Em
entrevista concedida ao jornal
alemão Die Welt, o Presidente da
República Marcelo Rebelo de Sousa falou sobre a situação portuguesa e sobre a
visão que Portugal tem da Alemanha.
O
apregoado realismo do Presidente em relação aos principais partidos estendeu-se
da direita à esquerda. No quadro da esquerda e tendo em conta a maioria que se
gerou no Parlamento por força dos acordos celebrados entre o PS (Partido Socialista) e os partidos que se
posicionam à sua esquerda, o Presidente sustentou que o PCP (Partido Comunista Português) e o BE (Bloco de Esquerda) “aceitaram a
realidade”. Neste sentido, prevaleceu sobre as ideologias ditas radicais a
disposição para o compromisso dos membros dos partidos e a vontade de apoiar um
Governo do PS. O Governo é efetivamente minoritário, mas sustentado por um
acordo parlamentar de incidência governativa. E este entendimento vem funcionando
já há seis meses, sem que se vislumbrem sinais próximos de rutura. “As pessoas
antes diziam que seria impossível, que os socialistas e os partidos mais à
esquerda nunca se entenderiam, que não aprovariam um programa de Governo e que
não aprovariam um Orçamento do Estado. Até agora, conseguiram isto tudo”. São
palavras de Rebelo de Sousa.
Ao defender a “geringonça” (termo de Paulo Portas) na predita entrevista ao influente jornal alemão, o Presidente sublinha
que, “até agora, PCP e BE aceitaram a realidade” e que “o programa que
implementam não está assim tão longe do que o governo conservador fez”. Marcelo
diz, aliás, “não ter a certeza” de que possam cair “hoje ou amanhã”. Isto
porque bloquistas e comunistas, embora continuem a deixar vir à tona as suas
posições de princípio, têm sabido pôr “a disposição para o compromisso” acima
“dos ideais” e é desta sabedoria pragmática que vem resultando a forma como
Portugal está a ser conduzido pelo Governo entre o compromisso à esquerda e a
observância das normas europeias. É por isso que se pode, de certo modo dizer
que a condução do país não diverge substancialmente – há exceções – da adotada
pelo Governo de Passos Coelho e Paulo Portas.
O Presidente dá exemplos de como a
disponibilidade para o compromisso da parte do PCP e do BE supera
pragmaticamente as linhas de força dos seus ideários:
“Ambos tinham dúvidas
sérias em relação à NATO e uma posição crítica em relação à UE, eram muito
críticos no que diz respeito ao mecanismo para o défice”.
Todavia, aproveitar a falta de clareza de
resultados subsequente às eleições legislativas de 4 de outubro de 2015
transformou-se na procura dum mecanismo de viabilização dum Governo que viesse
a contradizer, ao menos parcialmente, a linha política seguida na legislatura
anterior.
Marcelo discorda, por isso, daqueles que, “na
oposição”, vaticinam a queda do Governo para “hoje” ou para a “amanhã”, deixando
na entrevista ao referido periódico alemão uma profecia de alguma fé na
estabilidade política em Portugal, descolando dos que antecipam a queda
iminente do executivo: “Eu não tenho
tanta certeza”.
Empenhado em serenar os ânimos de Berlim quanto ao
rumo de Lisboa, o Presidente da República sublinhou que, por muito que o
Primeiro-Ministro socialista diga que é contra a austeridade, “a realidade é
como é”: “Podemos sonhar em mudar a UE um dia, quando a situação e os
equilíbrios de força forem outros. Mas não é esse o caso” atualmente. É então
caso para interrogar o Presidente sobre a sua convicção em sonhar uma Europa
diferente, melhor.
Questionado sobre o que levara países como Portugal, a
Espanha ou a Grécia a endividarem-se excessivamente, o Presidente pede
compreensão:
“Portugal passou em 40 anos de uma
economia colonial para uma economia de mercado europeia e ao mesmo tempo
construímos uma democracia. Isso custou dinheiro”.
E lembra que foi a Europa que em 2007 aconselhou: “Vamos fazer o que Keynes disse, avançar com
investimento público. Foi o que fizemos e o resultado é o valor da dívida”.
Sobre os refugiados, o Presidente elogiou Angela
Merkel pela política de os aceitar no país e por “ter percebido que esta crise
é um novo desafio para a Europa”. Crítico da “falta duma estratégia de longo
prazo” na atual UE, deixa um aviso “aos amigos nos Balcãs”: “a xenofobia e o populismo não são abordagens
viáveis a longo prazo para resolver os problemas”.
O
Presidente considerou que “a realidade é como é” e a UE condiciona a ação dos
executivos, mas tem agora tantos problemas (refugiados, migrações, Brexit, política de
segurança…)
que não pode perder um segundo “com problemas que em 2010 ou 2011 pareciam de
vida ou de morte”.
Marcelo
referiu ainda, na sua oposição às sanções de Bruxelas, que o Governo de Passos
Coelho “fez tudo” para cumprir as obrigações:
“Tinham um trabalho
muito difícil. Agora falamos apenas duma diferença de 0,4%. Na realidade, não é
quase nada quando comparado com o que tínhamos no passado e há que valorizar
também a enorme evolução conseguida. Nessa altura, foram por vezes 7% de novo
endividamento. Procuramos cumprir as nossas obrigações internacionais e temos a
impressão que nunca ninguém foi penalizado. Penalizar os cidadãos
portugueses, apesar dos esforços que fizeram, seria
verdadeiramente injusto”.
Marcelo
referiu, ainda, que muitos dos países que agora fecham as portas aos refugiados
devem muito à Europa e à Alemanha:
“Falta à Europa uma
estratégia de longo prazo. Sou um europeísta e continuo a acreditar na Europa.
Contudo, há cada vez mais europeus – até políticos europeus – que começam a
deixar de acreditar na Europa: defendem apenas os seus próprios interesses, e
falta-lhes gratidão”.
***
Já em declarações
aos jornalistas, à chegada a Berlim, antes duma receção a representantes da
comunidade portuguesa, na residência do embaixador de Portugal, e ladeado pelo
ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, Rebelo de Sousa apontara
que discutiria “inevitavelmente” com a chanceler Angela Merkel e com o
Presidente Joachim Gauck a questão das eventuais sanções a Portugal, expondo os
motivos pelos quais considera que o país não merece tal punição. Joachim Gauck,
pelos vistos, mostrou-se compreensivo, mas também indisponível para tratar do
assunto, dado não ser este da sua competência constitucional; Merkel, não sendo
obviamente a senhora duma decisão europeia, mostrou-se compreensiva e terá dado
esperanças ao Presidente português. A ver vamos.
Apesar de saber e
ter sublinhado que “é preciso não confundir a competência dos órgãos europeus
com o papel dos Estados” e que “há decisões que pertencem a órgãos europeus”,
como as sanções no quadro dos procedimentos por défice excessivo, o Presidente admitiu
a importância de sensibilizar Berlim, pela sua influência, para o esforço “que
foi feito no passado” e que “está a ser feito no presente e vai ser feito no
futuro” no nosso país, que é um Estado-Membro da União Europeia e da zona Euro.
É certo que “seria
uma indelicadeza para a Comissão, para os comissários europeus e até para o
Conselho Europeu” estar querer antecipar em definitivo “aquilo que vai ser uma
decisão a nível europeu”. Não obstante, o Chefe de Estado não esquece o papel
importante da Alemanha no Conselho e no Ecofin:
“É evidente que é
muito importante, como em relação a qualquer outro Estado europeu, e em relação
à Alemanha de uma forma muito impressiva, o explicar aquilo que eu tenho a
certeza que será importante ser compreendido, que é o esforço e os sacrifícios
que os portugueses fizeram, cumprindo os compromissos europeus no passado, e
daí o entender-se que esse esforço não deveria merecer qualquer tipo de sanção,
e o esforço que está a ser feito para continuar a cumprir os compromissos no
presente e no futuro.”.
Quanto às posições assumidas pelo
ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, que durante uma reunião dos
ministros das Finanças da UE (Ecofin), em Bruxelas,
manifestou a sua oposição ao adiamento da decisão de aplicar sanções a Portugal
e Espanha da parte da Comissão Europeia, Marcelo entendeu não dever nem querer
comentar “especificamente as declarações de um governante alemão”, dado não
querer imiscuir-se “em questões de política interna alemã”. Esta parece-me uma resposta
evasiva, já que o Ecofin não é uma instância alemã, mas europeia, e o Ministro
não falara em nome da Alemanha, mas como membro da instância europeia em causa
e pareceu dar força àqueles que no interior da Comissão se mostram mais severos
para com os países ibéricos – o que não foram em tempo para com a França por défice
elevado e com a Alemanha por superavit excessivo.
Marcelo faz bem ou em não se
pronunciar sobre tudo e mais alguma coisa, quando podem estar em causa as
relações internacionais do país ou assumir uma atitude apaziguadora. Porém, não
necessita de navegar pela ambiguidade ou pela subserviência. E aquela de deixar
um obrigado a Berlim e assumir que “há uma falta de gratidão em relação à Alemanha” não é outra coisa senão
subserviência, postura de bom aluno, no pior sentido.
É óbvio que, embora haja em tese razões para a aplicar
sanções a Portugal e Espanha por incumprimento por défice excessivo, a aplicação
em concreto torna-se injustiça atroz, dado o esforço que estes países vêm
fazendo e os problemas com que se tem defrontado Portugal. A sua aplicação
far-me-ia lembrar o velho princípio summum
ius summa iniuria (a aplicação da justiça formal em toda a
linha redunda na maior injúria, se não se considerarem algumas circunstâncias).
Por isso, Marcelo fez bem em falar com a Chancelaria
alemã, mas não tinha necessidade de deixar o público agradecimento (a justiça não se agradece) ou de enunciar a dívida de gratidão para com a Alemanha. Se esta investe
em Portugal, se é nosso cliente – tal sucede sobretudo no interesse alemão.
Quem é que mais lucrou com o descalabro financeiro dos países periféricos?
Sem a Alemanha não teríamos de democracia? É
discutível a resposta. Em todo o caso, interessava à Alemanha que Portugal
tivesse uma democracia de tipo representativo!
***
Por seu turno, o Primeiro-Ministro, após reunião com Martin Schulz, Presidente
do Parlamento Europeu, deixou explícito, em declarações aos jornalistas, que
não vai deixar que os portugueses voltem a sofrer “com mais sanções” assim como
não deseja o mesmo para outros países: “Não aceitamos
sanções para Portugal nem para outros países” – disse. Prometendo ir “encontrar uma
solução que permita evitar sanções a Portugal”, explicitou:
“Do ponto de vista nacional (…) isso
[sanções] seria muito injusto para os portugueses e incompreensível após todo o
trabalho conjunto que foi desenvolvido com a Comissão. A minha convicção é que
com o trabalho conjunto que temos vindo a fazer, iremos encontrar uma solução
que permita evitar sanções a Portugal”.
E justificou-se, clarificando com base no ideário do projeto europeu, que
anda bem esquecido ou obnubilado pelos interesses de alguns países:
“A União Europeia assenta num princípio de igualdade de Estados. Nós não
aceitamos que haja sanções para Portugal, mas também não aceitamos que existam
sanções para outros países (…). França está a fazer um esforço para realizar
reformas estruturais. Aquilo que nós precisamos de França, Alemanha ou Holanda
é que continuem a investir nestas reformas porque isso tinha um efeito de
arrastamento muito significativo sobre as outras economias mais fracas (…) Acha
que faria sentido eu dizer que a Alemanha devia ser sancionada? Ajudaria, mas
não é a solução”.
Sobre a afirmação de Marcelo entrevista ao Die Welt, em que o Presidente afirmou que o programa do atual
Governo não é “assim tão distante do de Passos”, assegurou:
“Acho que a mensagem que o Presidente quis transmitir (…) é que este
Governo se mantém fiel aos compromissos europeus e mantém como objetivo uma
consolidação saudável das nossas finanças públicas, apesar de adotarmos um
caminho diverso do caminho seguido pelo anterior governo”.
***
Até quando terá António Costa de tentar interpretar ou reescrever o que
Marcelo diz e nós a ver Marcelo a navegar em águas turvas sem acreditar numa
alternativa ao anterior quadriénio?
2016.06.04 – Louro de
Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário