O Papa Francisco e Karekin II, o supremo Patriarca e Catholicos de todos os arménios, assinaram
uma declaração comum, na Santa Etchmiadzin (centro espiritual de todos os arménios), na
tarde do dia 26, antes do “Encontro com
Delegados e Benfeitores da Igreja Apostólica Arménia” no Palácio Apostólico. Pela
pertinência ecuménica destacam-se os pontos principais:
***
- Dão graças, de
mente e coração, “ao Todo-Poderoso pela progressiva e crescente proximidade na
fé e no amor” entre as duas Igrejas “no seu testemunho comum à mensagem do
Evangelho da salvação num mundo dilacerado por conflitos”, mas “desejoso de
conforto e esperança”.
- Louvam a
SS.ma Trindade por ter permitido esta reunião “na terra bíblica de
Ararat”, que é uma terra de memória “de que Deus será para sempre a nossa
proteção e salvação”.
- Evocam com
prazer espiritual a visita de João Paulo II à Arménia, em 2001, pelos 1700 anos
da proclamação do cristianismo como religião da Arménia, o que virou “uma nova
página nas relações calorosas e fraternas entre a Igreja Arménia Apostólica e a
Igreja Católica”.
- Exprimem gratidão
pela graça de terem estado juntos “numa solene liturgia na Basílica de São
Pedro em Roma” a 12 de abril de 2015, onde empenharam a vontade de se oporem “a
toda a forma de discriminação e violência” e comemoraram as vítimas daquele que
a Declaração Comum de João Paulo II e Karekin II (a 27 de Setembro de 2001) assinala “como o extermínio de um milhão e meio de cristãos arménios, naquele que
geralmente é referido como o primeiro genocídio do século XX”.
- Louvam o Senhor
por a fé cristã ser “novamente uma realidade vibrante na Arménia” e a Igreja
Arménia “exercer a sua missão com espírito de colaboração fraterna entre as
Igrejas, sustentando os fiéis na construção dum mundo de solidariedade, justiça
e paz”.
- Assumem-se
como “testemunhas duma tragédia imensa que se desenrola ante os nossos olhos”:
inúmeras pessoas inocentes “são mortas, deslocadas ou forçadas a um exílio
doloroso e incerto devido a contínuos conflitos por motivos étnicos,
económicos, políticos e religiosos, no Médio Oriente e noutras partes do mundo”.
- Assinalam o
fenómeno de “minorias religiosas e étnicas” serem “alvo de perseguição e
tratamento cruel, a ponto de o sofrimento pela crença religiosa se tornar uma
realidade diária”.
-
Reconhecendo que “os mártires pertencem a todas as Igrejas e o seu sofrimento é
um ecumenismo de sangue que
transcende as divisões históricas entre os cristãos”, convidam todos a promoverem
“a unidade visível dos discípulos de Cristo”.
- Rezam
conjuntamente, “por intercessão dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, Tadeu e
Bartolomeu, por uma mudança de coração em todos os que cometem tais crimes e nos
que estão em posição de acabar com a violência”.
- Imploram “aos
líderes das nações que ouçam o apelo de milhões de seres humanos que anseiam
pela paz e justiça no mundo e pedem respeito pelos seus direitos dados por
Deus, que têm necessidade urgente de pão, não de armas”.
-
Reconhecem-se como “testemunhas duma apresentação fundamentalista da religião e
valores religiosos”, com o uso de tal forma “para justificar a difusão de ódio,
discriminação e violência”.
– Repudiam,
por inaceitável, a justificação de crimes com base em conceções religiosas,
porque “Deus não é um Deus de desordem, mas de paz” (1Cor 14,33).
- Convictos
de que “o respeito pelas diferenças religiosas é condição necessária para a
convivência pacífica de diferentes comunidades étnicas e religiosas” recordam
que os cristãos são chamados a buscar e implementar caminhos de reconciliação e
paz e expressam a esperança numa resolução pacífica das questões em torno de
Nagorno-Karabakh.
- Conscientes
do ensino de Jesus aos discípulos, ao clamar: “Tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era
peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e
visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo” (Mt 25,35-36), pedem aos fiéis que abram os corações e mãos às
vítimas da guerra e do terrorismo, aos refugiados e suas famílias.
- Entendem
que está em causa o próprio sentido da humanidade, solidariedade, compaixão e
generosidade, “que só pode ser devidamente expresso na imediata partilha
prática de recursos”. - Aceitando tudo o que já se está a fazer, insistem em
que “é necessário muito mais, da parte dos líderes políticos e da comunidade
internacional com vista à garantia do direito de todos viverem em paz e
segurança, da defesa do Estado de direito, da proteção das minorias religiosas
e étnicas, do combate ao tráfico de seres humanos e ao contrabando.
- Denunciam a
secularização galopante de amplos setores da sociedade e a alienação das
ligações espirituais e divinas que leva à visão materialista do homem e da
família.
- Preocupados
com a crise da família em muitos países, assumem que “a Igreja Apostólica
Arménia e a Igreja Católica compartilham a mesma visão da família, fundada no
matrimónio como ato de livre doação e de amor fiel entre um homem e uma mulher”.
- Confirmam
que, “apesar das divisões que subsistem entre os cristãos”, percebem mais
claramente que aquilo que nos une é muito mais do que aquilo que nos divide”,
sendo esta “a base sólida sobre a qual será manifestada a unidade da Igreja de
Cristo, de acordo com as palavras do Senhor: “que todos sejam um só” (Jo 17,21).
- Verificam
que, nas últimas décadas, a relação entre as duas Igrejas “entrou com êxito
numa nova fase”, fortalecida pelas orações comuns e mútuos esforços “a fim de
superar os desafios contemporâneos”.
- Estão convencidos
da importância crucial do avanço nesta relação ecuménica, “promovendo uma
colaboração mais profunda e decisiva, não só na área da teologia, mas também na
oração e na cooperação ativa no nível das comunidades locais, com o escopo de
compartilhar a comunhão plena e expressões concretas de unidade”.
- Exortam os
fiéis ao trabalho harmonioso pela promoção na sociedade dos valores cristãos
que efetivamente contribuam para construir uma civilização de justiça, paz e
solidariedade humana”, na “senda da reconciliação e da fraternidade”.
- Confiam em
que o Espírito Santo nos guie para a verdade completa (cf Jo 16,13) e sustente “todo o esforço genuíno
por construir pontes de amor e comunhão”.
- Apelam aos
fiéis para que se lhes juntem numa oração com as palavras de São Nerses, o
Gracioso:
Glorioso Senhor, aceitai as súplicas
dos vossos servos e, graciosamente, atendei os nossos pedidos, pela intercessão
da Santa Mãe de Deus, João Batista, o primeiro mártir Santo Estêvão, São
Gregório nosso Iluminador, os Santos Apóstolos, Profetas, Teólogos, Mártires,
Patriarcas, Eremitas, Virgens e todos os vossos Santos no céu e na terra. E a
Vós, Santa e Indivisível Trindade, seja glória e adoração por todo o sempre.
Ámen”.
***
Esta é mais
uma declaração ecuménica conjunta a marcar a aproximação ecuménica e o pontificado
de Francisco, na esteira dos seus predecessores.
Ora, perpassada
do espírito ecuménico é também a alocução proferida pelo Papa no final da Divina Liturgia presidida por Karekin II, a que
Francisco assistiu desde o lado direito do altar. Disse o Bispo de Roma:
“Encontramo-nos, abraçamo-nos
fraternalmente, rezamos juntos, partilhamos os dons, as esperanças e as
preocupações da Igreja de Cristo, da qual notamos em uníssono as pulsações do
coração, e que acreditamos e sentimos ser una.
‘Há um só Corpo e um só Espírito, assim
como (…) uma só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e
Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos’ (Ef 4,4-6):
verdadeiramente podemos, com alegria, fazer nossas estas palavras do apóstolo
Paulo.”
Pedro e Paulo
deram a vida pelo Senhor em Roma; Bartolomeu e Tadeu proclamaram pela primeira
vez o Evangelho naquelas terras. Agora – diz o Papa – eles que “reinam com
Cristo no céu, decerto se alegram ao ver o nosso afeto e a nossa aspiração
concreta à plena comunhão”.
E, depois de
acentuar que, naquela Divina Liturgia, se elevou ao céu “o canto solene do
triságio (Santo, Santo, Santo...), louvando a santidade de Deus”, Francisco implorou a descida abundante
da “bênção do Altíssimo sobre a terra, pela intercessão da Mãe de Deus, dos
grandes Santos e Doutores, dos Mártires, sobretudo da multidão de mártires ali
canonizados em 2015 por Karenin II. E pediu que o Espírito Santo faça dos crentes
um só coração e uma só alma e “venha refundar-nos
na unidade”.
Fazendo votos
para que “a Igreja arménia caminhe em paz e a comunhão entre nós seja plena”,
espera que “surja em todos o forte anseio de unidade, unidade que não deve ser submissão de um ao outro, nem absorção, mas
sim acolhimento de todos os dons que Deus deu a cada um para manifestar ao
mundo inteiro o grande mistério da salvação realizado por Cristo Senhor através
do Espírito Santo”. E, acolhendo o apelo dos Santos, ouvindo a voz dos humildes
e dos pobres, das inúmeras vítimas do ódio que sofreram e sacrificaram a vida pela
fé, sugere atenção “às gerações mais jovens, que pedem um futuro livre das
divisões do passado”, sob os auspícios de São Gregório, que iluminou estas
terras a cuja intercessão invoca “a luz do amor que perdoa e reconcilia”.
Finalmente,
vem um pedido típico de Francisco (impensável nos antecessores), o da bênção da parte do Patriarca da Arménia para
Francisco para a Igreja Católica e para o movimento ecuménico:
“E agora,
Santidade, em nome de Deus, peço-vos que me abençoeis, que abençoeis a mim e à
Igreja Católica, que abençoeis esta nossa corrida rumo à plena unidade”.
Cunctis benedictio Dei
et voluntas hominum prosint!
2016.06.26 – Louro de Carvalho
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