Eventual saída do Reino
Unido da União Europeia trará à cena pública questões de ordem política
materializadas em termos económicos e financeiros, mas também questões de ordem
científica. Porém, estas só ganharam algum relevo nos últimos dias.
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A propósito, Caetano Reis
e Sousa, imunólogo e líder de grupo no instituto Francis Crick, de acordo com informação veiculada pela edição de hoje, dia
20, do Expresso on line, mostra-se “horrorizado
com a possibilidade de os ingleses votarem para sair da UE”, cenário, que, não
hesita em afirmar, “seria um desastre profundo para a ciência neste país”. Dando
voz aos investigadores portugueses que assumem posição contra o Brexit, o qual, na sua ótica, seria “um
desastre”, justifica-se dizendo que “a ciência e a investigação neste país só
sobrevivem à custa de uma série de financiamentos dados pela UE”. Assim, uma
saída britânica da UE seria “um desastre” para a ciência e a investigação no
Reino Unido, não só em termos financeiros, mas também humanos. O investigador
lamenta que muitas discussões da campanha se tenham centrado mais na elevada
contribuição de dinheiro público britânico para o orçamento europeu – cerca de
18 mil milhões de libras (23 mil milhões de euros), ao qual é, contudo, subtraída
cerca de metade mercê dos subsídios para agricultura e desenvolvimento regional
e apoio a empresas e do reembolso negociado, em 1984, por Margaret Thatcher, a
dama de ferro. Porém, a ciência apresenta o contraponto: em ciência recebe-se
mais do que se paga. Diz o investigador:
“Logo aí, a balança de
pagamentos está a nosso favor. Eu acho que a ciência e a investigação neste
país só sobrevivem à custa de uma série de financiamentos dados pela UE,
sobretudo o European Research Council
[Conselho Europeu de Investigação]”.
Também Carlos Caldas, professor e investigador em oncologia do Instituto Cancer Research em Cambridge,
também utiliza o termo ‘desastre’ para mencionar o eventual Brexit, avisando que um corte do
financiamento da UE afetará, por via direta, um grande pacote recentemente conquistado
e declara:
“Pessoalmente temo pelo
que poderá acontecer com o meu European
Research Council Advanced Grant que acabei de receber – só é ativada em
outubro – e com as múltiplas bolsas Horizonte 2020 a que não poderei continuar
a concorrer”.
E, referindo que a saída poderá ter outras consequências,
acrescenta:
“Cientistas no Reino Unido
não poderão pertencer a painéis de revisão de ciência na União Europeia e a
circulação de jovens cientistas será mais difícil”.
Por seu turno, Paul Nurse, presidente do Instituto Crick e antigo presidente da Royal Society, indicou que o Reino Unido recebeu 8,8 mil milhões de
euros desde 2007 até 2013 e assinou uma carta com outros 12 cientistas
britânicos distinguidos com prémios Nobel, incluindo Peter Higgs, alertando
para o ‘risco’ do Brexit para a
ciência no Reino Unido, juntando-se a uma advertência de idêntico sentido do
astrofísico Stephen Hawking.
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Bill Gates, o fundador da Microsoft advertiu, no passado dia 17, que
uma vitória do Brexit no referendo
britânico tornaria o país “significativamente menos atrativo para empresários e
investidores”. Trata-se duma questão de imagem, mas com inquestionáveis reflexos
económicos. O aparecimento do homem mais rico do mundo – que já investiu mais
de mil milhões de dólares no Reino Unido – na ribalta da consulta popular de 23
de junho sobre o futuro do país dentro ou fora da UE, acontece após uma semana
em que várias sondagens previam a vitória do Brexit. Em carta aberta publicada no The Times, o multimilionário
opina, com segurança, que a Grã-Bretanha é “mais forte, mais próspera e mais
influente” no quadro da UE, declarando:
“Apesar de a derradeira
decisão pertencer ao povo britânico, é claro para mim que, se a Grã-Bretanha
escolher ficar fora da Europa, tornar-se-á muito menos atrativa para os que
fazem negócios e que investem. Será mais difícil encontrar e recrutar talentos
de todo o continente; talentos esses que, por sua vez, criam empregos para as
pessoas do Reino Unido”.
Este filantropo, que erigiu a Fundação
Bill and Melinda Gates com a sua mulher, sustenta que foi o facto de o
Reino Unido pertencer ao bloco europeu e integrar o mercado único que o levou à
abertura de instalações de investigação na Universidade de Cambridge,
acentuando que investimentos “necessários” como aquele decrescerão se ganhar o Brexit. Assim, especificou:
“Será mais difícil
angariar os investimentos necessários para bens públicos, como novos
medicamentos e soluções acessíveis de energia limpa, para os quais precisamos
de uma escala de colaboração, partilha de conhecimentos e apoio financeiro
garantida pela força combinada [dos Estados-membros] da UE”.
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Depois de as sondagens no início da campanha mostrarem a população
britânica dividida quanto ao futuro, os inquéritos de opinião da última semana previam
todos a vitória do Brexit. Porém, o
homicídio a sangue frio duma deputada trabalhista a favor da integração de
migrantes e refugiados por um nacionalista neonazi – justamente uma semana da votação popular –
levou alguns analistas a anteciparem que muitos britânicos possam vir a votar a
favor da permanência na UE como forma
de recusa da extrema-direita. Tal episódio levou à multiplicação de intervenções
no sentido do alerta para as consequências políticas do Brexit e parece estar a inverter o sentido das sondagens.
Com efeito, horas depois de divulgada a mais recente sondagem a
antever a saída do Reino Unido da UE no referendo do próximo dia 23, as
campanhas políticas para essa consulta foram suspensas, após o baleamento e esfaqueamento
da deputada trabalhista antiBrexit, em
Birstall, perto da cidade de Leeds. Um homem de 52 anos, entretanto
identificado como Tommy Mair, foi detido no local logo a seguir ao ataque, à
hora em que os media confirmavam que Jo Cox sucumbiu aos ferimentos no
hospital. As autoridades britânicas continuam a tentar apurar os motivos do
homicídio, com o Telegraph a referir que a polícia estava a
analisar “há três meses” o reforço da segurança da trabalhista de 41 anos,
eleita em 2015, face às ameaças que recebera nas redes sociais pela sua postura
em prol da integração de migrantes e refugiados.
Numa edição especial do programa Question Time da BBC ONE, Cameron renovou, no dia 19, o pedido aos
britânicos para que, no referendo, escolham ficar dentro da UE, rejeitando assim
o que classifica de alegações “completamente falsas” aduzidas pelos apoiantes do
Brexit.
Segundo o Primeiro-Ministro britânico, nenhum dos três grandes
avisos apresentados pela campanha Leave
são verdadeiros. Sobre a eventual adesão da Turquia ao bloco europeu e questionado
sobre se o Reino Unido usará o poder de veto para a impedir, caso continue a
integrar a UE, o líder britânico disse que esse é “o argumento mais falacioso”
de todos os já apresentados pela barricada antieuropeísta. E disse:
“Não penso que isso vá
acontecer durante décadas, portanto no que toca às minhas preocupações essa
questão nem se coloca”.
David Cameron refutou ainda o argumento de que o país despende 350
milhões de libras (450 milhões de euros) por semana com a integração europeia em
pagamentos à Comissão, referindo que isso não corresponde à verdade e que a
criação dum exército europeu – que levou o ex-chefe da Defesa a mudar-se da
barricada pró-UE para a que defende o Brexit
– não acontecerá. E, estando certo de que “há argumentos para sair”, sublinhou
que, apesar de tudo, será “trágico” se o Reino Unido decidir abandonar a UE com
base “em três coisas completamente falsas”.
Reagindo às declarações do líder britânico – que em fevereiro cumpriu
a promessa de convocar o referendo sobre o futuro do país em relação ao bloco
regional europeu, após conseguir o que denomina de “estatuto especial” para
convencer os britânicos a permanecer – a campanha Leave defende que Cameron “simplesmente não tem as respostas” sobre
estes e outros assuntos e que as pessoas “já não acreditam nele quanto à UE”. E,
nas últimas semanas, os defensores do Brexit
no referendo alertaram não só para as questões levantadas por Cameron como para
a imigração, prevendo que a permanência na UE pode levar ao aumento das
entradas de migrantes no Reino Unido sob as regras da livre circulação em vigor
no espaço Schengen. A isto o Primeiro-Ministro já respondera que o Governo controlará
tais números sem abandonar a UE.
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Também a Hungria se dirigirá, na presente semana, aos cidadãos britânicos,
através de anúncios publicados em jornais, pedindo-lhes que fiquem na UE. A mensagem
central húngara vai ser: temos orgulho em
estar na UE ao lado do Reino Unido. A iniciativa foi surpreendente para os
observadores, dada a fama antieuropeísta do Primeiro-Ministro Viktor Orbán,
pois, desde que subiu ao poder em 2010, tem enfrentado seriamente Bruxelas a
propósito duma série de temas: tratamento de emigrantes, liberdades civis,
questões fiscais... No entanto, a Hungria tem recebido transferências
comunitárias no valor de largos milhares de milhões de euros, pelo que não
seria do seu interesse deixar a UE. Por outro lado, vivem e trabalham no Reino
Unido entre 200 e 300 mil húngaros. E é justamente o afluxo maciço de europeus
de leste em crescendo um dos argumentos-chave dos britânicos que defendem o Brexit. Mas, pelo lado da Hungria, a
ligação à Europa é fundamental, tendo o porta-voz do Governo, Zoltan Kovacs,
declarado:
“Embora nos tenham acusado
muitas vezes de sermos antieuropeus, isto [a campanha agora lançada nos jornais
britânicos] atesta o facto de que a Hungria está comprometida com a União
Europeia”.
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Por seu turno, o líder do PSD defende a
necessidade dum reforço do compromisso por parte de todos os países da UE e considera que, seja qual for o resultado do
referendo no Reino Unido sobre a permanência deste país na UE, o bloco regional
irá mudar e a decisão afetará também Portugal. Questionado pelos jornalistas
antes dum jantar com a comunidade portuguesa no Rio de Janeiro, o ex-Primeiro-Ministro
falou sobre possíveis mudanças no projeto europeu:
“A saída do Reino Unido da
UE deixaria o bloco politicamente mais debilitado. Até hoje [a UE] sempre
motivou o interesse de todos os países em aderirem e não em saírem. Isto
significa, portanto, que precisaremos de melhorar o seu funcionamento”.
Similar entendimento manifestou o Primeiro-Ministro António Costa,
bem como os eurocratas de topo, tanto no sentido das consequências como no da
liberdade soberana do povo britânico.
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Está visto que as grandes tomadas de posição
resultam da defesa parcelar de poderosos interesses e/ou de posturas ideológicas.
No entanto, tudo parece mudar com episódios conjunturais, sobretudo se motivos
de ordem psicossocial. Assim, os trabalhistas queriam o Brexit, porque o projeto europeu absorve a soberania dos Estados,
mas não observa os ditames democrático: mudou para não se juntarem aos
neonazis. A opinião pública parecia optar pela saída, mas o homicídio da deputada
Jo Cox pelo referido neonazi estará a ditar outro rumo.
Seria bom que os europeus preferissem os
ideais aos interesses. Os cidadãos e a paz o merecem.
2016.06.20
– Louro de Carvalho
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