Dando sequência
a outros textos sobre a matéria, passo hoje à reflexão com base no
texto-entrevista que o brasileiro Reinaldo Polito, Mestre em Ciências da
Comunicação, escritor e conferencista deu ao Zenit – o mundo visto de Roma, publicada a 6 de junho pp.
Trata-se dum
testemunho complementar da matéria refletida a partir de documentos oficiais do
Magistério Eclesiástico, mas predominantemente ancorado nas melhores técnicas
de comunicação, sem negar a especificidade da oratória sacra e, em particular,
a homilia e o seu contexto litúrgico – em consonância com os documentos do Magistério
Eclesiástico.
O mencionado
órgão de comunicação coloca o problema sob a forma de questões prévias:
“Seria
aconselhável um curso de oratória durante a preparação sacerdotal nos
seminários? E no exercício do próprio ministério: como lidar com a pregação
diária, que é parte essencial do múnus sacerdotal?”.
***
Polito
começa por dar resposta à questão da diferença ou não entre a oratória trabalhada
por sacerdotes e a trabalhada por outros oradores. Com efeito, a diferença
existente assenta, desde logo, no ponto de partida. “Os oradores que não têm
atividades religiosas” sustentam a sua credibilidade nas “pesquisas e trabalhos
que realizam”, nas “obras que escreveram” e nos “trabalhos que realizaram”. Porém,
em quase todas as situações, têm de cuidar da apresentação, por si ou por
outrem, para que a “sua mensagem seja acreditada”. Por seu turno, os sacerdotes
iniciam as suas apresentações “com a credibilidade que a Igreja lhes confere”. Assim,
a “confiança que o orador precisa de conquistar no início da apresentação, de
alguma maneira, estará presente já no primeiro contacto com o público”. No entanto,
há muitos “sacerdotes católicos que desejam aprimorar a arte de falar em
público”, porque efetivamente se podem “valer dos mais diferentes recursos para
atingir os seus objetivos. Não obstante, “quase sempre a sua argumentação se
apoia na palavra da Bíblia”: ora usando “uma passagem das Escrituras Sagradas
para exemplificar os seus argumentos”, ora “desenvolvendo os seus argumentos a
partir dos ensinamentos da Bíblia”.
No respeitante
ao modo como o sacerdote poderá hoje passar eficazmente a mensagem, o
entrevistado defende que, em última análise, “os problemas e as aspirações da
humanidade continuam praticamente os mesmos desde os primórdios” e mesmo “os
pecados, os medos, as esperanças são questões perenes”. A mudança diz fundamentalmente
respeito ao “contexto”. Por isso, se o sacerdote quer transmitir “de forma
eficiente uma mensagem”, tem de saber “como esses problemas afetam a vida das
pessoas nos dias de hoje”. Em vez de se “mostrar desconectado do seu tempo”, deve
estar e mostrar-se “consciente das aflições, das alegrias, dos desafios
presentes na vida de todos que procuram a igreja” (vd GS, 1). Só deste modo “poderá fazer com que a sua mensagem
atinja o coração e a vontade das pessoas”.
Sobre a
variedade de circunstâncias com que o sacerdote se depara (missa dominical, casamento, velório, batismo…), exigindo modalidades e estilos diferentes na mesma pessoa,
o conferencista sentencia pela naturalidade das coisas e pela capacidade de
adaptação do orador sagrado:
“As situações são distintas, mas os aspetos relevantes da comunicação
continuam praticamente os mesmos em todas as circunstâncias. A voz bem
articulada, a pausa bem produzida, o ritmo envolvente, a expressão corporal
elegante e harmoniosa, a concatenação lógica do raciocínio devem estar
presentes em cada fala do sacerdote. Com um pouco de observação e habilidade o
sacerdote fará as adaptações necessárias a cada momento. Saberá, assim, que o
tom de voz usado em um velório deve ser distinto daquele exigido para celebrar
um casamento, assim como o ritmo da missa dominical deve ser diverso do usado
nos batismos.”.
E,
assegurando não ser muito diferente daquilo que as pessoas fazem no seu dia a
dia, diz:
“Um profissional, por exemplo, deve ter uma comunicação própria da vida
corporativa para apresentar um projeto na empresa, diferente da forma como se
apresenta para defender um trabalho académico e mais diferente ainda quando
precisa de se expressar de maneira solta e intimista no relacionamento com
amigos e familiares. Assim como nas atividades do sacerdote, sempre será
preciso fazer ajustes e adaptações a cada tipo de apresentação.”.
Quanto à formação oratória no Seminário, entende que deve ter como escopo o cultivo das “caraterísticas” e do “potencial” da arte de falar em público. De resto, aduz
que entre os grandes pregadores da história “não encontraremos nenhum
semelhante ao outro”. E exemplifica:
“Vieira foi tão grandioso quanto Manuel Bernardes. Mesmo sendo
contemporâneos e atravessando os séculos, os seus estilos foram distintos.
Enquanto Vieira empolgava com seus voos oratórios, Bernardes recolhia-se em
suas reflexões e cultivava a simplicidade.”.
Referindo que
“no passado só poderia aspirar a ser um pregador aquele que tivesse voz forte”,
cita J. I. Roquete na sua obra “Manual de
eloquência sagrada”, de 1878, que determina:
“Quando a natureza não nos deu uma voz, por assim dizer, pregadora, não
pode adquirir-se com arte, porque nenhuma arte pode fazer clara e sonora com uma
voz naturalmente escura”.
Hoje, o problema
não se põe assim, pois, “um curso que oriente o pregador a usar de forma
correta e eficiente os modernos microfones, independentemente da força da sua
voz”, poderá induzi-lo a “desenvolver boa qualidade de comunicação”. E o professor
fornece indicações preciosas no atinente ao volume da voz, velocidade de fala,
postura e gesticulação. Vejamos:
“Precisa o pregador também de aprender a alternar o volume da voz e a
velocidade da fala a fim de que o ritmo seja sempre agradável, envolvente e
instigante para que os ouvintes se sintam sempre motivados a acompanhar a sua
mensagem. A postura e a gesticulação devem ser aspetos relevantes no curso de
oratória nos seminários. O sacerdote que se posiciona de forma elegante e
gesticula de maneira harmoniosa faz com que a sua mensagem chegue com mais
facilidade aos ouvintes. A expressão corporal defeituosa é um sério empecilho
para o bom desempenho do pregador.”.
Porém, adverte
que as aulas deveriam privilegiar o estudo da retórica (retórica, a arte
de bem falar; a oratória, a arte de bem falar em público): “Somente
aquele que sabe como iniciar, preparar, desenvolver e concluir as suas
pregações será bem compreendido pelos ouvintes”. E, sustentando que “nenhum
curso será eficiente se não promover a prática constante dos conceitos teóricos,
sugere que os “exercícios sejam gravados e avaliados”, para o estudante ter boa
“consciência dos pontos positivos da sua comunicação” e dos aspetos a
aperfeiçoar.
***
Referindo-se
a António Vieira, pressupõe que, se vivesse hoje, “talvez pudesse ser visto
também como um pregador mediático”, pois “o que mudou foi o espetáculo
tecnológico das pregações”. E, respondendo a quem censura a pregação espetáculo
em prol da simplicidade e pureza de Bernardes, preconiza que “tanto uma quanto
outra, desde que atinjam os seus objetivos e levem às pessoas a palavra de
Deus, poderão receber o carimbo da eficiência”.
No concernente ao feedback a
obter pelo sacerdote da parte do seu auditório, refere que, tal como noutras
áreas, o sacerdote deve estar atento ao retorno que lhe chegue das suas pregações.
Por exemplo, se as pessoas
continuarem a acorrer para o ouvirem novamente, parece que “a sua comunicação e
a sua mensagem cumprem bem a sua finalidade”; se, ao invés, o templo começar a
esvaziar, “algum acerto de rumo deve ser realizado”. Depois, vêm as conversas
informais com os fiéis, embora “sem demonstrar que deseja receber feedbacks”: “nas
entrelinhas, nas observações, nos comentários casuais, o sacerdote poderá ter
uma boa avaliação de como tem sido seu desempenho”.
Sobre extensão da homilia, linguagem e preparação e recursos vêm as seguintes
indicações:
- Quanto à extensão,
“A pregação deve ter a medida exata.
Se o sacerdote falar menos do que deveria, deixará de aproveitar a oportunidade
para que a mensagem seja comunicada na sua amplitude. Se, por outro lado, falar
além do tempo razoável, cansará o público e perderá o interesse das pessoas.”.
- Quanto à linguagem,
simples, para ser entendida, ou muito académica, para impressionar,
“A linguagem deve ser entendida pelos ouvintes. Houve época em que o
sacerdote usava linguagem tão rebuscada que somente o juiz de direito, o
diretor da escola e algumas poucas autoridades compreendiam o que dizia. Essa
maneira de pregar sofreu alterações, foi simplificada para facilitar o
entendimento do público. Mesmo assim, alguns continuam insistindo nas pregações
mais complexas. O resultado é quase sempre negativo.”.
- Quanto à preparação
e recursos,
“O sacerdote deve dedicar tempo e reflexão para preparar as suas homilias.
É o momento em que ele mostra aos fiéis como os ensinamentos da Sagrada
Escritura estão relacionados com os momentos que vivenciam no dia a dia. Aquele
que improvisa ou não se prepara torna-se repetitivo, cansativo e até enfadonho.
A homilia deve ser atraente pelo tema que desenvolve, pela relação das
passagens da Bíblia com a realidade social, pela novidade que apresenta e pela
motivação e competência oratória do sacerdote. Se faltar um ou mais desses
ingredientes, poderá ocorrer o desinteresse dos fiéis.”.
***
O entrevistado
acaba por fazer um juízo avaliativo globalmente positivo da prestação usual:
“Os sacerdotes procuram falar a linguagem dos nossos dias e envolver as
pessoas a partir de orientações para que resolvam os seus problemas, se
aproximem da Igreja e tenham esperança em dias melhores”.
Para dizer
que não se trata de novidade e que é um dever deles, já que “estão próximos da
sua comunidade”, devendo, pois, preocupar-se “sempre com a maneira como se
comportam”, recorre ao que diz o padre António Vieira no Sermão da Sexagésima:
“Sabeis, Padres Pregadores, porque fazem pouco abalo os nossos sermões?
Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos. Porque convertia o
Batista tantos pecadores? Porque, assim como as suas palavras pregavam aos
ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos”.
Finalmente,
sugere que para atingir o ideal de pregação se deve:
“Falar tudo o que for preciso, no menor tempo possível; ser sempre uma novidade
interessante para os fiéis; mostrar como a Igreja e a palavra da Bíblia estão
presentes nas questões do seu dia a dia; ser uma conversa animada, natural, com
envolvimento e disposição”.
E, porque
ele tem procurado fazer todas as vezes em que fala em público, apresenta o Papa
Francisco como um bom exemplo a seguir.
***
Ora,
dada importância da homilia, devendo disponibilizar-se aos fiéis o seu fruto e
sendo recomendável, como diz o Papa, a preparação da homilia por sacerdotes e diáconos,
com alguns fiéis, não se percebe a proibição absoluta da sua pronúncia a leigos.
Entendo que ela seja da responsabilidade do celebrante e pronunciável, à
partida, por si ou por concelebrante, por diácono ou até por bispo ou presbítero
presente, embora não participante direto na celebração.
Porém,
barrar essa possibilidade a leigo (até estudantes teologia
visando o sacerdócio)
e mesmo relegar eventuais testemunhos para fora da missa ou para o momento subsequente
à oração depois da comunhão parece sobrepor a letra da IGRM (instrução
geral do missal romano)
e da IRS (instrução Redemptionis
Sacramentum) ao
espírito da liturgia e da palavra evangélica. Provavelmente seria de entender
de forma normal os n.os 65-66 da IGRM e os correspondentes da IRS.
A
celebração da Palavra e a comunhão por leigo, por falta de padre é só tolerada
por Deus?
Não
é a salus animarum lex suprema?
Valha-os António de Lisboa com sua língua santa!
2016.06.13 – Louro de Carvalho
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