Obviamente que a escolha do líder partidário em
eleições diretas obnubila o esplendor da sessão magna do órgão máximo de debate
e opções políticas no partido. No entanto, os congressos dos partidos não se transformam
numa espécie de verbo-de-encher, porquanto os congressistas podem usar da
palavra, debatem as diversas moções estratégicas e os militantes que na sua
qualidade de delegados ao Congresso dão corpo a tais moções, mesmo minoritárias,
podem integrar os órgãos colegiais partidários, dado que os estatutos consagram
o sistema de representação proporcional. Por outro lado, convites que sejam
endereçados a determinadas vozes críticas têm o mérito de, se aceites, integrar
em certa medida algo dos fumos críticos, relativizando o efeito perverso e
demolidor da palavra e ação de um opositor que ficasse fora do baralho. Depois,
os Congressos mostram alguns números de episódio pitoresco.
Ora, encaixa nestes parâmetros o XXI Congresso do PS e
primeiro desde as eleições legislativas de 4 de outubro de 2015, que ditaram a
não vitória eleitoral do Partido Socialista, mas criaram as condições políticas
para a governação socialista com o apoio tático do PCP, BE e PEV e alguma
sintonia do PAN – que Marcelo Rebelo de Sousa vem homologando.
***
A lista do secretário-geral do PS, encabeçada pela secretária-geral
adjunta, Ana Catarina Mendes, para a Comissão Nacional conseguiu 233 dos 251
lugares (92,8% dos
votos), enquanto a lista encabeçada por
Daniel Adrião obteve 18 lugares. Entre os primeiros lugares da lista de Ana
Catarina, estão dois dos principais representantes da Tendência Sindical Socialista, Rui Riso (UGT) e Carlos Trindade (CGTP-IN), ocupando respetivamente as 6.ª e 8.ª posições. A inclusão
destes nomes responde ao objetivo da direção do PS de colocar mais
representantes da esfera sindical, assim como ativistas sociais, na Comissão
Nacional, o órgão máximo entre congressos.
Na parte cimeira duma lista que apresenta 251 efetivos (sendo 233 os
que constituem a linha maioritária), estão
figuras preponderantes, como: António Correia de Campos, antigo ministro da
Saúde (2.º lugar); o diplomata Alexandre Leitão (4.º lugar); a eurodeputada Maria João Rodrigues (7.º lugar); o deputado Miranda Calha (8.º lugar); a Secretária de Estado Ana Sofia Antunes (10.º lugar) e o ex-dirigente Sérgio Sousa Pinto (5.º Lugar), que se demitira do Secretariado Nacional do PS por
discordar do acordo político com o BE e o PCP para a formação do XXI Governo.
A lista de Daniel Adrião apresenta em 3.ª posição a militante Cristina
Martins, que na Federação de Coimbra denunciou o caso de fichas falsas, o que já
levou à suspensão de quase duas dezenas de militantes afetos à corrente de Pedro
Coimbra, o atual líder daquela distrital.
***
Francisco Assis continua a ser, no congresso e no pós-congresso, o
rosto mais persistente e claro da oposição à geringonça PS/BE/PCP/PEV. O
seu discurso, dos mais esperados, centrou-se na Europa. Ele aguardou
pacientemente pela sua vez numa das últimas filas do pavilhão, depois de
tirar a senha – desta vez, inovou-se condicionando-se a intervenção dos
congressistas à inscrição prévia e ao levantamento da respetiva senha – sendo
alvo de fotografias, não só de fotojornalistas, mas também de militantes e o 41.º
a tomar a palavra. Recebeu assobios no início, mas foi aplaudido no fim.
Compareceu e inscreveu-se “por um indeclinável dever de lealdade” para com o partido
e a “família política”, porque, “em democracia há o direito a dizer
publicamente o que pensamos, fazê-lo sempre sem disfarces”. E o líder do PS deu
a mão ao debate democrático.
Outro crítico da
estratégia do PS a governar foi e é Eurico Brilhante Dias, que interveio mais
tarde, não fazendo como vários outros congressistas que prescindiram da palavra,
dado o atraso nos trabalhos, porque assume integralmente “que uma solução política que António Costa propôs ao
partido era frágil” e, como militante, considera que “o PS deve abrir-se não só
à sua esquerda como à sua direita, pelo Estado social, escola pública, serviço
nacional de saúde”. Porém, mostra “total solidariedade” com
o programa político aprovado por unanimidade:
“Tudo farei para que o
programa do PS seja aplicado de forma fiel, porque palavra dada é palavra
honrada. Para aqueles que tiveram medo e estavam revoltados, poderem votar no PS
nas próximas eleições.”.
Também Álvaro Beleza acenou ao secretário-geral com o aviso
de que o PS não pode “andar a reboque” de outros partidos.
Estes críticos ficaram, sem
ressentimento, fora dos órgãos partidários nacionais.
***
E houve ministros criticados. Eduardo Cabrita e Vieira
da Silva, apesar de militantes de longa data, estiveram sob o foco da crítica. Também
Santos Silva, Mário Centeno e Caldeira Cabral, como outros, não foram poupados.
O Ministro-Adjunto, com a tutela do poder local, não podia dizer que “não
faz sentido voltar ao passado” para rever o mapeamento das freguesias. Por
isso, houve um apelo ao Presidente da Associação de Municípios, Manuel Machado,
para que as palavras dos autarcas fossem ouvidas. E o próprio Manuel Machado, também
Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, deixou conselhos ao Governo e a Eduardo
Cabrita, defendendo a necessidade de democratizar as CCDR e promover a
descentralização administrativa do Estado, começando por pôr em prática “uma
nova lei de financiamento local” e “acelerar a aplicação de fundos comunitários
do programa Portugal 2020”.
O Governo foi visado por militantes emigrantes pela falta de entrosamento
entre o PS nacional e as secções socialistas no estrangeiro. Neste sentido, Tiago
Pereira, da secção socialista de Macau, chegou a avançar com uma proposta para
que os socialistas emigrantes se sintam mais incluídos: o voto eletrónico. É um
recado para Augusto Santos Silva.
Muitos congressistas, sobretudo jovens socialistas, criticaram as condições
laborais existentes no país, nomeadamente a precariedade laboral e os falsos
recibos verdes – críticas que Vieira da Silva não ignorou. Também foi abordada
a problemática atinente à Segurança Social. Pedro Simões Pereira, deputado da
Assembleia Municipal de Benavente e candidato à Assembleia da República na
lista de Santarém, encabeçada por Vieira da Silva, deixou conselho ao ministro:
“Embora os consensos à esquerda funcionem, é preciso consensos à direita em
matérias como a Segurança Social” – conselho corroborado dentro do partido por
alguns militantes e também por cidadãos a ele exteriores, nomeadamente o
próprio Passos Coelho.
Um dos temas a que devia ter sido conferida mais visibilidade e que é
tantas vezes tema central de debate na sociedade é a saúde. Porém, o tema foi
tocado poucas vezes ao longo do segundo dia de congresso. Não obstante, houve
quem o tenha incluído na discussão, embora sem grande impacto naquela
assembleia magna. José Abraão, um dos socialistas sindicalistas mais notórios,
trouxe o tema ao interior do Pavilhão 1 da FIL e deixou uma sugestão a Adalberto
Campos Fernandes: “Para não pôr em causa
o SNS, temos de dizer não à privatização da ADSE”.
Ricardo Gonçalves, conhecido por ser crítico da atual solução governativa,
embora tenha subscrito “as palavras de Assis”, centrou a sua intervenção nos
dados económicos – recados para os ministros das Finanças e da Economia.
Segundo o militante socialista, os resultados económicos alcançados são fracos
e o PS corre o risco de cometer “o maior falhanço político desde o 25 de
abril”. Para o interveniente, o crescimento económico e o défice deveriam estar
a melhorar mais do que estão porque há muitas frentes de combate no Governo.
Exemplo disso, afirmou, “é a moção aqui apresentada, que se dedica mais a
justificar o Governo do que a projetar o futuro”. Na mesma linha se posicionou
Pedro Caetano, para quem os resultados económicos conseguidos pelo Governo são
sinónimo de um Executivo “fraco, sem mobilismo e sem reformas”. Verificando que
o desemprego, o défice e o crescimento económico estão aquém do esperado,
concluiu que o PS perderá as autárquicas, se o rumo não mudar e deixou a
crítica às preocupações excessivas que o Governo tem com os partidos que o
sustentam.
E António Costa também foi visado, e numa das suas principais bandeiras: as
35 horas de trabalho semanal na administração pública. José Luís Correia opinou
não ser este “o momento adequado” para avançar com a medida e acusou a
governação de estar “demasiadamente concentrada no Parlamento e não nos
ministérios”.
***
Entre os episódios pitorescos, destacam-se: a presença de Guterres, no
equívoco de gostar e não gostar de estar nos congressos (pois foi por
vontade própria que deixou a liderança do partido, aceitou ser ACNUR e agora
ninguém o obriga a candidatar-se a secretário-geral da ONU); e António Arnaut, a tecer elogios ao Presidente da
República pelo modo como ele pretende cumprir a Constituição.
Por mim, não aprecio a comparência de Guterres com aquela expressão de pena
sentida por não ter estado ou por vir a não poder estar em Congressos de PS. E,
quanto ao Presidente, revejo-me na crítica que Vasco Pulido Valente faz na
entrevista ao Expresso do dia 4 de
junho:
“Falta-lhe autoridade, falta-lhe uma visão, falta
resolução […]. A autoridade exige uma certa gravitas
e uma certa distância, e ele tem pouca autoridade neste momento […]. Ele fala
de tudo, mas diz lugares comuns sobre tudo, incluindo coisas que não sabe.”.
***
O Congresso foi pacífico: poucos foram os congressistas que deixaram
críticas e recados e muitos foram os que teceram loas. Porém, há que te em
conta a pequena minoria, informalmente encabeçada por Francisco Assis, que se
assumiu contra a atual liderança do partido e, consequentemente, do governo do país.
Se Assis centrou a intervenção nas coligações feitas pelo PS com os partidos à
esquerda, usando a Europa para mostrar que os partidos que sustentam o Governo
têm mais diferenças do que semelhanças com o PS, outros críticos fixaram-se
noutras vertentes – as internas – como se deixou explicitado acima. Foram críticas
bastantes suaves e algo escassas, parcialmente eclipsadas, nalguns casos, pelos
vários elogios feitos nas mais de 100 intervenções.
O Governo sai aliviado e satisfeito mas, tem de ponderar as sugestões de
melhoria. O Congresso
serviu para alinhar estratégia, distribuir argumentos e galvanizar as tropas
para o combate, sobretudo as que lidam pela 1.ª vez com a solução governativa
em que nunca tinha acreditado.
António Costa
encerrou o Congresso do PS com argumentos claros e pertinentes para os próximos
tempos políticos e prescrevendo a receita: “Sejam
otimistas porque faz bem à saúde”.
2016.06.05 – Louro de Carvalho
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