A notícia
da ida de Paulo Portas – ex-trabalhador de jornal, ex-deputado, ex-presidente
do CDS/PP, ex-Ministro do Estado e da Defesa Nacional, ex-Ministro do Estado e
dos Negócios Estrangeiros e ex-Vice-Primeiro-Ministro com a coordenação da área
económica – aliada ao anúncio de outras atividades levanta a questão enunciada em
epígrafe. Com efeito, não sei se mais devo sublinhar e admirar a polivalência
de capacidades, competências, conhecimento e valor do candidato a um passo de
estar dentro de tudo e mais alguma coisa, se a apetência de empresas como a
Mota-Engil para a captura oportuna da experiência governativa de políticos com
nome feito na praça pública e da sua capacidade de manipulação dos cordelinhos da
teia de contactos e interesses.
O certo é que o ex-líder do CDS-PP vai ser consultor da construtora Mota-Engil e, como
era de esperar, o nomeado diz que não há qualquer incompatibilidade com as funções
que já desempenhou no governo. Pois, ele agora já não é governante, mas o
jurista bem sabe que não está em causa apenas a lei e o direito, mas também e
sobretudo algo relacionado com a ética e o decoro. Ninguém acredita que o ora pré-gestor
ou pré-consultor deite fora a lista de contactos conseguidos durante a sua governança
ou faça tábua rasa dos conhecimentos adquiridos então.
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Depois de,
em dezembro de 2015, ter anunciado a saída da presidência do CDS e de se ter
despedido da liderança do partido no congresso de abril, Paulo Portas fez, na passada
semana, a sua última intervenção como deputado, vindo a deixar oficialmente o
Parlamento no próximo dia 7, momento em que entregará a declaração de renúncia ao
mandato. O lugar vago será preenchido na Assembleia da República por Filipe
Anacoreta Correia, o nome que se segue na lista e o seu crítico mais visível no
partido nos últimos anos.
Como
responsável pelo novo conselho internacional da Mota-Engil, o ex-governante será
encarregado de reunir um conjunto de personalidades para formar este órgão de
aconselhamento estratégico da que é uma das maiores empresas do país, com 28
mil trabalhadores e uma presença internacional cada vez mais forte. E o
principal foco deste novo órgão de consulta da Mota-Engil será o mercado da
América Latina, onde a construtora vê mais e melhores hipóteses de crescimento.
Paulo Portas
vai assumir ainda um cargo no conselho estratégico da Mota-Engil, liderado pelo
seu presidente, António Mota, e que já integra um outro ex-governante e
ex-estratega político, o socialista Jorge Coelho, assim como contou na sua
composição com outros elementos de destaque como Seixas da Costa ou Murteira
Nabo.
No seu mandato
de vice-primeiro-ministro do Governo liderado por Pedro Passos Coelho, Paulo Portas
encabeçou, de facto, várias missões empresariais da AICEP e do Governo, com
destaque para duas visitas oficiais ao México, em 2014, nas quais foi dado
grande relevo aos projetos da Mota-Engil naquele país latino-americano. Naquela
atividade do governante, no âmbito da diplomacia económica, participou efetivamente
a Mota-Engil. Contudo, Paulo Portas nega
qualquer incompatibilidade entre o novo exercício de funções empresariais e aquele
envolvimento governativo por entender que nunca teve a tutela direta das obras
públicas ou do setor da construção (mas
tutelou a internacionalização via AICEP e a área económica). Por outro lado, alega que
as empresas, tal como a Mota-Engil,
que participaram nas missões empresariais promovidas pelo Governo se inscreveram
“através da AICEP”, não indo a convite seu e que lutara “por eles [Mota-Engil]
lá fora” como lutara “por ‘n’ outras empresas”.
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O jurista e
ex-líder do CDS adiciona esta nova função ao cargo de vice-presidente da CCIP (Câmara de Comércio
e Indústria de Portugal), sendo no
âmbito da missão da CCIP que Portas se vai estrear em breve numa viagem a Cuba,
seguindo-se, ainda no ano corrente, viagens ao Brasil e ao México.
Mas há mais:
se há meses que o futuro de Portas, após a larga temporada de política partidária
ativa, estava envolto em tabu, não é segredo que vai ter um espaço semanal de
comentário na TVI, com estreia marcada para setembro, mas apenas para abordar
temas internacionais e não de política nacional. Não se sabe em que dia o programa
vai ser transmitido, nem em que modalidade, mas sabe-se que terá um “formato
inovador e interativo”. O ex-líder do CDS considera o programa como um grande
desafio que tem pela frente: “Sinto-me
muito bem. E com um grande desafio pela frente. É muito bom, aos 53 anos,
refazer uma vida.”.
Antes, será
o enviado da TVI ao Reino Unido para
comentar o referendo à permanência na União Europeia, a 23 de junho, assim
como irá a Madrid para comentar as
eleições espanholas, que decorrerão a 26 de junho. Portas marcará ainda
presença nos EUA, para as convenções dos democratas e dos republicanos, e em
Angola, para o congresso do MPLA.
E ainda lhe
sobra tempo e energia para dar aulas na Faculdade de Economia da Universidade
Nova de Lisboa, cumprir uma agenda de conferências em universidades e desempenhar
funções na formação de novos quadros do partido.
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O Bloco de
Esquerda já reagiu à nomeação de Portas para presidente do Conselho Internacional
da Mota-Engil. Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar desta formação
partidária, diz que este é “mais um daqueles casos” em que um “ex-governante
salta para um cargo de uma empresa privada” para potenciar a rede de contactos
que construiu enquanto membro do Executivo, dando azo, mais uma vez, a “que
o interesse privado” saia
beneficiado em detrimento do interesse público.
Em relação
às alegações de falta de incompatibilidades aduzidas pelo ex-líder partidário e
ex-membro do Governo, Pedro Filipe Soares e o Bloco têm outro entendimento: “[Portas]
está claramente a utilizar agora os contactos que fez quando andou pelo mundo
a fazer negócios em nome do Estado
e a promover os vistos Gold“. O político bloquista não deixa de lembrar pertinentemente
que o principal investimento dos vistos dourados estava concentrado,
precisamente, no setor imobiliário, setor no qual a construtora Mota-Engil tem
natural interesse.
Além disso, Pedro
Filipe Soares lembra que a Mota-Engil “pertence ao conglomerado de empresas de
construção que renegociou com o Governo anterior as Parcerias Público-Privadas”.
Por isso, os bloquistas não têm dúvidas: “Não há almoços grátis”.
O líder parlamentar do Bloco considerou “politicamente
criticável” a ida do ex-Vice-Primeiro-Ministro para a Mota-Engil, reprovando a “porta
giratória” entre Governo e privado, e pretende que o antigo governante prove
que não há incompatibilidade, pois, segundo o bloquista:
“A notícia de que Paulo Portas vai agora para um alto cargo da Mota-Engil é
mais um exemplo daquilo que todos nós criticamos na política e que não deveria
acontecer que é o saltar de um Governo para os privados, com um estalar de
dedos e poucos meses depois de sair do Governo”.
O mesmo líder
da bancada parlamentar recordou que, nos cargos que teve recentemente no
Governo, Paulo Portas “foi sempre responsável pela internacionalização da
economia e agora está, com esse conjunto de contactos, de relacionamento, a
oferecê-los ao dispor da Mota-Engil”, considerando “politicamente criticável a
escolha de Paulo Portas cerca de meio ano depois de sair do Governo”. E referiu
ainda:
“Mas há dois outros aspetos a realçar: um primeiro que tem que ver com o
facto de a própria Mota Engil ter tido relações com o Estado, mas um segundo
com a necessidade de provar – e creio que esse ónus está do lado de Paulo
Portas – que de facto, mesmo perante a lei vigente, não há aqui um aspeto de
incompatibilidade no decurso da sua atuação”.
Os
bloquistas, na sequência da nomeação de Maria Luís Albuquerque para consultora
da Arrow Global tentaram apertar a
malha a deputados e a ex-governantes que migram para o setor privado. Por conseguinte,
esperam que esta nomeação de Portas relance o debate e que acelere a discussão
na comissão eventual criada para o efeito, mostrando a sua determinação
política: “Temos de acabar com os alçapões que permitem sempre os abusos à lei”.
Neste sentido,
Pedro Filipe Soares insistiu na necessidade de a lei “ser absolutamente clara
para acabar com quaisquer alçapões que permitam este tipo de situações, em que
se salta do público para o privado”, realçando que o BE já tem, em
especialidade, na Assembleia da República iniciativas legislativas para
aumentar a defesa do interesse público e reforçar o regime de
incompatibilidades. Assim:
“Queremos que quem sai do Governo seja obrigado, de forma mais clara a um
período de nojo, não possa saltar depois para empresas privadas para fazer
aquela conhecida porta giratória que nós tanto criticamos e que tão caro tem
saído aos contribuintes do nosso país”.
***
Sobre tudo
isto, é de lamentar que estas situações estejam a entrar na rotina da cena
pública.
Antes de mais,
é preciso considerar que não é apenas a lei o regulador da relação social; há também
a ética, o bom senso, o respeito e a cortesia – sobretudo quando tantos foram
tão barbaramente esbulhados dos seus rendimentos! De facto, há muitos que vivem
acima das possibilidades dos outros. É vergonhoso que, face ao sacrifício dos
seus compatriotas, por exemplo, António Mexia se queixe da magreza de seu
vencimento!
No atinente
à lei, é conveniente que ela seja clara e justa. Com efeito, não pode tolher a
atividade profissional e social de quem exerceu um cargo público, mas deve impor,
em alguns casos, um tempo de recato considerável para que inequivocamente se possa
concluir que não há contaminação entre as antigas e as atuais funções.
E há casos
em que as suspeitas são perfeitamente legítimas e não havia necessidade de
arriscar o escândalo. Portas e Albuquerque até poderiam ser úteis no Parlamento
e encontrar aí forma de sobreviver durante mais algum tempo. Recordo Jorge
Coelho, que foi presidente executivo da Mota-Engil, mas após um razoável compasso
de espera.
Até quando é
que o grande objetivo do cidadão há de consistir em vir a ser ex-governante?
2016.06.06 – Louro de Carvalho
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