A seguir ao
mês de maio, tradicionalmente dedicado à Mãe de Jesus, vem o mês de junho
consagrado ao Sagrado Coração de Jesus. Tal sequência corresponde ao princípio
católico de que a Virgem Maria nos conduz a Jesus, no quadro do aforismo “Per Mariam ad Iesum”, tal como por Ela
nos foi dado Cristo, o Autor da vida. Os cristãos, no âmbito da fé, não
prescindem do papel de Maria, mas sabem que Ela não é o ponto de chegada do
culto e da devoção, mas o exemplo, o protótipo dos discípulos e seguidores de
Jesus, a mãe, a companheira, a intercessora (“Não têm vinho”: Jo 2,3).
Com efeito,
não é Ela o caminho, mas aponta o caminho, que é Cristo (cf Jo 14,6); Ela não é a porta, mas a serva e
guardiã da porta (só
neste sentido é que se chama porta do céu), que é Cristo, a porta das ovelhas (cf Jo 10,7). Não é ela autora da mensagem, mas
é a morada e a portadora da mensagem, dizendo-nos “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5);
não é a redentora, mas é a testemunha da redenção (Estava de pé junto à Cruz: cf Jo 19,25).
***
Este mês é
efetivamente dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. O coração é o ícone do amor que inunda o ser divino e superabunda
para as pessoas, para o povo de Deus. Deus é amor e quem vive amando permanece
em Deus (cf 1Jo 4,8ss). E Jesus é o rosto misericordioso
desse Amor divino a ponto de Se entregar até à morte e morte de cruz (cf Fl 2,8). Este coração amoroso corresponde,
na fisicidade, à cena bíblica em que, depois de crucificado Jesus, e
encontrando-O já morto, “um dos soldados
traspassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água” (Jo 19,34). E é desse lado
esvaído em sangue e água que a Igreja situa o seu nascimento, resultante da
entrega amorosa de Cristo por ela. E a Igreja começa a viver pelo sangue e água
do batismo em Cristo e vive em pleno a vida de Cristo na Eucaristia.
Assim, qualquer
devoção não pode ser estéril, não deve ser reduzida a ritualismo apenas, mas deve
orientar-se para Cristo. Deve (e, por maioria de razão, o culto ao Coração de Jesus) conduzir os fiéis a um discipulado amoroso
com Deus. Se queremos efetivamente ser discípulos e apóstolos ou missionários
de Jesus, devemos procurar ter um coração semelhante ao seu. Pio XII sublinha
que é o próprio Jesus quem toma a iniciativa de nos convidar para a intimidade
com o Seu Coração como fonte de alívio, retemperação e paz, ao citar as
palavras de Jesus:
“Vinde a mim todos vós que estais
cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei
de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para o
vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,28-30).
Ora, se o
Jesus é manso e humilde de coração, também o nosso o deve ser. Teremos de
procurar viver como Ele, amando como Ele, pautando a nossa vida pelos Seus
valores. No seu coração não cabe amargura, ódio, mágoas, intrigas, discórdias e
desavenças, mas amor e misericórdia.
O termo
hebraico para definir coração tem sentidos diversos dos que
nós manifestamos na nossa linguagem. O 2.º livro de Samuel entende o coração
como órgão vital do corpo: “tomou três dardos e lançou-os no coração de
Absalão, que ainda estava vivo” (2 Sm 18,14). Oseias, pelo
castigo de idolatria, diz que o coração é o centro das nossas emoções (cf Os 10,2ss). O povo hebreu concebia o coração como o interior
do homem num sentido mais amplo.
A par dos
sentimentos manifestados nas reações e relações humanas (Sl 21/20,3; Is 65,14), o coração alimenta as recordações,
os projetos, as decisões, pois Deus deu ao homem um coração para pensar e o
conduzir a Ele e descobrir os pensamentos de Deus sobre o plano de salvação que
persiste de idade em idade: “O desígnio de Deus permanece para sempre,
os projetos de seu coração vão de geração em geração” (Sl 33/32,11). O coração não é unicamente o
órgão vital nem de reações psicológicas ou intelectuais, mas conduz o homem
para o seu interior onde se encontra com Deus, como num santuário em que mais
ninguém entra (cf GS 16), e com ele dialoga como dois amigos
íntimos, abrindo-se numa conversa de confiança: “Abraão caiu com o rosto
por terra e pôs-se a rir e dizendo a si mesmo: acaso nascerá um filho de um
homem de cem anos, e Sara que tem noventa anos dará ainda à luz?” (Gn 17,17). É o coração do homem o lugar onde se
esconde a oração de confiança, da proteção divina, se guarda e se encontra a
presença de Deus nas horas mais incertas: “Talvez digas no teu coração:
Estas nações são mais numerosas do que eu, como poderemos conquistá-las?” (Dt 7,17).
Por isso, a
antropologia bíblica descobre que o coração do homem é a própria fonte da sua
personalidade, consciente e livre, e referencial da sua responsabilidade, o
lugar da Lei não escrita, o gabinete onde o homem faz as suas opções decisivas:
“Eles mostram a obra da lei gravada em seus corações, dando disto testemunho as
suas consciências e pensamentos que, alternadamente, se acusam ou defendem” (Rm 2,15; cf GS 16). É, pois, a partir do coração, enquanto
consciência, que o homem se abre ou fecha ante Deus, assume responsabilidades.
Por outro
lado, todos sabemos e sentimos que Deus reconforta o seu povo, porque o fogo de
Deus é um fogo de amor, de alento e não de destruição e morte. Deus não pensa
em destruir o seu povo: “Como poderia eu abandonar-te, ó Efraim,
entregar-te, ó Israel? Como poderia eu abandonar-te como a Adama, tratar-te
como a Seboim? O meu coração contorce-se dentro de mim, as minhas entranhas
comovem-se” (Os 11,8). Pela
rebeldia do coração do povo eleito, Israel, Deus promete colocar uma aliança
nova no fundo do seu coração e lhes dará um novo coração (cf Jr 31,33; 32,39). Deus tirará
o coração de pedra e dará um coração de carne, um espírito novo, uma nova união
definitiva (cf Ez 36,26).
Nos evangelhos
sinóticos, Jesus esclarece donde provêm as más inclinações e, por consequência,
qual deve ser a verdadeira atitude dos seus discípulos. É do coração que
procedem os maus desejos, homicídios, adultérios e todas as coisas que tornam
impuro o homem (cf Mt 15,11.19s; Mc
7,6-23; Lc 11,37-41). Lembra a
exigência divina da generosidade interior para receber a palavra num coração
aberto ao amor a Deus de todo o coração e é aos corações puros que Jesus
promete a visão de Deus (cf Lc 8,15; Mt 22,37;
5,8). Mais: Jesus apresenta-Se como
paradigma de um coração generoso. Uma nova pregação inculcada no órgão mais
inflamado e com reações espontâneas e imediatas. O seu coração está sempre
aberto a ajudar e ensinar, a ponto de nos convidar a tomar sobre nós o seu jugo
e a aprender com Ele (cf Mt 11,29). Com
efeito, o amor do Pai enviou o Filho aos nossos corações para que, resgatados e
adotados, alcancemos a herança eterna e a filiação divina (Gl 4,6).
Na Última
Ceia, o discípulo predileto fez a experiência do Coração de Jesus ao
reclinar-se sobre o peito do Senhor (cf Jo 13,23). E, diante da cruz, testemunhou o Coração de Jesus transpassado pela
lança do soldado do qual, como já vimos, jorrou sangue e água (Jo 19,34-37), cumprindo-se então a profecia de
Zacarias: “Olharão para aquele que
transpassaram” (Zc
12,10). É nestas cenas
do Cenáculo e do Calvário que radica e se inicia a devoção ao Sagrado Coração
de Jesus.
***
A devoção ao
Coração de Jesus foi muito comum na Idade Média, principalmente no mosteiro
beneditino de Helfta, em que professaram as santas Matilde e Gertrudes,
conhecidas pelos seus escritos sobre o Coração Cristo. O culto litúrgico ao
Coração de Jesus foi promovido por São João Eudes (1601-1680). O bispo diocesano autorizou-o a
celebrar a festa do Coração de Jesus no dia 31 de agosto, nas casas da
congregação por ele fundadas.
Não obstante,
o Coração divino foi muito esquecido pelos homens, até que, em 1675, durante a
oitava da festa do Corpus Christi,
Jesus faz a Margarida Maria Alacoque a Grande
Revelação:
“Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até
se esgotar e se consumir para lhes testemunhar o seu amor. Em reconhecimento,
não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências,
sacrilégios e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Porém,
o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim. Por isto,
te peço que a 1.ª sexta-feira após a oitava do Santíssimo Sacramento seja
dedicada a uma festa particular para honrar o Meu Coração, comungando neste dia
e reparando-O pelos insultos que recebeu durante o tempo em que foi exposto
sobre os altares. Prometo-te que o Meu Coração se dilatará para derramar os
influxos de Seu amor divino sobre aqueles que Lhe prestarem esta honra”.
Na verdade,
as aparições a esta devota no mosteiro de Paray-le-Monial (1647-1690) deram um grande impulso a esta
devoção sob a orientação pragmática do jesuíta São Claudio de la Colombiere. A
festa foi aprovada, primeiramente na Polónia e na Espanha, pelo Papa Clemente
XIII em 1765. Porém, somente em 1856, Pio IX estendeu a festa a toda a Igreja.
E, em 1889, foi elevada a categoria litúrgica de 1.ª classe com oitava por Leão
XIII. Trata-se da festa de reparação ao Amor que não é amado. Paulo VI elevou-a
à categoria de solenidade convidando-nos a aproximar-nos do Coração de Cristo e
a beber com alegria da fonte de salvação.
Das aparições
a Margarida Maria ressaltam as 12 promessas do Coração de Jesus (cf Is 12,3):
1. A sua bênção permanecerá nas casas em que se achar exposta
e venerada a imagem do seu Sagrado Coração.
2. Dará aos devotos do seu Coração todas as graças
necessárias ao seu estado.
3. Estabelecerá e conservará a paz nas suas famílias.
4. Consolá-los-á em todas as suas aflições.
5. Será o seu refúgio seguro na vida e principalmente na hora
da morte.
6. Lançará bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e
empreendimentos.
7. Os pecadores encontrarão no seu Coração fonte inesgotável
de misericórdias.
8. As almas tíbias tornar-se-ão fervorosas pela prática desta
devoção.
9. As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta
perfeição.
10. Dará aos sacerdotes que praticarem esta devoção o poder
de tocar os corações mais empedernidos.
11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes
inscritos para sempre no seu Coração.
12. A quem comungar nas 1.as sextas-feiras de 9
meses seguidos agraciará com perseverança final e a salvação.
***
Assim, os cristãos
são convidados a pôr as suas esperanças e confianças no Sagrado Coração de
Jesus, que é fonte de misericórdia e a implorar de Jesus a mansidão e a humilde
de coração.
Depois, em todos os dias, sobretudo nos do mês de
junho e, em especial, na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, que este ano
se celebra a 3 de junho, somos instados a contemplar o Coração de Jesus que tanto amou aos homens
e que está aberto desde a cruz, para que nos aproximemos dele, e presente na
Eucaristia, celebrada de norte a sul, de nascente a poente e guardada nos
sacrários de nossos templos: para consolá-Lo com pequenos gestos de amor e
sacrifícios, porque não é de poucos que recebe ingratidão e desprezo; e depois,
para imitá-Lo nas virtudes que resplandecem nesse Coração humano e divino: humildade, mansidão, caridade e misericórdia.
Na
celebração da solenidade do SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, somos convidados, pela
liturgia, a entrar no mistério que o próprio Cristo nos revelou – mistério inefável
do Amor que jorra profusamente sobre a Igreja e sobre cada um que se disponha a
celebrá-lo com piedade, em união com todos os que formam, na diversidade de
pessoas e nações, a unidade do amor que Deus revela de Si mesmo na Igreja.
***
Mas o
dinamismo da devoção ao Coração de Jesus deve implicar os cristãos na
celebração do Dia Mundial da Criança que,
em Portugal, é celebrado a 1 de junho. Nesta data, em que as crianças são o centro das atenções,
organizam-se diversos eventos e atividades para as crianças, de forma a
celebrar, condigna, eficaz e de forma lúdica e educativa, a efeméride.
Entre nós, o Dia Mundial da Criança contempla
atividades como desfiles e visitas escolares, leitura de textos, declamação de
poemas, desporto, desenho, etc. As livrarias oferecem descontos em livros
infantis, os parques de diversões e locais de festas para crianças enchem os
hipermercados, as lojas e os sites de descontos apresentam descontos em roupa,
brinquedos, produtos e atividades para crianças, entre outros.
A data é
celebrada em vários países, contudo a data de comemoração difere de país para
país.
As Nações
Unidas aprovaram a 20 de novembro de 1959 a Declaração
dos Direitos da Criança, proclamando os direitos das crianças de todo o
mundo.
Esta
efeméride assinalou-se pela primeira vez em 1950 por iniciativa das Nações
Unidas, com o objetivo de chamar a atenção para os problemas que as crianças
então enfrentavam. Nesse dia, os Estados-Membros passaram a reconhecer que todas as
crianças, independentemente da raça, cor, religião, origem social, país, têm
direito a afeto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos,
educação gratuita, proteção contra todas as formas de exploração e a crescer
num clima de paz e fraternidade.
Oficialmente,
o dia continua, pois, assinalado pela ONU a 20 de novembro, data em que, no ano
de 1959, foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU a referida Declaração dos Direitos da Criança e, no mesmo dia e mês, mas no ano de 1989, foi
adotada pela mesma Assembleia-Geral da ONU a Convenção dos Direitos da Criança, que Portugal ratificou em 21 de
setembro de 1990.
Além do espírito
humanitário que deve mover os cristãos em torno destes seres mais indefesos e carecidos
de pão, saúde e educação, acresce a motivação evangélica. Segundo o Evangelho,
é preciso acolher as crianças (eram consideradas quase não seres), porque é delas e daqueles que olham o mundo como elas que é
o Reino de Deus. Lendo alguns passos do Evangelho, percebe-se o apreço que
Jesus, o divino “filópede” (amigo das crianças),
nutre por elas e pelo seu olhar:
“Apresentavam-lhe
crianças, para que Ele lhes tocasse. Vendo isso, os discípulos
repreenderam-nos. Mas Jesus
chamou-os a si, dizendo: ‘Deixai vir a mim os pequeninos; não os impeçais, pois
deles é o Reino de Deus. Em
verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não
entrará nele’.” (Lc 18,15-17).
E, enfim, quando
lhe perguntaram quem era o maior no Reino, não teve dúvidas em declarar:
“Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as crianças, não podereis
entrar no Reino do Céu. Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o
maior no Reino do Céu. Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim
que recebe.” (Mt 18,3-5).
***
São dois temas para hoje, não muito distanciados em termos evangélicos!
2016.06.01 – Louro de Carvalho
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