segunda-feira, 6 de junho de 2016

Os efeitos “pisca-pisca” do XXI Congresso do PS

Obviamente que a escolha do líder partidário em eleições diretas obnubila o esplendor da sessão magna do órgão máximo de debate e opções políticas no partido. No entanto, os congressos dos partidos não se transformam numa espécie de verbo-de-encher, porquanto os congressistas podem usar da palavra, debatem as diversas moções estratégicas e os militantes que na sua qualidade de delegados ao Congresso dão corpo a tais moções, mesmo minoritárias, podem integrar os órgãos colegiais partidários, dado que os estatutos consagram o sistema de representação proporcional. Por outro lado, convites que sejam endereçados a determinadas vozes críticas têm o mérito de, se aceites, integrar em certa medida algo dos fumos críticos, relativizando o efeito perverso e demolidor da palavra e ação de um opositor que ficasse fora do baralho. Depois, os Congressos mostram alguns números de episódio pitoresco. 
Ora, encaixa nestes parâmetros o XXI Congresso do PS e primeiro desde as eleições legislativas de 4 de outubro de 2015, que ditaram a não vitória eleitoral do Partido Socialista, mas criaram as condições políticas para a governação socialista com o apoio tático do PCP, BE e PEV e alguma sintonia do PAN – que Marcelo Rebelo de Sousa vem homologando.
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A lista do secretário-geral do PS, encabeçada pela secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendes, para a Comissão Nacional conseguiu 233 dos 251 lugares (92,8% dos votos), enquanto a lista encabeçada por Daniel Adrião obteve 18 lugares. Entre os primeiros lugares da lista de Ana Catarina, estão dois dos principais representantes da Tendência Sindical Socialista, Rui Riso (UGT) e Carlos Trindade (CGTP-IN), ocupando respetivamente as 6.ª e 8.ª posições. A inclusão destes nomes responde ao objetivo da direção do PS de colocar mais representantes da esfera sindical, assim como ativistas sociais, na Comissão Nacional, o órgão máximo entre congressos.
Na parte cimeira duma lista que apresenta 251 efetivos (sendo 233 os que constituem a linha maioritária), estão figuras preponderantes, como: António Correia de Campos, antigo ministro da Saúde (2.º lugar); o diplomata Alexandre Leitão (4.º lugar); a eurodeputada Maria João Rodrigues (7.º lugar); o deputado Miranda Calha (8.º lugar); a Secretária de Estado Ana Sofia Antunes (10.º lugar) e o ex-dirigente Sérgio Sousa Pinto (5.º Lugar), que se demitira do Secretariado Nacional do PS por discordar do acordo político com o BE e o PCP para a formação do XXI Governo.
A lista de Daniel Adrião apresenta em 3.ª posição a militante Cristina Martins, que na Federação de Coimbra denunciou o caso de fichas falsas, o que já levou à suspensão de quase duas dezenas de militantes afetos à corrente de Pedro Coimbra, o atual líder daquela distrital.
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Francisco Assis continua a ser, no congresso e no pós-congresso, o rosto mais persistente e claro da oposição à geringonça PS/BE/PCP/PEV. O seu discurso, dos mais esperados, centrou-se na Europa. Ele aguardou pacientemente pela sua vez numa das últimas filas do pavilhão, depois de tirar a senha – desta vez, inovou-se condicionando-se a intervenção dos congressistas à inscrição prévia e ao levantamento da respetiva senha – sendo alvo de fotografias, não só de fotojornalistas, mas também de militantes e o 41.º a tomar a palavra. Recebeu assobios no início, mas foi aplaudido no fim. Compareceu e inscreveu-se “por um indeclinável dever de lealdade” para com o partido e a “família política”, porque, “em democracia há o direito a dizer publicamente o que pensamos, fazê-lo sempre sem disfarces”. E o líder do PS deu a mão ao debate democrático.

Outro crítico da estratégia do PS a governar foi e é Eurico Brilhante Dias, que interveio mais tarde, não fazendo como vários outros congressistas que prescindiram da palavra, dado o atraso nos trabalhos, porque assume integralmente “que uma solução política que António Costa propôs ao partido era frágil” e, como militante, considera que “o PS deve abrir-se não só à sua esquerda como à sua direita, pelo Estado social, escola pública, serviço nacional de saúde”. Porém, mostra “total solidariedade” com o programa político aprovado por unanimidade:

“Tudo farei para que o programa do PS seja aplicado de forma fiel, porque palavra dada é palavra honrada. Para aqueles que tiveram medo e estavam revoltados, poderem votar no PS nas próximas eleições.”.

Também Álvaro Beleza acenou ao secretário-geral com o aviso de que o PS não pode “andar a reboque” de outros partidos.

Estes críticos ficaram, sem ressentimento, fora dos órgãos partidários nacionais.

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E houve ministros criticados. Eduardo Cabrita e Vieira da Silva, apesar de militantes de longa data, estiveram sob o foco da crítica. Também Santos Silva, Mário Centeno e Caldeira Cabral, como outros, não foram poupados.
O Ministro-Adjunto, com a tutela do poder local, não podia dizer que “não faz sentido voltar ao passado” para rever o mapeamento das freguesias. Por isso, houve um apelo ao Presidente da Associação de Municípios, Manuel Machado, para que as palavras dos autarcas fossem ouvidas. E o próprio Manuel Machado, também Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, deixou conselhos ao Governo e a Eduardo Cabrita, defendendo a necessidade de democratizar as CCDR e promover a descentralização administrativa do Estado, começando por pôr em prática “uma nova lei de financiamento local” e “acelerar a aplicação de fundos comunitários do programa Portugal 2020”.
O Governo foi visado por militantes emigrantes pela falta de entrosamento entre o PS nacional e as secções socialistas no estrangeiro. Neste sentido, Tiago Pereira, da secção socialista de Macau, chegou a avançar com uma proposta para que os socialistas emigrantes se sintam mais incluídos: o voto eletrónico. É um recado para Augusto Santos Silva.
Muitos congressistas, sobretudo jovens socialistas, criticaram as condições laborais existentes no país, nomeadamente a precariedade laboral e os falsos recibos verdes – críticas que Vieira da Silva não ignorou. Também foi abordada a problemática atinente à Segurança Social. Pedro Simões Pereira, deputado da Assembleia Municipal de Benavente e candidato à Assembleia da República na lista de Santarém, encabeçada por Vieira da Silva, deixou conselho ao ministro: “Embora os consensos à esquerda funcionem, é preciso consensos à direita em matérias como a Segurança Social” – conselho corroborado dentro do partido por alguns militantes e também por cidadãos a ele exteriores, nomeadamente o próprio Passos Coelho.
Um dos temas a que devia ter sido conferida mais visibilidade e que é tantas vezes tema central de debate na sociedade é a saúde. Porém, o tema foi tocado poucas vezes ao longo do segundo dia de congresso. Não obstante, houve quem o tenha incluído na discussão, embora sem grande impacto naquela assembleia magna. José Abraão, um dos socialistas sindicalistas mais notórios, trouxe o tema ao interior do Pavilhão 1 da FIL e deixou uma sugestão a Adalberto Campos Fernandes: “Para não pôr em causa o SNS, temos de dizer não à privatização da ADSE”.
Ricardo Gonçalves, conhecido por ser crítico da atual solução governativa, embora tenha subscrito “as palavras de Assis”, centrou a sua intervenção nos dados económicos – recados para os ministros das Finanças e da Economia. Segundo o militante socialista, os resultados económicos alcançados são fracos e o PS corre o risco de cometer “o maior falhanço político desde o 25 de abril”. Para o interveniente, o crescimento económico e o défice deveriam estar a melhorar mais do que estão porque há muitas frentes de combate no Governo. Exemplo disso, afirmou, “é a moção aqui apresentada, que se dedica mais a justificar o Governo do que a projetar o futuro”. Na mesma linha se posicionou Pedro Caetano, para quem os resultados económicos conseguidos pelo Governo são sinónimo de um Executivo “fraco, sem mobilismo e sem reformas”. Verificando que o desemprego, o défice e o crescimento económico estão aquém do esperado, concluiu que o PS perderá as autárquicas, se o rumo não mudar e deixou a crítica às preocupações excessivas que o Governo tem com os partidos que o sustentam.
E António Costa também foi visado, e numa das suas principais bandeiras: as 35 horas de trabalho semanal na administração pública. José Luís Correia opinou não ser este “o momento adequado” para avançar com a medida e acusou a governação de estar “demasiadamente concentrada no Parlamento e não nos ministérios”.
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Entre os episódios pitorescos, destacam-se: a presença de Guterres, no equívoco de gostar e não gostar de estar nos congressos (pois foi por vontade própria que deixou a liderança do partido, aceitou ser ACNUR e agora ninguém o obriga a candidatar-se a secretário-geral da ONU); e António Arnaut, a tecer elogios ao Presidente da República pelo modo como ele pretende cumprir a Constituição.
Por mim, não aprecio a comparência de Guterres com aquela expressão de pena sentida por não ter estado ou por vir a não poder estar em Congressos de PS. E, quanto ao Presidente, revejo-me na crítica que Vasco Pulido Valente faz na entrevista ao Expresso do dia 4 de junho:
“Falta-lhe autoridade, falta-lhe uma visão, falta resolução […]. A autoridade exige uma certa gravitas e uma certa distância, e ele tem pouca autoridade neste momento […]. Ele fala de tudo, mas diz lugares comuns sobre tudo, incluindo coisas que não sabe.”.
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O Congresso foi pacífico: poucos foram os congressistas que deixaram críticas e recados e muitos foram os que teceram loas. Porém, há que te em conta a pequena minoria, informalmente encabeçada por Francisco Assis, que se assumiu contra a atual liderança do partido e, consequentemente, do governo do país. Se Assis centrou a intervenção nas coligações feitas pelo PS com os partidos à esquerda, usando a Europa para mostrar que os partidos que sustentam o Governo têm mais diferenças do que semelhanças com o PS, outros críticos fixaram-se noutras vertentes – as internas – como se deixou explicitado acima. Foram críticas bastantes suaves e algo escassas, parcialmente eclipsadas, nalguns casos, pelos vários elogios feitos nas mais de 100 intervenções.
O Governo sai aliviado e satisfeito mas, tem de ponderar as sugestões de melhoria. O Congresso serviu para alinhar estratégia, distribuir argumentos e galvanizar as tropas para o combate, sobretudo as que lidam pela 1.ª vez com a solução governativa em que nunca tinha acreditado.
António Costa encerrou o Congresso do PS com argumentos claros e pertinentes para os próximos tempos políticos e prescrevendo a receita: “Sejam otimistas porque faz bem à saúde”.

2016.06.05 – Louro de Carvalho

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