segunda-feira, 13 de junho de 2016

O sacerdote precisa de tempo e reflexão para preparar a homilia – III

Dando sequência a outros textos sobre a matéria, passo hoje à reflexão com base no texto-entrevista que o brasileiro Reinaldo Polito, Mestre em Ciências da Comunicação, escritor e conferencista deu ao Zenit – o mundo visto de Roma, publicada a 6 de junho pp.
Trata-se dum testemunho complementar da matéria refletida a partir de documentos oficiais do Magistério Eclesiástico, mas predominantemente ancorado nas melhores técnicas de comunicação, sem negar a especificidade da oratória sacra e, em particular, a homilia e o seu contexto litúrgico – em consonância com os documentos do Magistério Eclesiástico.   
O mencionado órgão de comunicação coloca o problema sob a forma de questões prévias:
Seria aconselhável um curso de oratória durante a preparação sacerdotal nos seminários? E no exercício do próprio ministério: como lidar com a pregação diária, que é parte essencial do múnus sacerdotal?”.
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Polito começa por dar resposta à questão da diferença ou não entre a oratória trabalhada por sacerdotes e a trabalhada por outros oradores. Com efeito, a diferença existente assenta, desde logo, no ponto de partida. “Os oradores que não têm atividades religiosas” sustentam a sua credibilidade nas “pesquisas e trabalhos que realizam”, nas “obras que escreveram” e nos “trabalhos que realizaram”. Porém, em quase todas as situações, têm de cuidar da apresentação, por si ou por outrem, para que a “sua mensagem seja acreditada”. Por seu turno, os sacerdotes iniciam as suas apresentações “com a credibilidade que a Igreja lhes confere”. Assim, a “confiança que o orador precisa de conquistar no início da apresentação, de alguma maneira, estará presente já no primeiro contacto com o público”. No entanto, há muitos “sacerdotes católicos que desejam aprimorar a arte de falar em público”, porque efetivamente se podem “valer dos mais diferentes recursos para atingir os seus objetivos. Não obstante, “quase sempre a sua argumentação se apoia na palavra da Bíblia”: ora usando “uma passagem das Escrituras Sagradas para exemplificar os seus argumentos”, ora “desenvolvendo os seus argumentos a partir dos ensinamentos da Bíblia”.
No respeitante ao modo como o sacerdote poderá hoje passar eficazmente a mensagem, o entrevistado defende que, em última análise, “os problemas e as aspirações da humanidade continuam praticamente os mesmos desde os primórdios” e mesmo “os pecados, os medos, as esperanças são questões perenes”. A mudança diz fundamentalmente respeito ao “contexto”. Por isso, se o sacerdote quer transmitir “de forma eficiente uma mensagem”, tem de saber “como esses problemas afetam a vida das pessoas nos dias de hoje”. Em vez de se “mostrar desconectado do seu tempo”, deve estar e mostrar-se “consciente das aflições, das alegrias, dos desafios presentes na vida de todos que procuram a igreja” (vd GS, 1). Só deste modo “poderá fazer com que a sua mensagem atinja o coração e a vontade das pessoas”.
Sobre a variedade de circunstâncias com que o sacerdote se depara (missa dominical, casamento, velório, batismo…), exigindo modalidades e estilos diferentes na mesma pessoa, o conferencista sentencia pela naturalidade das coisas e pela capacidade de adaptação do orador sagrado:  
“As situações são distintas, mas os aspetos relevantes da comunicação continuam praticamente os mesmos em todas as circunstâncias. A voz bem articulada, a pausa bem produzida, o ritmo envolvente, a expressão corporal elegante e harmoniosa, a concatenação lógica do raciocínio devem estar presentes em cada fala do sacerdote. Com um pouco de observação e habilidade o sacerdote fará as adaptações necessárias a cada momento. Saberá, assim, que o tom de voz usado em um velório deve ser distinto daquele exigido para celebrar um casamento, assim como o ritmo da missa dominical deve ser diverso do usado nos batismos.”.
E, assegurando não ser muito diferente daquilo que as pessoas fazem no seu dia a dia, diz:
“Um profissional, por exemplo, deve ter uma comunicação própria da vida corporativa para apresentar um projeto na empresa, diferente da forma como se apresenta para defender um trabalho académico e mais diferente ainda quando precisa de se expressar de maneira solta e intimista no relacionamento com amigos e familiares. Assim como nas atividades do sacerdote, sempre será preciso fazer ajustes e adaptações a cada tipo de apresentação.”.
Quanto à formação oratória no Seminário, entende que deve ter como escopo o cultivo das “caraterísticas” e do “potencial” da arte de falar em público. De resto, aduz que entre os grandes pregadores da história “não encontraremos nenhum semelhante ao outro”. E exemplifica:
“Vieira foi tão grandioso quanto Manuel Bernardes. Mesmo sendo contemporâneos e atravessando os séculos, os seus estilos foram distintos. Enquanto Vieira empolgava com seus voos oratórios, Bernardes recolhia-se em suas reflexões e cultivava a simplicidade.”.
Referindo que “no passado só poderia aspirar a ser um pregador aquele que tivesse voz forte”, cita J. I. Roquete na sua obra “Manual de eloquência sagrada”, de 1878, que determina:
“Quando a natureza não nos deu uma voz, por assim dizer, pregadora, não pode adquirir-se com arte, porque nenhuma arte pode fazer clara e sonora com uma voz naturalmente escura”.
Hoje, o problema não se põe assim, pois, “um curso que oriente o pregador a usar de forma correta e eficiente os modernos microfones, independentemente da força da sua voz”, poderá induzi-lo a “desenvolver boa qualidade de comunicação”. E o professor fornece indicações preciosas no atinente ao volume da voz, velocidade de fala, postura e gesticulação. Vejamos:
“Precisa o pregador também de aprender a alternar o volume da voz e a velocidade da fala a fim de que o ritmo seja sempre agradável, envolvente e instigante para que os ouvintes se sintam sempre motivados a acompanhar a sua mensagem. A postura e a gesticulação devem ser aspetos relevantes no curso de oratória nos seminários. O sacerdote que se posiciona de forma elegante e gesticula de maneira harmoniosa faz com que a sua mensagem chegue com mais facilidade aos ouvintes. A expressão corporal defeituosa é um sério empecilho para o bom desempenho do pregador.”.
Porém, adverte que as aulas deveriam privilegiar o estudo da retórica (retórica, a arte de bem falar; a oratória, a arte de bem falar em público): “Somente aquele que sabe como iniciar, preparar, desenvolver e concluir as suas pregações será bem compreendido pelos ouvintes”. E, sustentando que “nenhum curso será eficiente se não promover a prática constante dos conceitos teóricos, sugere que os “exercícios sejam gravados e avaliados”, para o estudante ter boa “consciência dos pontos positivos da sua comunicação” e dos aspetos a aperfeiçoar.
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Referindo-se a António Vieira, pressupõe que, se vivesse hoje, “talvez pudesse ser visto também como um pregador mediático”, pois “o que mudou foi o espetáculo tecnológico das pregações”. E, respondendo a quem censura a pregação espetáculo em prol da simplicidade e pureza de Bernardes, preconiza que “tanto uma quanto outra, desde que atinjam os seus objetivos e levem às pessoas a palavra de Deus, poderão receber o carimbo da eficiência”.
No concernente ao feedback a obter pelo sacerdote da parte do seu auditório, refere que, tal como noutras áreas, o sacerdote deve estar atento ao retorno que lhe chegue das suas pregações. Por exemplo, se as pessoas continuarem a acorrer para o ouvirem novamente, parece que “a sua comunicação e a sua mensagem cumprem bem a sua finalidade”; se, ao invés, o templo começar a esvaziar, “algum acerto de rumo deve ser realizado”. Depois, vêm as conversas informais com os fiéis, embora “sem demonstrar que deseja receber feedbacks”: “nas entrelinhas, nas observações, nos comentários casuais, o sacerdote poderá ter uma boa avaliação de como tem sido seu desempenho”.
Sobre extensão da homilia, linguagem e preparação e recursos vêm as seguintes indicações:
- Quanto à extensão,
 “A pregação deve ter a medida exata. Se o sacerdote falar menos do que deveria, deixará de aproveitar a oportunidade para que a mensagem seja comunicada na sua amplitude. Se, por outro lado, falar além do tempo razoável, cansará o público e perderá o interesse das pessoas.”.
- Quanto à linguagem, simples, para ser entendida, ou muito académica, para impressionar,
“A linguagem deve ser entendida pelos ouvintes. Houve época em que o sacerdote usava linguagem tão rebuscada que somente o juiz de direito, o diretor da escola e algumas poucas autoridades compreendiam o que dizia. Essa maneira de pregar sofreu alterações, foi simplificada para facilitar o entendimento do público. Mesmo assim, alguns continuam insistindo nas pregações mais complexas. O resultado é quase sempre negativo.”.
- Quanto à preparação e recursos,
“O sacerdote deve dedicar tempo e reflexão para preparar as suas homilias. É o momento em que ele mostra aos fiéis como os ensinamentos da Sagrada Escritura estão relacionados com os momentos que vivenciam no dia a dia. Aquele que improvisa ou não se prepara torna-se repetitivo, cansativo e até enfadonho. A homilia deve ser atraente pelo tema que desenvolve, pela relação das passagens da Bíblia com a realidade social, pela novidade que apresenta e pela motivação e competência oratória do sacerdote. Se faltar um ou mais desses ingredientes, poderá ocorrer o desinteresse dos fiéis.”.
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O entrevistado acaba por fazer um juízo avaliativo globalmente positivo da prestação usual:
“Os sacerdotes procuram falar a linguagem dos nossos dias e envolver as pessoas a partir de orientações para que resolvam os seus problemas, se aproximem da Igreja e tenham esperança em dias melhores”.
Para dizer que não se trata de novidade e que é um dever deles, já que “estão próximos da sua comunidade”, devendo, pois, preocupar-se “sempre com a maneira como se comportam”, recorre ao que diz o padre António Vieira no Sermão da Sexagésima:
“Sabeis, Padres Pregadores, porque fazem pouco abalo os nossos sermões? Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos. Porque convertia o Batista tantos pecadores? Porque, assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos”.
Finalmente, sugere que para atingir o ideal de pregação se deve:
“Falar tudo o que for preciso, no menor tempo possível; ser sempre uma novidade interessante para os fiéis; mostrar como a Igreja e a palavra da Bíblia estão presentes nas questões do seu dia a dia; ser uma conversa animada, natural, com envolvimento e disposição”.
E, porque ele tem procurado fazer todas as vezes em que fala em público, apresenta o Papa Francisco como um bom exemplo a seguir.
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Ora, dada importância da homilia, devendo disponibilizar-se aos fiéis o seu fruto e sendo recomendável, como diz o Papa, a preparação da homilia por sacerdotes e diáconos, com alguns fiéis, não se percebe a proibição absoluta da sua pronúncia a leigos. Entendo que ela seja da responsabilidade do celebrante e pronunciável, à partida, por si ou por concelebrante, por diácono ou até por bispo ou presbítero presente, embora não participante direto na celebração.
Porém, barrar essa possibilidade a leigo (até estudantes teologia visando o sacerdócio) e mesmo relegar eventuais testemunhos para fora da missa ou para o momento subsequente à oração depois da comunhão parece sobrepor a letra da IGRM (instrução geral do missal romano) e da IRS (instrução Redemptionis Sacramentum) ao espírito da liturgia e da palavra evangélica. Provavelmente seria de entender de forma normal os n.os 65-66 da IGRM e os correspondentes da IRS.
A celebração da Palavra e a comunhão por leigo, por falta de padre é só tolerada por Deus?  
Não é a salus animarum lex suprema? Valha-os António de Lisboa com sua língua santa!

2016.06.13 – Louro de Carvalho  

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