segunda-feira, 27 de junho de 2016

“Construir pontes de amor e comunhão”

O Papa Francisco e Karekin II, o supremo Patriarca e Catholicos de todos os arménios, assinaram uma declaração comum, na Santa Etchmiadzin (centro espiritual de todos os arménios), na tarde do dia 26, antes do “Encontro com Delegados e Benfeitores da Igreja Apostólica Arménia” no Palácio Apostólico. Pela pertinência ecuménica destacam-se os pontos principais:
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- Dão graças, de mente e coração, “ao Todo-Poderoso pela progressiva e crescente proximidade na fé e no amor” entre as duas Igrejas “no seu testemunho comum à mensagem do Evangelho da salvação num mundo dilacerado por conflitos”, mas “desejoso de conforto e esperança”.
- Louvam a SS.ma Trindade por ter permitido esta reunião “na terra bíblica de Ararat”, que é uma terra de memória “de que Deus será para sempre a nossa proteção e salvação”.
- Evocam com prazer espiritual a visita de João Paulo II à Arménia, em 2001, pelos 1700 anos da proclamação do cristianismo como religião da Arménia, o que virou “uma nova página nas relações calorosas e fraternas entre a Igreja Arménia Apostólica e a Igreja Católica”.
- Exprimem gratidão pela graça de terem estado juntos “numa solene liturgia na Basílica de São Pedro em Roma” a 12 de abril de 2015, onde empenharam a vontade de se oporem “a toda a forma de discriminação e violência” e comemoraram as vítimas daquele que a Declaração Comum de João Paulo II e Karekin II (a 27 de Setembro de 2001) assinala “como o extermínio de um milhão e meio de cristãos arménios, naquele que geralmente é referido como o primeiro genocídio do século XX”.
- Louvam o Senhor por a fé cristã ser “novamente uma realidade vibrante na Arménia” e a Igreja Arménia “exercer a sua missão com espírito de colaboração fraterna entre as Igrejas, sustentando os fiéis na construção dum mundo de solidariedade, justiça e paz”.
- Assumem-se como “testemunhas duma tragédia imensa que se desenrola ante os nossos olhos”: inúmeras pessoas inocentes “são mortas, deslocadas ou forçadas a um exílio doloroso e incerto devido a contínuos conflitos por motivos étnicos, económicos, políticos e religiosos, no Médio Oriente e noutras partes do mundo”.
- Assinalam o fenómeno de “minorias religiosas e étnicas” serem “alvo de perseguição e tratamento cruel, a ponto de o sofrimento pela crença religiosa se tornar uma realidade diária”.
- Reconhecendo que “os mártires pertencem a todas as Igrejas e o seu sofrimento é um ecumenismo de sangue que transcende as divisões históricas entre os cristãos”, convidam todos a promoverem “a unidade visível dos discípulos de Cristo”.
- Rezam conjuntamente, “por intercessão dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, Tadeu e Bartolomeu, por uma mudança de coração em todos os que cometem tais crimes e nos que estão em posição de acabar com a violência”.
- Imploram “aos líderes das nações que ouçam o apelo de milhões de seres humanos que anseiam pela paz e justiça no mundo e pedem respeito pelos seus direitos dados por Deus, que têm necessidade urgente de pão, não de armas”.
- Reconhecem-se como “testemunhas duma apresentação fundamentalista da religião e valores religiosos”, com o uso de tal forma “para justificar a difusão de ódio, discriminação e violência”.
– Repudiam, por inaceitável, a justificação de crimes com base em conceções religiosas, porque “Deus não é um Deus de desordem, mas de paz” (1Cor 14,33).
- Convictos de que “o respeito pelas diferenças religiosas é condição necessária para a convivência pacífica de diferentes comunidades étnicas e religiosas” recordam que os cristãos são chamados a buscar e implementar caminhos de reconciliação e paz e expressam a esperança numa resolução pacífica das questões em torno de Nagorno-Karabakh.
- Conscientes do ensino de Jesus aos discípulos, ao clamar: “Tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo” (Mt 25,35-36), pedem aos fiéis que abram os corações e mãos às vítimas da guerra e do terrorismo, aos refugiados e suas famílias.
- Entendem que está em causa o próprio sentido da humanidade, solidariedade, compaixão e generosidade, “que só pode ser devidamente expresso na imediata partilha prática de recursos”. - Aceitando tudo o que já se está a fazer, insistem em que “é necessário muito mais, da parte dos líderes políticos e da comunidade internacional com vista à garantia do direito de todos viverem em paz e segurança, da defesa do Estado de direito, da proteção das minorias religiosas e étnicas, do combate ao tráfico de seres humanos e ao contrabando.
- Denunciam a secularização galopante de amplos setores da sociedade e a alienação das ligações espirituais e divinas que leva à visão materialista do homem e da família.
- Preocupados com a crise da família em muitos países, assumem que “a Igreja Apostólica Arménia e a Igreja Católica compartilham a mesma visão da família, fundada no matrimónio como ato de livre doação e de amor fiel entre um homem e uma mulher”.
- Confirmam que, “apesar das divisões que subsistem entre os cristãos”, percebem mais claramente que aquilo que nos une é muito mais do que aquilo que nos divide”, sendo esta “a base sólida sobre a qual será manifestada a unidade da Igreja de Cristo, de acordo com as palavras do Senhor: “que todos sejam um só” (Jo 17,21).
- Verificam que, nas últimas décadas, a relação entre as duas Igrejas “entrou com êxito numa nova fase”, fortalecida pelas orações comuns e mútuos esforços “a fim de superar os desafios contemporâneos”.
- Estão convencidos da importância crucial do avanço nesta relação ecuménica, “promovendo uma colaboração mais profunda e decisiva, não só na área da teologia, mas também na oração e na cooperação ativa no nível das comunidades locais, com o escopo de compartilhar a comunhão plena e expressões concretas de unidade”.
- Exortam os fiéis ao trabalho harmonioso pela promoção na sociedade dos valores cristãos que efetivamente contribuam para construir uma civilização de justiça, paz e solidariedade humana”, na “senda da reconciliação e da fraternidade”.  
- Confiam em que o Espírito Santo nos guie para a verdade completa (cf Jo 16,13) e sustente “todo o esforço genuíno por construir pontes de amor e comunhão”.
- Apelam aos fiéis para que se lhes juntem numa oração com as palavras de São Nerses, o Gracioso:
Glorioso Senhor, aceitai as súplicas dos vossos servos e, graciosamente, atendei os nossos pedidos, pela intercessão da Santa Mãe de Deus, João Batista, o primeiro mártir Santo Estêvão, São Gregório nosso Iluminador, os Santos Apóstolos, Profetas, Teólogos, Mártires, Patriarcas, Eremitas, Virgens e todos os vossos Santos no céu e na terra. E a Vós, Santa e Indivisível Trindade, seja glória e adoração por todo o sempre. Ámen”.
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Esta é mais uma declaração ecuménica conjunta a marcar a aproximação ecuménica e o pontificado de Francisco, na esteira dos seus predecessores.
Ora, perpassada do espírito ecuménico é também a alocução proferida pelo Papa no final da Divina Liturgia presidida por Karekin II, a que Francisco assistiu desde o lado direito do altar. Disse o Bispo de Roma:
“Encontramo-nos, abraçamo-nos fraternalmente, rezamos juntos, partilhamos os dons, as esperanças e as preocupações da Igreja de Cristo, da qual notamos em uníssono as pulsações do coração, e que acreditamos e sentimos ser una. ‘Há um só Corpo e um só Espírito, assim como (…) uma só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos’ (Ef 4,4-6): verdadeiramente podemos, com alegria, fazer nossas estas palavras do apóstolo Paulo.”
Pedro e Paulo deram a vida pelo Senhor em Roma; Bartolomeu e Tadeu proclamaram pela primeira vez o Evangelho naquelas terras. Agora – diz o Papa – eles que “reinam com Cristo no céu, decerto se alegram ao ver o nosso afeto e a nossa aspiração concreta à plena comunhão”.
E, depois de acentuar que, naquela Divina Liturgia, se elevou ao céu “o canto solene do triságio (Santo, Santo, Santo...), louvando a santidade de Deus”, Francisco implorou a descida abundante da “bênção do Altíssimo sobre a terra, pela intercessão da Mãe de Deus, dos grandes Santos e Doutores, dos Mártires, sobretudo da multidão de mártires ali canonizados em 2015 por Karenin II. E pediu que o Espírito Santo faça dos crentes um só coração e uma só alma e “venha refundar-nos na unidade”.
Fazendo votos para que “a Igreja arménia caminhe em paz e a comunhão entre nós seja plena”, espera que “surja em todos o forte anseio de unidade, unidade que não deve ser submissão de um ao outro, nem absorção, mas sim acolhimento de todos os dons que Deus deu a cada um para manifestar ao mundo inteiro o grande mistério da salvação realizado por Cristo Senhor através do Espírito Santo”. E, acolhendo o apelo dos Santos, ouvindo a voz dos humildes e dos pobres, das inúmeras vítimas do ódio que sofreram e sacrificaram a vida pela fé, sugere atenção “às gerações mais jovens, que pedem um futuro livre das divisões do passado”, sob os auspícios de São Gregório, que iluminou estas terras a cuja intercessão invoca “a luz do amor que perdoa e reconcilia”.
Finalmente, vem um pedido típico de Francisco (impensável nos antecessores), o da bênção da parte do Patriarca da Arménia para Francisco para a Igreja Católica e para o movimento ecuménico:
“E agora, Santidade, em nome de Deus, peço-vos que me abençoeis, que abençoeis a mim e à Igreja Católica, que abençoeis esta nossa corrida rumo à plena unidade”.
Cunctis benedictio Dei et voluntas hominum prosint!

2016.06.26 – Louro de Carvalho

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