Iniciado oficialmente a 19 de junho, dia do Pentecostes (segundo o calendário juliano, seguido pela
Igreja ortodoxa), com a solene celebração da Liturgia Divina, decorreu o
Concílio Panortodoxo ou o Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa
na Academia ortodoxa de Creta. Foi esta uma semana de intensos trabalhos da
parte dos 290 delegados representando 10 Igrejas ortodoxas (Faltaram quatro: as da Rússia, Bulgária, Geórgia e
Antioquia, que no último momento decidiram não participar). As sessões de debates iniciaram-se
no dia 20 e terminaram no dia 25, superando as previsões mais pessimistas existentes
antes da abertura. Com efeito, a Assembleia Conciliar, não somente adotou os
seis textos que figuravam na ordem do dia, mas também publicou uma Encíclica e uma importante “Mensagem ao povo ortodoxo e a todas as
pessoas de boa vontade”.
Foi a primeira vez, em mais de mil anos, que se realizou esta
reunião magna das diversas Igrejas ortodoxas. E o evento constitui uma “grande
apologia ao diálogo”. Foram estes os termos com que se lhe referiu a mensagem
final do Grande Concílio das Igrejas Ortodoxas: uma “exaltação da importância
do diálogo entre as várias denominações ortodoxas, mas também do diálogo ecuménico
com as outras Igrejas cristãs”, porque, como explicitou o Patriarca Bartolomeu
I, “a unidade ortodoxa serve também para a causa da unidade dos cristãos”. Trata-se
de segmentos discursivos registados pela Rádio Vaticano, que também afirmou que
o Patriarca Ecuménico garantiu que este encontro panortodoxo presta ajuda ao
diálogo inter-religioso tentando um frutuoso contraponto à explosão do
fundamentalismo, porque o diálogo sincero é o único caminho para a confiança
recíproca, a paz e a reconciliação.
A este
respeito, o Concílio lançou forte apelo à comunidade internacional para que se
cumpram todos os esforços possíveis para “uma resolução dos conflitos armados”
no Oriente Médio: “Estamos ouvindo a dor,
as angústias e o grito de justiça e de paz dos povos” – clamaram.
***
Culmina deste modo a longa caminhada pré-conciliar encetada
pelas Igrejas Ortodoxas ainda nos anos 60 do século XX, com a abertura de uma
nova página na sua história, inspirada no esforço da boa vontade católico-ortodoxa,
personificada em Atenágoras I e Paulo VI. Não obstante as indisfarçáveis
lacunas e para lá dos documentos e do próprio Concílio, a Igreja Ortodoxa deu
importante passo no exercício da sinodalidade, certamente até agora professada,
mas não vivida suficientemente entre todas as Igrejas Ortodoxas. Como o próprio
Concílio vaticinou, é improvável que este precedente não tenha consequências positivas
visíveis.
A sessão final de 25 de junho, tal como havia ocorrido com a
primeira, a 20 de junho, foi aberta aos observadores e jornalistas. Sendo a sessão
conclusiva, foi substancialmente uma sessão de agradecimentos, no decurso da
qual o Patriarca Ecuménico pôde fazer um primeiro balanço avaliativo. Algo entristecido
pela notória ausência das quatro Igrejas acima mencionadas e reconhecendo que
“não foi fácil” e que “o fator humano esteve presente”, Bartolomeu I (em grego: Βαρθολομαίος ο Α') congratulou-se e manifestou o seu regozijo pela concórdia
alcançada e pela mensagem de unidade entregue ao mundo. Prova disto é o facto
de que, “não obstante a instituição da autocefalia, somos uma Igreja
indivisível e gozamos da unidade na nossa diversidade e da diversidade na nossa
unidade”. Assim, pôde concluir: “Escrevemos,
juntos, uma página de história, um novo capítulo na história contemporânea das
nossas Igrejas”.
***
Aos observadores Sua Santidade, Bartolomeu I, Arcebispo de Constantinopla Nova Roma e
Patriarca Ecuménico (H Αυτού Θειοτάτη Παναγιότης ο
Αρχιεπίσκοπος Κωνσταντινουπόλεως Νέας Ρώμης και Οικουμενικός Πατριάρχης
Βαρθολομαίος Α'), agradeceu,
em particular, pela oração, apoio e interesse manifestado pelas suas respetivas
Igrejas. Indo um pouco além das palavras dos textos fixados no Concílio,
salientou que esta magna assembleia “confirmou a importância vital do diálogo
com as outras Igrejas cristãs”. Fez uma síntese do resultado fundamental
consubstanciada na metáfora do “caminho comum” (syn-odos):
“Apesar
das imperfeições do caminho, este Santo e Grande Concílio oferece-nos a
oportunidade de revitalizar o processo conciliar, de modo que os Concílios
eclesiais se tornem novamente o caminho canónico e natural para alcançar e
afirmar a unidade ortodoxa para todas as nossas Igrejas irmãs Ortodoxas”.
No final da última sessão conciliar, Bartolomeu pronunciou, de
improviso, um discurso em que sublinhou a contribuição da Igreja Ortodoxa, e em
particular a de Constantinopla, para o movimento ecuménico. Depois, aproveitou
o ensejo para evocar recordações pessoais, como estudante do Instituto de
Bossey e como Vice-Presidente da Comissão Fé e Constituição (do Conselho Ecuménico das Igrejas), bem como o diálogo com João Paulo II,
Bento XVI e Francisco.
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Já no domingo, dia 26, Solenidade de Todos os Santos,
celebrada pela Igreja Ortodoxa no domingo subsequente ao do Pentecostes, os
Primazes concelebraram a Divina Liturgia na Igreja dos Santos Pedro e Paulo em
Chanya.
Após a proclamação do Evangelho, foi proferida a mensagem comum que – “fundada na certeza
de que a Igreja não vive para si mesma” – desenvolve em 12 itens os temas
debatidos. O Concílio, para já, tomara decisões sobre 6 deles, enquanto os
outros 6 serão examinados posteriormente. Assegurando que a prioridade é a
proclamação da unidade da Igreja Ortodoxa – unidade que se expressa no
Concílio – o texto destaca, antes de mais, que a conciliaridade (da Igreja Ortodoxa) lhe modela a organização, o modo de
tomada decisões e a forma de determinação do seu destino. Na verdade, as
Igrejas Ortodoxas autocéfalas não são simplesmente “uma federação de Igrejas,
mas a Igreja una, santa, católica e apostólica”, em que subiste a Igreja fundada
por Jesus Cristo. Neste
sentido, aplicado ao fenómeno problemático da diáspora, o princípio de conciliaridade está na base
das Assembleias Episcopais que o Concílio aceita e confirmou, como está na
origem origina das sinaxys dos Primazes e
do Santo e Grande Concílio, pelo que este será, doravante, convocado
regularmente, “a cada sete ou dez anos”.
A mensagem prossegue no relevo da necessidade do testemunho da fé, “Liturgia após
Liturgia”, com vista à evangelização e à “reevangelização”. Evidencia a importância do diálogo, “em particular
com os cristãos não ortodoxos” (diálogo ecuménico),
para fazer resplandecer melhor a ortodoxia, e também com os não cristãos (diálogo inter-religioso), num sentido de respeito, aceitação
e inclusão. E, ressaltando, de forma expressiva, a preocupação pelos cristãos e pelas
minorias perseguidas no Oriente Médio, bem como a situação dos refugiados, a
par da clara denúncia do “secularismo
moderno”, o documento deixa bem vincado que “a cultura ocidental traz a
marca indelével da contribuição do cristianismo”.
Também a conceção
cristã do matrimónio recebeu a atenção dos Patriarcas e Arcebispos, tal
como o valor da abstinência e ascese, “caraterística da vida cristã em todas as
suas expressões”.
O documento
recorda, por fim, “importantes questões contemporâneas”, que é necessário
aprofundar: as relações entre fé e
ciência; a crise ecológica; o “respeito pelo particularismo”; a relação entre Igreja e âmbito político; e
os jovens. Antes de concluir, é
relevado que “o santo e Grande Concílio abriu o nosso horizonte sobre o mundo contemporâneo”. A Igreja
ortodoxa é, na entrada do 3.º milénio, sensível à invocação de paz e justiça
dos povos do mundo e proclama a boa notícia da salvação, anunciando a glória e
as maravilhas de Deus entre todos os povos.
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Também a homilia pronunciada pelo Patriarca Ecuménico foi
dedicada à sinodalidade. Citando
várias vezes o teólogo ortodoxo de origem russa Alexander Schmemann, Bartolomeu
I recordou “a natureza sinodal” da Igreja, definida como um “sínodo ecuménico”,
que Deus convoca. Se não entendermos a Igreja como “essencialmente sinodal”, se
não aceitarmos que toda a sua vida é uma vida “em sínodo”, “então não seremos
capazes de entender corretamente a função dos Concílios no sentido mais
estreito da expressão” – declarou.
O Arcebispo de Constantinopla insistiu na necessidade de
divulgar e aplicar as decisões conciliares, segundo o processo que definiu como
“Concílio após o Concílio”:
“As
decisões sinodais panortodoxas devem ser inseridas na vida das Igrejas
Ortodoxas locais, divulgadas nas paróquias, nas santas arquidioceses, nas ‘metropolias’ e nos santos mosteiros,
discutidas nas escolas teológicas e nos seminários, utilizadas para o catecismo
e educação dos jovens, para poderem dar fruto no ministério pastoral e nas
atividades da Igreja no mundo”.
Segundo a reiterada ideia de Bartolomeu I, o ensinamento principal
do Concílio é o seguinte: “A sinodalidade
é outro termo para descrever a unidade, a santidade, a catolicidade e a
natureza apostólica da Igreja”. Ideias que Francisco tem destacado. De facto,
o Santo e Grande Concílio revelou que a Igreja una, santa, católica e apostólica,
unida pela fé, sacramentos e testemunho no mundo, encarna e expressa de modo
autêntico o princípio eclesiológico central e a verdade da sinodalidade; e
reiterou que a Igreja vive como um “sínodo”. Pegando nas palavras de Steven
Runciman, que citara, em 16 de junho, o Patriarca Bartolomeu I afirmou, no
final do Concílio:
“Se o século XXI pode e deve tornar-se o ‘século
da ortodoxia’, o Santo e Grande Concílio de nossa santíssima Igreja, pela
graça do Deus adorado, trino e Senhor de tudo, colocou a primeira pedra para o
cumprimento desta visão divina”.
***
O Papa
dedicou a este Concílio umas palavras, ao Angelus
do dia 19, na praça de São Pedro:
“Vamos
unir-nos em oração pelos nossos irmãos ortodoxos, invocando o Espírito Santo,
para que ajude com os seus dons os patriarcas, os arcebispos e os bispos que
estão reunidos no Concílio. E todos juntos
oremos a Nossa Senhora, por todos os nossos irmãos ortodoxos: Ave-Maria...”.
E, no
regresso da Arménia, disse aos jornalistas que fazia um juízo positivo sobre
este fórum:
“Foi feito
um passo avante: não 100%, mas um passo avante. As coisas que justificaram –
entre aspas – são sinceras para eles, são coisas que com o tempo podem ser
resolvidas. Esses quatro que não participaram queriam fazê-lo mais para frente.
Mas creio que o primeiro passo se faz como se pode. Como as crianças, quando
dão os primeiros passos, fazem como podem: os primeiros como os gatos, e depois
os primeiros passos.
E acrescentou:
“Eu estou feliz. Falaram de tantas
coisas. Creio que o resultado seja positivo. Somente o facto de essas Igrejas
autocéfalas se terem reunido, em nome da ortodoxia, para se olharem face a
face, para rezar juntos e falar e talvez fazer algum comentário, isso é muito
positivo. Eu agradeço ao Senhor. No próximo, serão mais numerosos. Abençoado
seja o Senhor!”.
***
Louvores a Deus pela lucidez, vontade e estilo
sinodal!
2016.06.28 – Louro de Carvalho
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