A Caixa Geral de Depósitos (CGD) tem estado na berlinda nos
últimos dias. É o risco das baixíssimas notações pelas agências internacionais
de rating, a ampliação do número e
qualificação dos administradores, a reprogramação salarial e de carreiras e a
recapitalização do banco público. Não se deverá falar de reestruturação da CGD,
com o que isso hoje significa? Será que Bruxelas avalizará a recapitalização
sem contrapartidas de constrição?
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As agências de notação financeira
não têm em boa conta o banco público. Por exemplo, a Moody’s anunciou
recentemente, em comunicado, ter colocado o rating
da CGD, de ‘B1’, sob revisão para possível downgrade, o que significa que poderá cortar-lhe a notação,
alegando que a revisão reflete “as incertezas em torno da evolução do perfil de
crédito individual da CGD que apresenta riscos substanciais, mercê da sua fraca
capacidade de absorção de riscos e dos fracos buffers (almofadas) de capital relativamente às
exigências prudentes do BCE e do BdP.
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Outra questão que se levanta
respeita ao número de administradores e qualificação dos membros dos diferentes
órgãos sociais. O Conselho de Administração terá 19 administradores, sendo 7 executivos. O aumento do número e a decisão de
ter uma maioria de não executivos explicam-se, segundo o Ministro das Finanças,
pelo seguimento da prática do mercado e para permitir “o funcionamento das
comissões de controlo” da comissão executiva. O governante, em conferência de
imprensa, do passado dia 9 de junho, aduziu que o BPI tem 23 elementos, dos
quais 7 são executivos, enquanto o BCP tem 20 administradores (7 executivos).
No que
respeita à composição da comissão executiva, António Domingues, o novo
presidente, ex-vice-presidente do BPI, escolherá equipa da sua confiança, não
constando dela nenhum dos atuais gestores. Há já nomes na calha e que circulam
na esfera política, embora sem confirmação oficial. Prevê-se que a próxima
gestão liderada por Domingues seja alimentada por quadros com origem também no
BPI. São referidos Cabral Menezes, ex-BPI e que hoje está na Caixa Brasil,
Emídio Pinheiro, à frente do BFA (Angola), por designação do BPI, e dois diretores com responsabilidades nos
recursos humanos e no risco. No BPI, no pelouro dos recursos humanos, está
Tiago Marques e, no do risco, o diretor-geral é António Farinha de Morais (ex-administrador
executivo). Diz-se que ambos acompanharão Domingues
tal como um ex-diretor naquela instituição privada, agora na Vodafone, com
vocação para os sistemas de informação, que também poderá integrar a comissão
executiva, dado que a matéria conexa com os sistemas de informação desempenha,
em qualquer empresa, e em particular na banca, um papel importante
na gestão do sistema de controlo interno.
A
confirmarem-se os dados, Domingues privilegiará os vários territórios (recursos
humanos, risco, controlo) de
importância crucial no atual contexto da atividade bancária. Isto, porque hoje
o ambiente regulatório exige atenção acrescida ao tema da gestão do risco, ou
seja, do seu controlo pelos impactos no capital das instituições, que é um bem
escasso. E, em regra, o administrador com o pelouro do risco tem assento num
comité autónomo, sem ligação à área comercial, de modo a garantir que as
decisões são tomadas sem interferência. Por outro lado, os responsáveis dos
recursos humanos desempenham papel relevante na estratégia de ajustamento da
instituição às novas condições de mercado, o que passará pela redução de balcões
e de trabalhadores. Eis duas medidas de que praticamente não se fala e que
integram o plano de reorganização e recapitalização da Caixa negociado com Bruxelas!
Em dezembro
de 2015, a rede comercial do banco público em Portugal dispunha de 764
agências. Com presença em 23 países, a CGD é responsável por mais de 16 mil
empregos, dos quais 8410 em Portugal. E o banco estatal torna-se forte
candidato aos cortes a aplicar às instituições financeiras, como sucedeu e
ainda sucede a outros bancos.
O novo líder
da CGD irá também buscar para os órgãos sociais um homem da casa, o jurista
Lourenço Soares para estabelecer e manter a ligação com a megaestrutura
bancária. Porém, a escolha dos administradores não executivos será articulada
com António Costa, tendo sido convidados para vice-presidentes Leonor Beleza e
Rui Vilar. Por seu turno, o conselho fiscal será liderado por Guilherme
d’Oliveira Martins. São figuras com peso político e provenientes do bloco
central. Constam ainda da lista Pedro Norton, ex-Impresa, Bernardo Trindade,
ex-secretário do Estado de José Sócrates e gestor do Porto Bay. Mas o BCE, que
se pronunciará sobre os órgãos sociais, poderá levantar dúvidas quanto à intenção
de Domingues de acumular a presidência executiva com a não executiva (o que põe em
causa a aplicação da diretiva CRD4).
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Também não
percebo por que razão Domingues há de acumular a presidência da comissão
executiva com a não a da executiva, se efetivamente se pretende, como é dito,
uma efetiva supervisão e controlo da parte dos administradores não executivos
sobre a gestão. E não se percebe que o conselho de administração tenha 19
elementos, 12 não executivos: a outra banca tem, além dos acionistas de
referência, vários pequenos acionistas, que podem ali sentir-se representados.
A CGD tem um único acionista, o Estado. Só o alinhamento pelo resto da banca
não colhe; e, se se trata de imposição europeia, nada leva a crer que a Europa
tenha razão. Se é para otimizar as opções estratégicas, precisará o Conselho de
Administração de ter recrutado pessoas com conhecimentos sobre banca e com ligações
fortes ao sistema financeiro; e, se é para chamar ao banco público a sociedade
civil ou os interesses económico-sociais, então a escolha teria de ser mais
criteriosa e diversificada (empresários, trabalhadores, ordens profissionais,
sociedades, associações, religiões…).
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Quanto a remunerações, os órgãos sociais e trabalhadores da CGD, passam, por
decisão aprovada no Conselho de Ministros do passado dia 8 de junho, a alinhar
pela média praticada no setor, a cargo da respetiva comissão de vencimentos.
Esta é uma das medidas inscritas no plano de reorganização do maior grupo
português, cuja recapitalização pública será a última fase do processo e que
foi anunciada por Centeno na dita predita conferência. O Ministro declarou que
o objetivo é a possibilidade de os seus trabalhadores e os órgãos sociais terem
tratamento, em termos de remunerações e carreiras, idêntico ao do setor privado.
E advertiu que a CGD, o maior banco do sistema e maior grupo português, opera
no mercado em condições idênticas às dos concorrentes. Assim, o plano de reestruturação da CGD, a levar a cabo pela
administração, contemplará o fim dos limites salariais e de progressão da
carreira dos trabalhadores da CGD, até agora sujeitos aos tetos salariais
impostos pelo Estatuto do gestor Público (EGP).
Segundo o
Ministro das Finanças, pretende-se, no caso da gestão, que as remunerações
sejam atribuídas pelo que faz cada um e não pelo que fez no passado. Neste
momento, os ordenados dos administradores executivos da CGD são atribuídos com
base na média do rendimento dos últimos 3 anos (antes de assumirem funções), pelo “que os salários não têm limite”. Está em
causa o regime de exceção previsto no EGP, um “esquema de incentivos” que
Centeno classifica de “perverso”. Por exemplo, o último vice-presidente (renunciou já
ao cargo) auferia mensalmente 8 647 euros (14 meses), cerca de metade do que recebia o presidente (16,5 mil
euros), e menos que qualquer vogal da
mesma gestão (13,5 mil euros). Quando
era empresário, o seu vencimento (que serviu para o cálculo dos 8647
euros) era complementado com distribuição
de dividendos anuais. Mas a tabela de vencimentos da CGD destaca-se hoje por
ser a mais baixa do mercado. A título de exemplo: em 2015, a remuneração mensal
atribuída ao então vice-presidente do BPI era de 30 mil euros, valor que em
2013 (estando o banco
sob ajuda estatal) se situou
em 27 mil euros (sendo o diferencial reposto mal o BPI devolveu o
empréstimo).
O Governo
formalizará a nomeação dos novos órgãos, mas só depois de Bruxelas ter dado luz
verde às linhas gerais da injeção de fundos públicos. Isto, porque Domingues
condicionou a ida para a CGD à garantia de que o seu capital seria reforçado
pelo seu acionista, o Estado.
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Na sequência
de negociação prévia, decorrida nos últimos meses, o Governo enviou, a 10 de
junho, à DGComp a solução de recapitalização, que poderá decorrer de uma só vez
ou de modo faseado – podendo envolver uma operação harmónio, seguida de aumento
de capital – e vir a ultrapassar os 3000 milhões de euros. Mas, sobre o tema,
Centeno apenas adiantou que o capital que o Estado colocar na CGD terá de ser
visto como investimento e, para tanto, tem de gerar retorno – o que exige “que
a Caixa seja gerida por pessoas com experiência no setor”, o que justifica os
esforços que vão ser feitos.
E, se o Novo
Banco não for vendido ou exigir nova injeção de fundos, o Governo voltará a
tentar a sua integração na CGD. Mas apenas, se o ativo passar com o balanço
limpo, terá impacto positivo no capital do banco estatal.
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Que a CGD
precisa de reorganização, é certo, mas não devia passar por encerramento de
balcões de modo a deixar os pequenos clientes longe dos serviços. Precisa de capital
e o acionista tem de poder injetá-lo- não o devendo impedir a Comissão Europeia
ou o BCE. O banco público não pode ser privado da sua fonte; e o Estado tem de
acautelar as repercussões no défice público ou na dívida pública (se
investimento, como diz o Ministro, deve refletir-se na dívida, não?!). Porém, o acionista deve escolher bem os
administradores, exigir rigor e transparência (contra gestões danosas), pedir contas, intervir, elogiar, punir e demitir. Por
seu turno, a CGD, como banco público, não pode embarcar em aventuras
desnecessárias, mas dar o exemplo de serviço, nomeadamente pela concessão de crédito
às famílias e às empresas em melhores condições, embora com a exigência de
garantias a todos (A todos, mesmo!), sem os custos exorbitantes de comissões e
informações. Depois, deve informar em linguagem inteligível: que prejuízos, que
créditos mal parados, que dividendos para o acionista, quanto lhe dá em
impostos por rendimento de trabalho e de empresa e outros, quando, como e em quanto
o ajudou.
Se não for
assim (com mais
vantagens sociais e para o Estado), para que
servirá o banco público?
2016.06.12 – Louro de Carvalho
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