segunda-feira, 20 de junho de 2016

Das implicações da eventual saída do Reino Unido da União Europeia

Eventual saída do Reino Unido da União Europeia trará à cena pública questões de ordem política materializadas em termos económicos e financeiros, mas também questões de ordem científica. Porém, estas só ganharam algum relevo nos últimos dias.

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A propósito, Caetano Reis e Sousa, imunólogo e líder de grupo no instituto Francis Crick, de acordo com informação veiculada pela edição de hoje, dia 20, do Expresso on line, mostra-se “horrorizado com a possibilidade de os ingleses votarem para sair da UE”, cenário, que, não hesita em afirmar, “seria um desastre profundo para a ciência neste país”. Dando voz aos investigadores portugueses que assumem posição contra o Brexit, o qual, na sua ótica, seria “um desastre”, justifica-se dizendo que “a ciência e a investigação neste país só sobrevivem à custa de uma série de financiamentos dados pela UE”. Assim, uma saída britânica da UE seria “um desastre” para a ciência e a investigação no Reino Unido, não só em termos financeiros, mas também humanos. O investigador lamenta que muitas discussões da campanha se tenham centrado mais na elevada contribuição de dinheiro público britânico para o orçamento europeu – cerca de 18 mil milhões de libras (23 mil milhões de euros), ao qual é, contudo, subtraída cerca de metade mercê dos subsídios para agricultura e desenvolvimento regional e apoio a empresas e do reembolso negociado, em 1984, por Margaret Thatcher, a dama de ferro. Porém, a ciência apresenta o contraponto: em ciência recebe-se mais do que se paga. Diz o investigador:
“Logo aí, a balança de pagamentos está a nosso favor. Eu acho que a ciência e a investigação neste país só sobrevivem à custa de uma série de financiamentos dados pela UE, sobretudo o European Research Council [Conselho Europeu de Investigação]”.
Também Carlos Caldas, professor e investigador em oncologia do Instituto Cancer Research em Cambridge, também utiliza o termo ‘desastre’ para mencionar o eventual Brexit, avisando que um corte do financiamento da UE afetará, por via direta, um grande pacote recentemente conquistado e declara:
“Pessoalmente temo pelo que poderá acontecer com o meu European Research Council Advanced Grant que acabei de receber – só é ativada em outubro – e com as múltiplas bolsas Horizonte 2020 a que não poderei continuar a concorrer”.
E, referindo que a saída poderá ter outras consequências, acrescenta:
“Cientistas no Reino Unido não poderão pertencer a painéis de revisão de ciência na União Europeia e a circulação de jovens cientistas será mais difícil”.
Por seu turno, Paul Nurse, presidente do Instituto Crick e antigo presidente da Royal Society, indicou que o Reino Unido recebeu 8,8 mil milhões de euros desde 2007 até 2013 e assinou uma carta com outros 12 cientistas britânicos distinguidos com prémios Nobel, incluindo Peter Higgs, alertando para o ‘risco’ do Brexit para a ciência no Reino Unido, juntando-se a uma advertência de idêntico sentido do astrofísico Stephen Hawking.

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Bill Gates, o fundador da Microsoft advertiu, no passado dia 17, que uma vitória do Brexit no referendo britânico tornaria o país “significativamente menos atrativo para empresários e investidores”. Trata-se duma questão de imagem, mas com inquestionáveis reflexos económicos. O aparecimento do homem mais rico do mundo – que já investiu mais de mil milhões de dólares no Reino Unido – na ribalta da consulta popular de 23 de junho sobre o futuro do país dentro ou fora da UE, acontece após uma semana em que várias sondagens previam a vitória do Brexit. Em carta aberta publicada no The Times, o multimilionário opina, com segurança, que a Grã-Bretanha é “mais forte, mais próspera e mais influente” no quadro da UE, declarando:
“Apesar de a derradeira decisão pertencer ao povo britânico, é claro para mim que, se a Grã-Bretanha escolher ficar fora da Europa, tornar-se-á muito menos atrativa para os que fazem negócios e que investem. Será mais difícil encontrar e recrutar talentos de todo o continente; talentos esses que, por sua vez, criam empregos para as pessoas do Reino Unido”.
Este filantropo, que erigiu a Fundação Bill and Melinda Gates com a sua mulher, sustenta que foi o facto de o Reino Unido pertencer ao bloco europeu e integrar o mercado único que o levou à abertura de instalações de investigação na Universidade de Cambridge, acentuando que investimentos “necessários” como aquele decrescerão se ganhar o Brexit. Assim, especificou:  
“Será mais difícil angariar os investimentos necessários para bens públicos, como novos medicamentos e soluções acessíveis de energia limpa, para os quais precisamos de uma escala de colaboração, partilha de conhecimentos e apoio financeiro garantida pela força combinada [dos Estados-membros] da UE”.

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Depois de as sondagens no início da campanha mostrarem a população britânica dividida quanto ao futuro, os inquéritos de opinião da última semana previam todos a vitória do Brexit. Porém, o homicídio a sangue frio duma deputada trabalhista a favor da integração de migrantes e refugiados por um nacionalista neonazi – justamente uma semana da votação popular – levou alguns analistas a anteciparem que muitos britânicos possam vir a votar a favor da permanência na UE como forma de recusa da extrema-direita. Tal episódio levou à multiplicação de intervenções no sentido do alerta para as consequências políticas do Brexit e parece estar a inverter o sentido das sondagens.
Com efeito, horas depois de divulgada a mais recente sondagem a antever a saída do Reino Unido da UE no referendo do próximo dia 23, as campanhas políticas para essa consulta foram suspensas, após o baleamento e esfaqueamento da deputada trabalhista antiBrexit, em Birstall, perto da cidade de Leeds. Um homem de 52 anos, entretanto identificado como Tommy Mair, foi detido no local logo a seguir ao ataque, à hora em que os media confirmavam que Jo Cox sucumbiu aos ferimentos no hospital. As autoridades britânicas continuam a tentar apurar os motivos do homicídio, com o Telegraph a referir que a polícia estava a analisar “há três meses” o reforço da segurança da trabalhista de 41 anos, eleita em 2015, face às ameaças que recebera nas redes sociais pela sua postura em prol da integração de migrantes e refugiados.
Numa edição especial do programa Question Time da BBC ONE, Cameron renovou, no dia 19, o pedido aos britânicos para que, no referendo, escolham ficar dentro da UE, rejeitando assim o que classifica de alegações “completamente falsas” aduzidas pelos apoiantes do Brexit.
Segundo o Primeiro-Ministro britânico, nenhum dos três grandes avisos apresentados pela campanha Leave são verdadeiros. Sobre a eventual adesão da Turquia ao bloco europeu e questionado sobre se o Reino Unido usará o poder de veto para a impedir, caso continue a integrar a UE, o líder britânico disse que esse é “o argumento mais falacioso” de todos os já apresentados pela barricada antieuropeísta. E disse:
“Não penso que isso vá acontecer durante décadas, portanto no que toca às minhas preocupações essa questão nem se coloca”.
David Cameron refutou ainda o argumento de que o país despende 350 milhões de libras (450 milhões de euros) por semana com a integração europeia em pagamentos à Comissão, referindo que isso não corresponde à verdade e que a criação dum exército europeu – que levou o ex-chefe da Defesa a mudar-se da barricada pró-UE para a que defende o Brexit – não acontecerá. E, estando certo de que “há argumentos para sair”, sublinhou que, apesar de tudo, será “trágico” se o Reino Unido decidir abandonar a UE com base “em três coisas completamente falsas”.
Reagindo às declarações do líder britânico – que em fevereiro cumpriu a promessa de convocar o referendo sobre o futuro do país em relação ao bloco regional europeu, após conseguir o que denomina de “estatuto especial” para convencer os britânicos a permanecer – a campanha Leave defende que Cameron “simplesmente não tem as respostas” sobre estes e outros assuntos e que as pessoas “já não acreditam nele quanto à UE”. E, nas últimas semanas, os defensores do Brexit no referendo alertaram não só para as questões levantadas por Cameron como para a imigração, prevendo que a permanência na UE pode levar ao aumento das entradas de migrantes no Reino Unido sob as regras da livre circulação em vigor no espaço Schengen. A isto o Primeiro-Ministro já respondera que o Governo controlará tais números sem abandonar a UE.
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Também a Hungria se dirigirá, na presente semana, aos cidadãos britânicos, através de anúncios publicados em jornais, pedindo-lhes que fiquem na UE. A mensagem central húngara vai ser: temos orgulho em estar na UE ao lado do Reino Unido. A iniciativa foi surpreendente para os observadores, dada a fama antieuropeísta do Primeiro-Ministro Viktor Orbán, pois, desde que subiu ao poder em 2010, tem enfrentado seriamente Bruxelas a propósito duma série de temas: tratamento de emigrantes, liberdades civis, questões fiscais... No entanto, a Hungria tem recebido transferências comunitárias no valor de largos milhares de milhões de euros, pelo que não seria do seu interesse deixar a UE. Por outro lado, vivem e trabalham no Reino Unido entre 200 e 300 mil húngaros. E é justamente o afluxo maciço de europeus de leste em crescendo um dos argumentos-chave dos britânicos que defendem o Brexit. Mas, pelo lado da Hungria, a ligação à Europa é fundamental, tendo o porta-voz do Governo, Zoltan Kovacs, declarado:
“Embora nos tenham acusado muitas vezes de sermos antieuropeus, isto [a campanha agora lançada nos jornais britânicos] atesta o facto de que a Hungria está comprometida com a União Europeia”.

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Por seu turno, o líder do PSD defende a necessidade dum reforço do compromisso por parte de todos os países da UE e considera que, seja qual for o resultado do referendo no Reino Unido sobre a permanência deste país na UE, o bloco regional irá mudar e a decisão afetará também Portugal. Questionado pelos jornalistas antes dum jantar com a comunidade portuguesa no Rio de Janeiro, o ex-Primeiro-Ministro falou sobre possíveis mudanças no projeto europeu:

“A saída do Reino Unido da UE deixaria o bloco politicamente mais debilitado. Até hoje [a UE] sempre motivou o interesse de todos os países em aderirem e não em saírem. Isto significa, portanto, que precisaremos de melhorar o seu funcionamento”.
Similar entendimento manifestou o Primeiro-Ministro António Costa, bem como os eurocratas de topo, tanto no sentido das consequências como no da liberdade soberana do povo britânico.
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Está visto que as grandes tomadas de posição resultam da defesa parcelar de poderosos interesses e/ou de posturas ideológicas. No entanto, tudo parece mudar com episódios conjunturais, sobretudo se motivos de ordem psicossocial. Assim, os trabalhistas queriam o Brexit, porque o projeto europeu absorve a soberania dos Estados, mas não observa os ditames democrático: mudou para não se juntarem aos neonazis. A opinião pública parecia optar pela saída, mas o homicídio da deputada Jo Cox pelo referido neonazi estará a ditar outro rumo.
Seria bom que os europeus preferissem os ideais aos interesses. Os cidadãos e a paz o merecem.

2016.06.20 – Louro de Carvalho

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