governo aumentou a capacidade para camas covid, mas que a “capacidade de extensão não é ilimitada” e que “não é só pôr camas e ventiladores, é fundamental o trabalho e a disponibilidade dos recursos humanos”. E, frisando, várias vezes, terem sido extraordinários os portugueses, sustentou que “depende de cada um de nós” travar a terceira vaga” e disse que, “apesar do cansaço e dor acumulados, de todas as dificuldades”, tem a certeza de que “de novo se vão mobilizar para travar a terceira vaga”.

O deputado do PSD acusou o Governo de falha na gestão da pandemia, indicando que “o Governo não cumpriu o seu papel”, pois anunciou um confinamento de faz de conta, com tantas exceções a regras que deviam ser claras, límpidas, entendíveis, mas que não o eram, pelo que “teve de as clarificar”.

António Costa respondeu que dará sempre “os sinais claros que tiver de dar” e garantiu “fazer tudo o que é necessário e nada mais do que é necessário”. Assim, porque “estamos a bater-nos para manter as escolas abertas”, anunciou que, a 20 de janeiro, “iniciamos uma campanha de testes rápidos para reforçar a segurança nas escolas”, mas garantiu que, se a estirpe inglesa se tornar determinante, o chefe do Governo fará o que tem de fazer, que é fechar as escolas.

Adão Silva questionou as condições para que as escolas estejam abertas, perguntando porque não começaram mais cedo os testes rápidos e onde está a material informático para os alunos (promessa do Primeiro-Ministro). Assegurou que, se o Governo fechar as escolas, o PSD dirá que tomou a decisão certa. E criticou António Costa por não ter feito pedagogia e um apelo aos portugueses no dia 17, à noite. E Costa esclareceu que já estão a ser feitos testes rápidos nas escolas, mas que agora vão ser feitos de forma sistemática, enquanto campanha. E disse bem desejar que a única dúvida fosse “a de ir ou não ao telejornal no domingo à noite”.

Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, reagiu no Facebook ao vídeo de Baptista Leite, acusando-o de “voluntário pela metade, porque, segundo o dicionário, quem se voluntaria fá-lo por mera vontade, desprendimento e sem interesse próprio”. E, admitindo a dificuldade do SNS e o desgaste dos profissionais, disse que, no dia 16, no Hospital de cascais, “faleceram 3 pessoas no covidário, cuja morte muito lamentamos, e 5 foram transferidas para a UCI”. E acusou Baptista Leite de “demagogia” e de causar “um alarmismo inexplicável”.

Por sua vez, a líder bloquista, admitindo “divergência em vários momentos”, classificou de “imensa hipocrisia atirarmos culpas dum lado para o outro, como se tivéssemos soluções milagrosas”. Por isso, defende que se mantenha “tudo o que é essencial, mas com condições de segurança nos postos de trabalho”, embora com maior aposta “na testagem e rastreios” e que “se reforce o SNS sobre uma pressão inaudita”. E, considerando uma gota de água num tsunami o que os privados põem à disposição, perguntou: “Se não os requisitamos agora, quando?”.

Costa disse que o Estado pode requisitar meios humanos, materiais ou até estabelecimentos, que preferia um acordo mais amplo e que há 33 acordos estabelecidos, mas reitera que o Governo não prescinde da requisição, se ela for necessária.

O secretário-geral do PCP questionou o Primeiro-Ministro se a farmacêuticas que produzem vacinas para a UE têm capacidade para responder às necessidades dos estados-membros. E, em resposta, Costa vincou o esforço da compra conjunta de vacinas pela UE, que permitiu o acesso simultâneo às doses da Pfizer, pelo que, neste aspeto, não se sairá da órbita europeia.

Jerónimo de Sousa perguntou pelos apoios acordados com o PCP para o OE 21. E Costa disse que estão no OE e que alguns, como o lay-off simplificado (a 100%) entraram de imediato em vigor. Está assegurado o pagamento extra das pensões; as novas regras do subsídio de desemprego e a nova prestação social entrarão em fevereiro; e o subsídio de penosidade, englobado nas negociações entre os ministérios da Administração Pública e das Finanças “no quadro do processo negocial, está a ser devidamente encarado”.

Temo Correia, do CDS, questionou o Governo se haverá alterações no plano de vacinação dado que a Pfizer reduziu o número de doses entregues. E Costa respondeu que a Pfizer explicou o atraso com as obras e que a “task force” recomendou a “aceleração da primeira toma nos lares”, que aumenta o grau de imunização “sem que haja risco de adiamento da segunda dose”, podendo o “período de atribuição da segunda dose” ser “entre 21 e 42 dias”, segundo a OMS.

Telmo Correia perguntou porque determinou o Governo um confinamento menos rigoroso, com milhões de pessoas a circular todos os dias e escolas abertas, quando o país tem mais contágios, internamentos e mortes que nunca. E perguntou se Costa teria tomado as mesmas medidas no Natal sabendo o que sabe hoje.

O Primeiro-Ministro, precisando que “as medidas são tomadas em função das circunstâncias e dos dados” disponíveis, com base “na melhor informação científica”, garantiu:

Se a culpa foi minha por termos celebrado o Natal, ofereço-me a esse sacrifício e deixo-lhe, em consciência, [considerar] se sou o responsável pela situação em que estamos. (…) Houve outros que defenderam exatamente o que fiz. (…) Assumo as responsabilidades pelas circunstâncias em que o país está hoje..

André Silva, do PAN, considerando que a gravidade de situação exige “medidas inteligentes e coerentes” para travar a pandemia, frisou a importância do reforço da oferta de transportes públicos e da fiscalização da ACT ao teletrabalho e quer aulas à distância para o 3.º ciclo. Depois, questionou o Governo sobre a construção dum hotel de 5 estrelas, em Mesão Frio, na sequência de alerta da UNESCO, e se haverá “efetiva responsabilização” pela morte de Ihor Homeniuk, com ação judicial sobre os responsáveis. E António Costa, que defende a manutenção das escolas abertas, diz que era mais fácil encerrá-las, porque o custo, não sendo imediato, se paga daqui a 10, 20 anos. Quanto a números, diz que há 5.400 escolas públicas e que, de momento, “só 13 estão encerradas por surtos identificados” e, para mais de um milhão de alunos, há “39 mil alunos infetados”. Depois, aduziu que “todo o homicídio é bárbaro e cometido por uma força policial é intolerável no estado de direito democrático”, pelo que deu instruções para se proceder ao direito de regresso, ou seja, que os responsáveis paguem a indemnização que foi adiantada pelos contribuintes. Quanto ao aludido hotel, não valorizou.

José Luís Ferreira, do PEV, traz para debate os cerca de mil médicos internos que estão no fim da especialidade e que estão obrigados a fazer o exame final e sugere que o exame seja feito em junho, como no ano passado. E Costa diz nada poder fazer, pois há um “calendário aprovado pela Assembleia da República” não só com as datas de contratação como com as de exames.

O líder da Iniciativa Liberal diz que Costa estava “irritado” na comunicação aos portugueses no dia 18 dizendo que “a culpa era deles”. Lembra que faltam computadores nas escolas, habitação para sem abrigo, instrumentos e capitalização e Banco de Fomento, assim como faltou atividade assistencial e vigilância epidemiológica no SNS. Porém, Costa, porfiando que não há “motivos para sorrir”, garante que não estava irritado nem culpou os portugueses.

Ana Catarina Mendes, do PS, defendeu a intervenção do Governo na gestão da pandemia a dizer que “difícil é numa situação de emergência ter de tomar decisões políticas que interferem de forma dramática na vida das pessoas”. E apontou o dedo aos que são voluntários por um dia para fazerem política no outro” e aos que “fazem jantares com 170 pessoas sem o mínimo de distância num dia para no próximo andarem a chorar lágrimas de crocodilo pelas mortes”.

O Primeiro-Ministro reafirmou que o combate à pandemia será longo e só terá êxito quando entre 60% a 70% da população estiver imunizada contra a covid-19, sendo preciso, por enquanto, continuar a reforçar o SNS e a apostar na prevenção, o que significa realizar mais testes e identificar rapidamente as cadeias de transmissão. E reforçou o apelo à responsabilidade individual, insistindo que é preciso prosseguir o esforço conjunto num “espírito de comunidade” para travar esta crise.  

Mónica Quintela, do PSD, introduziu no debate o tema do procurador europeu escolhido pelo Governo, que “deu diferentes explicações em Portugal e na Europa”, falsas, porque com a lei que estava em vigor dizia que eram os especialistas europeus quem escolhia o representante português. Quis saber se irá a Ministra da Justiça prestar justificações em Bruxelas. Perguntou se a nomeação do procurador foi para afastar uma procuradora competente, mas incómoda e indicar alguém de confiança do Governo. E considerou que este é um caso nebuloso e que “está em causa o estado de direito democrático”. E Costa retorquiu que o governo Passos recusou a procuradoria europeia. Não aceita que se trate de nomeação política e que haja “procuradores incómodos ou amigos” porque os procuradores “cumprem a sua função na defesa da legalidade independentemente do governo em funções”, servindo “uma magistratura autónoma”. E apresentou a lista de ordenação dos procuradores entregue ao Governo.

A deputada do PSD Clara Marques Mendes alertou para os cerca de 3500 lares ilegais que há no país e questiona se os seus utentes serão abrangidos pelo plano de vacinação contra a covid-19, pois não há mapeamento dos ilegais, pois estão fora do radar do Estado. Acusou o Governo de ainda não ter pago apoio aos trabalhadores mais desprotegidos desde maio e perguntou se está planeado o reforço das equipas de intervenção rápida nos lares, que têm sido “ineficazes”.  

António Costa garantiu que todos os idosos vão ser vacinados, incluindo nos lares ilegais. Reconhece que alguns serão mais difíceis de identificar, mas que autarcas, bombeiros, cuidados de saúde primários, farão chegar a vacina a todos. Ninguém ficará para trás.

João Paulo Correia, do PS, trouxe o OE 21 ao debate e perguntou pelo que vai ser o Plano de Recuperação com fundos europeus.

Costa diz que este é “vital” para a recuperação da economia, pelo que pediu o agendamento com caráter de urgência da ratificação no Parlamento. E espera concluir a aprovação rapidamente no PE (Parlamento Europeu). Só depois de todos os países e o PE o fazerem, os Estados estarão em condições de formalizar os seus programas específicos. Mas o Governo vai usar parcialmente verbas (mais de 1000 milhões de euros) previstas no OE 21, que estarão disponíveis logo que o Parlamento português ratifique o Plano europeu, sendo prioritária a transição climática e digital.

Maria António Almeida Santos, deputada do PS, diz que o Governo “não se tem poupado” em esforços para travar a epidemia, mas alerta para a importância do reforço da capacidade de realização de inquéritos epidemiológicos. E o chefe do Governo frisou que tal capacidade tem sido “progressivamente reforçada” ao longo dos meses (já são mais de 10 000 os rastreadores), pois é essencial quebrar as cadeias de transmissão do novo coronavírus. E realçou a mobilização de militares das Forças Armadas e de profissionais de saúde reformados para esta tarefa, mas admite serem necessárias mais pessoas, incluindo funcionários públicos em confinamento domiciliário, ou outros que podem ser recrutados para esta função, assim como professores que, devido a questões de saúde, não podem exercer atividade docente.

Catarina Martins, em relação à requisição civil, disse que é sensato e importante não criar conflitos e ir por acordo, mas apontou que os privados “querem fazer lucro à conta da pandemia”, cabendo ao Governo “impor regras que protejam toda a gente”. E, sobre as escolas, pediu reforço de assistentes de educação e perguntou porque não se aplica o regime misto em algumas escolas. E o Primeiro-Ministro lembrou a prestação social nova, introduzida no OE 21, e que a nova prestação extra anunciada há uma semana só acresce a esta, havendo uma diferença fundamental entre medidas para setores com atividade paralisada, com o que resulta da quebra de atividade económica.

Mais disse Costa que já foram apoiados “21 mil trabalhadores informais”, constituindo este um “esforço muito grande” e não implicando prova de condição de recursos este apoio de um mês.

O PAN criticou Eduardo Cabrita por um erro grave nos boletins de voto, que têm um candidato não aprovado, e acusou a mobilidade antecipada de negar o direito de voto a muitos eleitores.

Pelo Governo, Eduardo Cabrita respondeu que estas presidenciais ocorrem “no momento mais complexo das nossas vidas”, que “o essencial do que foi feito deve-se à AR” e que, em relação ao boletim, a administração eleitoral fez o que o TC remeteu a tempo de ser impresso.

Costa não gostou de ouvir o deputado do CDS trazer a questão da popularidade para cima da mesa, pois o Governo arcou com a decisão de manter fechados os restaurantes (na greve de fome), quando os deputados do CDS andaram a pedir para alargar. E, em relação aos hospitais privados, desafiou o deputado a não vir com o fantasma das ideologias, pois o Governo respeita a lógica do setor privado e tem acordo com ele desde abril, mas disse que o Ministro da Defesa conseguiu mais 140 camas: “são mais camas do que as que os privados disponibilizaram”.

José Luís Ferreira, do PEV, quis saber em que pé está a medida para ajudar a fatura da luz devido não só ao confinamento como à vaga de frio.

E o chefe do Governo garantiu que foi construída “essa medida tendo em conta o anterior pedido de confinamento e também um aumento recente com a vaga de frio”.

A última pergunta coube a Cotrim de Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal, que acabou por levar a um apelo emocionado da Ministra da Saúde. O deputado único da IL apontou para o número de infetados, que não se conseguem detetar, por se ter atingido o teto máximo de testes. Sugeriu um plano de testagem massiva, pois, como disse, “enquanto não o fizermos, a culpa não será dos portugueses”. E recordou a existência dum hospital novinho por estrear em Miranda do Corvo, “com 54 quartos ainda melhor que a cidade do futebol”.

Pelo Governo, a Ministra da Saúde respondeu a Cotrim com um apelo lancinante que fechou o debate. Falou de confiança nas empresas que estão a fornecer as vacinas, cujos prazos espera serem cumpridos e lançou este alerta, emocionada: 

Este é um momento de união! Os próximos dias são duríssimos, por favor, ajudem-nos todos.”.

Marta Temido disse que “o tempo é demasiado grave para nos perdermos em questões sem adesão à realidade” e devolveu o tema do Hospital de Miranda do Corvo ao deputado da IL com bastante veemência:

Onde está o hospital? O que temos são camas, 80 camas de cuidados integrados. Camas e espaço não é um hospital. Há enfermeiros e médicos para mandar para lá? Não há, se houvesse era o que faríamos agora!”.

A seguir, a Ministra assumiu como é crítico este momento. Dizendo que “estamos muitíssimo preocupados com os números e óbitos”, assegurou que tem sido mantido o ritmo de testagem e “até aumentado” e anunciou que vai tentar avançar com o recurso a “testes rápidos de saliva”, para “enfrentar uma doença que todos os dias tem capacidade de mudar”.

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Em suma, perante a crescente pressão para encerrar as escolas, Costa voltou a manifestar resistência e anunciou o arranque duma campanha de testes à covid-19 nos estabelecimentos de ensino. Mas admitiu que, se a nova estirpe britânica do vírus se tornar dominante, nesse caso, terá que recuar e fechar mesmo as escolas – o que se saberá dentro de dias ou horas.

O chefe do Governo prometeu ainda “não deixar ninguém para trás” no plano de vacinação, garantindo que todos os idosos serão imunizados contra a covid-19 e que o rastreio da doença a nível global está a ser “progressivamente reforçado”. E considerou a otimização de apoios e de mobilização de recursos, sem se inibir de instar à responsabilidade de cada um no combate ao flagelo que se abate sobre nós.

2021.01.20 – Louro de Carvalho

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