quarta-feira, 8 de junho de 2016

Insuficiência de medidas em Portugal contra racismo e discriminação

De acordo com um documento divulgado hoje pela ECRI (Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância), um organismo independente do Conselho da Europa, especializado nas questões de luta contra o racismo e intolerância, Portugal não pôs em prática (ou só o fez parcialmente) as medidas recomendadas sobre comunidades ciganas, continuando a faltar a recolha de dados e a simplificação de procedimentos.
A recomendação de tais medidas por aquele organismo vem na sequência de relatório (o quarto relatório sobre o país) produzido já em 2013. Dois anos depois da publicação do relatório, a ECRI, que fez o acompanhamento dessas recomendações, chegou à conclusão de que algumas não foram aplicadas, enquanto outras o foram apenas parcialmente. A ECRI salienta, desde logo, a questão da recolha de dados e lembra que incitara as autoridades a desenvolverem um sistema de monitorização que recolhesse dados – fosse por autoridades governamentais, fosse por instituições académicas – e mostrasse os grupos que são alvo de discriminação. Ora, as autoridades portuguesas referiram a criação do Observatório das Comunidades Ciganas, que realizou um estudo nacional, e apontaram o Observatório das Migrações, cuja ação tem ajudado a melhor definir, aplicar e avaliar políticas com vista à integração dos imigrantes.
Embora reconheça e elogie os passos lançados na recolha de dados por aqueles dois observatórios, todavia, a ECRI acusa a falta de um sistema de monitorização que possibilite a recolha de dados que indiquem a eventual existência de grupos, em particular, que estejam em desvantagem ou sejam discriminados. Por outro lado, o documento daquele organismo do Conselho da Europa refere:
“Além disso, o estudo [nacional] referido não faz um retrato completo da situação das comunidades ciganas no país, já que apenas metade dos municípios foram envolvidos. Nesse sentido, a ECRI entende que esta recomendação foi apenas parcialmente implementada”.
Em 2013, fora “fortemente recomendado” a Portugal a simplificação e a aceleração dos procedimentos relativos à apresentação de queixas ao ACM (Alto Comissariado para as Migrações), devendo as autoridades, nesse âmbito, ponderar formas de pôr em prática “o princípio da partilha do ónus da prova”. Porém, as autoridades nacionais informaram que estão em vias de publicar uma lei contra a discriminação, mas, como “não deram qualquer indicação sobre se a nova lei introduz alterações que simplifiquem e acelerem os procedimentos”, a ECRI entende que as preditas recomendações não foram adotadas. Ademais, aquele organismo europeu recorda que pediu a Portugal que eliminasse todas e quaisquer barreiras físicas que segregassem as comunidades ciganas, exemplificando com um caso do distrito de Beja, em que um muro de cem metros de comprimento separava do resto da população uma comunidade de cerca de 400 pessoas ciganas.
Apesar de, sobre esta matéria, Portugal não ter dado formalmente qualquer esclarecimento específico, chegou ao conhecimento da ECRI que o muro foi demolido pelos próprios ciganos e que, na sequência desse facto, a Câmara Municipal de Beja, juntamente com várias associações, tomou a iniciativa de melhorar o local. Quer dizer: o resultado satisfatório foi obtido, não por medidas governativas, mas por força da comunidade cigana. E, como a ECRI não obteve informação sobre a existência de outras barreiras do género e do que eventualmente esteja a ser feito para as derrubar, conclui que a medida foi apenas parcialmente aplicada.
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Quem ler a informação da ECRI de forma apressada ou se ativer à titulagem que os órgãos de comunicação social dão à informação provinda do Conselho da Europa pode pensar que o país está a ser acusado de racismo e de discriminação grosseira e generalizada, de forma e proporções muito diferentes de outros países europeus. A própria Ministra da Justiça, na entrevista que deu à “revista” do Expresso, do passado dia 4 de junho – com ideias sãs sobre Justiça e Política e ciente da exposição a que estão sujeitos os tribunais, não pelos melhores motivos – sobre a dificuldade ou não de um negro ter maior dificuldade em fazer o seu percurso ou seguir a sua carreira, refere:
“As questões colocam-se em termos raciais e sociais. Se fizer uma análise da situação económica da população negra, provavelmente vai chegar à conclusão de que vivem em condições de exclusão, que dificulta a progressão. O outro fator também é importante, mas tem mais a ver com a pobreza.”
E, sendo-lhe perguntado se “tem algum significado para si ser a primeira mulher negra a chegar ao Governo”, responde que o convite lhe fora endereçado não por ser mulher ou por ser negra, mas pelo seu passado e pela sua experiência profissional. Todavia, considera:
“Mas não posso excluir que, do ponto de vista simbólico, num país como Portugal, onde existe uma população negra que provavelmente tem relativamente a ela própria uma ideia de exclusão ou de dificuldade de ascensão na pirâmide social, isso possa efetivamente ter tido significado positivo para a comunidade. E se isso tiver significado para a comunidade que o mundo não lhe está fechado, que todos podem fazer o seu percurso, as suas carreiras, irem tão longe quanto quiserem desde que trabalhem para isso, então acho que foi importante.”.
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Parece-me que um fator a pesar na escolha de Francisca Van Dunem para a pasta da Justiça terá sido o seu distanciamento crítico em relação à reforma da Justiça, nomeadamente no âmbito do mapa judiciário e do aviso premonitório sobre o CIS, a que se aliou uma certa liberalidade inclusiva professada, pelo menos “ad hoc”, por António Costa. Mas é de interesse refletir-se se os portugueses são ou não racistas.
Um estudo de opinião efetuado pela Eurosondagem SA para o Expresso e SIC, de 7 a 13 de abril de 2016, cujos resultados foram publicados no Expresso de 16 de abril, dá-nos o panorama da posição dos portugueses sobre a matéria. Os resultados corroboram a ideia feita de que em Portugal é política e socialmente incorreto assumir publicamente comportamentos baseados na cor da pele. Assim é que 72,9% dos inquiridos responderam que não são racistas e 11% não sabem se o são ou não respondem. Porém, 16,4% declararam de forma brutal e surpreendente (não sei se o diriam num fórum ou num debate público): “Sim, sou racista”.
Cerca de 60% dos inquiridos aceitariam que o filho ou a filha namorasse com alguém negro, enquanto 26,1% não aceitariam apoiar tal hipótese e os restantes 14,4% não sabem ou não querem responder sobre o que fariam numa situação dessas.
Sendo certo que a grande maioria dos portugueses não assume ser racista, uma grande percentagem (43,7%) considera que o racismo existe em Portugal, mas está nos “outros”.

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Se atendermos ao discurso oficial do país de há pelo menos uma centúria de anos, verificaremos que Portugal descola facilmente da imagem de país onde o racismo exista. O tema nunca ou quase nunca está presente no discurso institucional. Ao invés, até se quis fazer crer que éramos um país multirracial e pluricontinental onde todos eram iguais perante a lei. E o colonialismo português sempre se quis distinguir dos demais afirmando-se humanista e civilizacional. Salazar chegou a responder à ONU que Portugal não tinha colónias: os territórios ultramarinos tinham adquirido a sua independência juntamente com a mãe-pátria.
O Ministério das Colónias publicava, em 1944, a obra Os Pretos em Portugal, do padre António Brásio, em cuja introdução se lê:
“Apesar de enfermar de determinados vícios gerais ao sistema, segundo o conceito e prática unanimemente aceites no tempo, a escravatura para os portugueses revestiu sempre um caráter de humanitarismo que se não encontra em qualquer outra parte do Globo. Ainda hoje, decorridos quatro séculos de civilização e de cristianismo, o aglomerado supercivilizado norte-americano, a pátria celebrada de todas as liberdades, o arauto altissonante de proclamação dos direitos da consciência humana ultrajada, ainda hoje ficava muito aquém do humanismo cristão com que os portugueses trataram o preto.”.
Pelo menos, segundo os critérios de hoje, apor à escravatura um rótulo de humanitarismo é uma aberração. Aliás, se a escravatura era humanitarista, é de questionar o motivo por que Portugal quis dar cartas na sua abolição. Por este andar iríamos justificar a reintrodução da pena de morte pelo seu caráter humanitário! 
E, se em Portugal não se assistiu à segregação racial do tipo norte-americano, a verdade é que muita gente sentiu que era menos do que os outros em razão da cor da pele. Pergunte-se quantos negros integravam os governos e os escalões de topo de administração das colónias, mais tarde crismadas de províncias ultramarinas. E hoje, em 42 anos de democracia, a população negra em Portugal não para de crescer, mas os negros praticamente não ocupam lugares de destaque ou de decisão. Quantos negros se sentaram ou sentam no hemiciclo da Assembleia da República? O deputado do CDS Hélder Amaral, a este respeito, questiona:
“Não é estranho que o tal país mais simpático, mais disponível para se cruzar com outras culturas e outras realidades, não tenha na sua sociedade visível, seja na televisão, seja na política, seja no meio universitário, a presença de algumas dessas pessoas?”.
É raríssimo encontrar um negro que não tenha episódios a contar sobre o estigma da cor da pele.
O empresário Mikas Amaral, que arrancou com vários projetos de animação da noite lisboeta, saiu de Moçambique para Portugal e só nessa altura percebeu que os outros reparavam nele por ser negro, o que lhe provocou uma revolta que desconhecia:
“Não há como definir o que eu sinto no momento em que estou a sentir uma situação de racismo, não há definições porque mexe com as emoções de uma forma tão profunda que não se pode definir”.
Romualda Fernandes, que tem trabalhado com minorias e imigrantes e chegou a assessora da Assembleia Municipal de Lisboa, refere que já foi diversas vezes obrigada a enfrentar as reações dos outros por causa da cor, reações de quem estranha que, sendo negra e mulher, possa estar, por exemplo, em representação do Estado português. “São situações que causam muita dor, muito dolorosas do ponto de vista psicológico”, lamenta.
Johnson Semedo cresceu num bairro onde muitos dos negros que nasceram em Portugal não se sentem portugueses. Sentiu as agruras do racismo. No entanto, confessa:
“Já sofri muito racismo na vida, mas hoje não permito isso, porquê? Porque aprendi que o ser branco, preto, amarelo ou azul a mim é-me indiferente. A mim a diferença constrói-me e não me destrói.”
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Como é óbvio, urge combater todas as formas de discriminação: racismo, condição social e/ou económica, orientação sexual, xenofobia, credo religioso e/ou político, etnicofobia... Porém, é injusto fazer crer que Portugal é o país especial a apontar em termos da discriminação a partir de um caso. Não ouso desfiar país que esteja sem pecado a que atire a primeira pedra, porque já o fazem a torto e a direito – vejam-se as constantes cominações da Comissão Europeia e demais instituições da eurocracia. Não obstante, Portugal não está dispensado de melhorar a legislação e os procedimentos e deve prestar informação objetiva e total à Europa.
E também cabe às minorias o esforço de conjugação entre integração e não preponderância.  

2016.06.07 – Louro de Carvalho

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