Está a decorrer neste fim de semana, 25/26 de
Junho, no pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, a X Convenção do BE (Bloco de Esquerda), marcada pela ressaca do “Brexit”. Por isso, não admira que uma das
declarações mais tonitruantes tenha sido a de Catarina Martins à chegada à
Convenção de que “este não é
o momento” de os países jogarem “as cartadas dos referendos” (para a saída
da UE). No entanto, a coordenadora do BE advertiu,
já do palco, na sua intervenção inicial que o “país tem de preparar todos os
cenários”. Neste ponto, parecem acordar as principais figuras do BE – desde Pedro
Filipe Soares a Catarina Martins, passando por Francisco Louçã – no sentido de
que Portugal não deve entrar nesse jogo, pelo menos para já.
Pouco antes da chegada de Catarina ao pavilhão do Casal Vistoso, Francisco
Louçã, um dos fundadores do partido e o seu primeiro coordenador, bem como o
atual líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, responderam aos jornalistas sobre
o momento atual da Europa.
Pedro Soares esclareceu que uma coisa é um referendo para a saída do país e
outra é um referendo sobre o Tratado
Orçamental (“não confundir” um com o outro” – avisou), algo que o BE já defende há muito e entende continuar
a fazer sentido. Porém, referendar a permanência não configura, segundo o
parlamentar, a forma que tem o partido de olhar “para a Europa”, pois “esse é o
caminho da desistência”. Por seu turno, Louçã reafirmou o que todos sabemos,
que “Portugal devia ter feito referendos há muito tempo”, por exemplo: a
entrada na CEE, o Tratado de Lisboa, o Tratado Orçamental… E, tentando desviar
a atenção dos jornalistas do suposto tema único do “Brexit”, o antigo coordenador sustentou que “as questões
europeias são centrais” e, de entre elas, sobressaem “as ameaças de sanções,
que são uma crueldade”, deixando claro que “a UE é um projeto falhado que
redundou em autoritarismo e numa finança selvática”. E Catarina Martins,
destacando que “a UE está numa situação de grande fragilidade, em resultado das
políticas europeias”, defende que, apesar de tudo, não se trata do fim do
mundo. Não se pode dizer que “a Europa não tenha futuro”. Com efeito, nem “o
tempo não volta para trás”, nem “voltaremos a ser nações isoladas”.
De tais palavras deduz-se que o BE já não está contra a participação do país
na UE, embora sustente que os principais tratados deveriam ter sido referendados.
Hoje, porém, o BE parece acreditar na Europa, mas olhando-a de forma crítica, o
que passa pela interpretação inteligente do Tratado Orçamental, como defende o
PS, ou mesmo pelo ato de referendo do mesmo.
Entretanto, do alto do púlpito da X Convenção, a
porta-voz do BE considerou perante os delegados, a discussão sobre a resposta
que a esquerda tem para dar à Europa como uma das principais “tarefas” desta
reunião magna dos bloquistas: “a política que responde pelo seu país tem de
preparar todos os cenários”. De facto, segundo a líder, Portugal não pode ficar
de braços cruzados, pois, “se esperarmos o que não vem, seremos confrontados
com maiores crises financeiras e catástrofes humanitárias”. E o sentido da proposta
do BE reside na contraposição ao problema: “O
figurino institucional da UE alimenta-se do esvaziamento da democracia”. Por outro lado, na sua intervenção a
meio da manhã do 1.º dia, Catarina Martins elencou (num balanço da atividade da
“geringonça”) algumas das
vitórias políticas do momento, como: o alargamento dos canais da TDT; a renda
apoiada; e a tarifa social de energia, em vigor a partir do próximo mês. E
bateu na tecla do aumento de pensões e da necessidade da subida do IAS (Indexante de Apoios Sociais) – que é a base de cálculo das
prestações sociais – congelado desde 2009, que vá além da mera atualização pela
taxa de inflação. Por outro lado, anunciou
que o BE tem o acordo do Governo
para acabar, por humilhante, com a obrigatoriedade de apresentação quinzenal dos desempregados nos centros de emprego como condição para
não perderem o subsídio. Tal não significa que desapareçam os mecanismos
de fiscalização.
Numa
Convenção iniciada sob um clima de “choque e pavor” (como ironizava um bloquista) mercê da saída da Grã-Bretanha da
UE, o BE, numa orientação decidida há semanas, acabou por fixar “uma nova
estratégia de orientação sobre a Europa”, defendendo uma “linha mais
soberanista” de Portugal.
***
A seguir, deve passar-se em revista as questões que o BE
levanta ao Governo PS e ao país. Em síntese, pode afirmar-se que a discussão da
estratégia do Bloco para os próximos dois anos aumenta pressão sobre o Governo
PS – cá e na Europa.
O líder parlamentar do BE sublinhou, no início da discussão
das 3 moções que vão a votos, a ambição do partido. Na verdade, “quer ser a
força mais forte do Governo de Portugal porque sabe que é assim que mais fortemente
defende as pessoas”. A pressão sobre o Governo de Costa foi notória no discurso
do deputado, que foi ao palco defender a moção A, de Catarina Martins. Tendo assegurado que “valeu a pena o BE ter
feito a escolha que fez” porque, se tivesse ficado na mera oposição, a
reposição de rendimentos das pessoas não seria esta, fez exigências ao Governo
sobre a UE, mas também apresentou a ideia dum “cronómetro” e “ameaça” que está
a contar “para mandar abaixo o Governo”, logo que seja necessário. Isto, porque
o partido estará sempre do lado das pessoas, sendo esta a única garantia que
pode dar ao PS. A este propósito, pediu ao Primeiro-Ministro que se oponha no próximo
Conselho Europeu à aplicação de sanções a Portugal por causa do défice
excessivo de 2015: “que diga que não é aceitável que se apliquem sanções a
Portugal”. Por outro lado, desafiou a “maioria social em Portugal” para que “diga
que se levantará contra Bruxelas sempre que Bruxelas se virar contra Portugal”,
já que, “em Portugal a democracia é nossa e a soberania é do nosso povo nas
suas decisões”.
Por sua
vez, Catarina Príncipe, crítica da atual liderança e que elegeu 9,3% dos
delegados, falando em nome da moção R,
colocou sobre a mesa várias questões cuja resposta gostaria de obter da Convenção:
se admite coligações pré-eleitorais nas legislativas; em que condições
negociará coligações pós-eleitorais; ou que estratégia em concreto o partido
deve adotar nas autárquicas. Para os subscritores desta moção, o documento
estratégico de Catarina Martins é “um cheque em branco”.
Também
João Carlos Louçã, em nome da moção B,
lançou a pergunta duro com a atual direção: “Até quando apoiaremos um Governo inútil para a reposição de emprego?”
Francisco Louçã, Luís Fazenda e
Fernando Rosas, fundadores do BE ainda vivos, também marcaram o espaço nas
relações com o PS e com a UE.
Louçã
referiu-se ao BE como “um partido mais forte quando esteve mais fraco” e “um
partido mais unido quando esteve mais desunido”. O fundador do BE – e seu 1.º
líder, agora sem qualquer cargo de dirigente de primeira linha – afirmou estar
na Convenção de “sorriso aberto”, face ao momento atual do BE, um partido em
que “os dirigentes aprendem com os militantes”. E declarou o seu “orgulho como militante
da escola republicana”, para, a seguir, elencar lutas em que o BE esteve e está
envolvido: o fecho da central nuclear de Almaraz, a defesa das 35 horas para a
Administração Pública (“que
há de ser para todos e para todas”) ou o papel dos sindicalistas do BE na Autoeuropa, fábrica “solidária
com os precários”.
Perante
os delegados, a quem se apresentou durante muitos anos como principal figura do
BE, Louçã destacou 3 dirigentes: Catarina Martins, “protagonista da maior
alteração da relação de forças em Portugal na esquerda em 40 anos”; Marisa
Matias, pela sua campanha nas presidenciais; e Pedro Filipe Soares, o líder
parlamentar, pela sua defesa de uma Caixa Geral de Depósitos como banco
público. E garantiu que “não haverá privatizações” com o BE, mas antes um “desmantelamento
das rendas”, elegendo o PSD como alvo a abater.
Fora Luís
Fazenda o 1.º dos 3 fundadores do BE a intervir (o 4.º, Miguel Portas, já faleceu), aclarando que “este não é o nosso
Governo”, pois “o atual Governo socialista não garante um Governo de esquerda”,
e vincando: “Estamos a apoiar uma maioria parlamentar e um governo minoritário
do PS”. Este é o quadro atual, sendo que a orientação para um futuro próximo é:
“Estamos numa maioria parlamentar, estamos com o povo, mas somos uma alternativa”.
Fernando
Rosas, o 3.º dos fundadores a subir ao palco, olhou para fora, para a UE, e
para a frente, ao apontar os caminhos que devem ser seguidos para vencer o
momento atual da UE. Começando por se declarar nada comovido por alguns aspetos
da desagregação da UE (com
o “Brexit”, “parece que se desencadeou o princípio do fim”), esclareceu: “Não temos de chorar o
fim da UE do neoliberalismo e da troika”, porque “a UE faliu; tornou-se um
pesadelo imperial contra os fracos e os pobres”. E a forma de combater esta
realidade reside no BE: “O Bloco, com as
outras esquerdas europeias, é a alternativa socialista a esse destino”.
***
Como 1.ª
decisão orgânica, na manhã do 1.º dia da X Convenção, foram votadas as
propostas de Alteração aos Estatutos – inicialmente eram 29 – tendo sido
aprovadas três. O BE promete!
A proposta
da Mesa Nacional, aprovada pelos
delegados, sugeria a “adaptação dos estatutos do Bloco de Esquerda à linguagem
inclusiva”, passando todo o texto a ser escrito, quando necessário, no género
feminino e masculino (mesmo depois de ter perdido a cartada do cartão de
cidadania). A título de exemplo, no art.º
10.º, o n.º 2 passa a escrever-se “responsabilidade das e dos aderentes”, ou no
art.º 10.º, o n.º 2, “A Mesa Nacional será composta, no momento da sua eleição,
por um mínimo de 50% de membros que não sejam deputadas ou deputados, nacionais
ou europeus (podia escrever “ou europeias”),
funcionárias ou funcionários do Bloco, ou exerçam cargos remunerados da
assessoria a representantes eleitas e eleitos pelo Movimento”. Outra das
alterações (e a última a ser aprovada) é relativa ao n.º 2 do art.º 1.º, no qual o BE, nas suas definições
e objetivos, combate “as formas de exclusão baseadas em discriminações de
caráter étnico, de género, de orientação sexual, de idade, de religião, de
opinião, de classe social ou baseadas na existência de diversidade funcional”. Foi alterado ainda o art.º 25.º (relativo ao
sistema de votação), passando
a mesa nacional a eleger, “no início de cada mandato, uma comissão de três
membros responsável por verificar e atualizar os recursos materiais e
tecnológicos do partido, na perspetiva da eficácia e transparência do voto por
correspondência”.
2015.06.25 – Louro de Carvalho
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