sexta-feira, 24 de junho de 2016

Cidadãos britânicos preferiram a saída da União Europeia. E agora?

Os factos são como são e também eles são elemento constitutivo da vida. O mundo acordou para o dia 24 de junho de 2016 com a notícia de que o Reino Unido optara claramente pelo “Brexit” ou saída da UE, o que implica necessariamente mudanças no continente europeu. Na verdade, o povo britânico votou, a 23, o abandono da UE, após uma campanha marcada pela desinformação, pela xenofobia, pelo medo e pelo assassinato da trabalhista deputada Jo Cox. Tal opção constitui uma irreparável derrota das forças progressistas do Reino Unido e da Europa, que estiveram na linha da frente da defesa da permanência.
Para garantir o resultado eleitoral favorável nas últimas eleições gerais, o Primeiro-Ministro conservador prometeu o referendo e negociou um acordo de exceção para os britânicos a 18 e 19 de fevereiro pp. E o povo disse não à eurocracia burocrática, excessivamente dirigista, pouco democrática, pouco subsidiária e pouco solidária. Mas o Estado escocês e algumas parcelas territoriais do País de Gales preferiam a permanência na UE, bem como a metrópole londrina. Nitidamente, as populações mais vizinhas do Canal da Mancha tiveram medo da invasão migrante e de refugiados que a vizinha e livre França não consegue travar nem controlar.   
Este resultado evidencia aquilo que os verdadeiros “eurófilos” sustentam há muito tempo: muito tem de mudar na UE para os cidadãos se sentirem próximos das instituições, apreenderem o projeto de construção europeia como seu e verem a possibilidade real de nele terem voz ativa. É urgente uma extensa reforma das instituições: maior abertura, transparência e democracia; e menos dirigismo, maior prática da subsidiariedade (tudo o que os Estados-Membros possam decidir e fazer não pode o diretório arrogar-se o direito de mandar e fazer) e maior solidariedade (não deixando para os Estados-Membros a resolução dos problemas comuns a toda da UE e os problemas que um só Estado não consiga resolver só por si).
Como a generalidade daqueles que se pronunciaram numa linha plausível do bom senso, também considero profundamente lamentável o resultado do referendo, mas impõe-se, acima de tudo, o respeito pela decisão soberana do povo. No entanto, pede-se ao Governo de Portugal que passe das palavras à vigilância e, se for necessário, aos atos, no sentido do enquadramento futuro dos emigrantes portugueses residentes no Reino Unido, reforçando a ação diplomática e as equipas de diplomatas naquele país para que os nossos concidadãos sejam devidamente acompanhados neste período de incerteza. Por outro lado, é preciso repudiar a tentativa que se está a evidenciar de fazer eclodir o efeito de dominó, com vários políticos extremistas a exigir o referendo em outros países, como a Grécia, a França, a Irlanda e a Itália – bem como o crescente apoio a forças na Europa favoráveis à desintegração da UE, que assentam os seus argumentos no medo e no nacionalismo, os quais se nutrem das consequências das inevitáveis políticas de austeridade e da terrível indiferença dum escol europeu de má catadura, que não tem sabido estar à altura das legítimas aspirações e expectativas dos 500 milhões de cidadãos europeus.
Neste ato referendário, a esmagadora maioria dos eleitores mais jovens votou pela permanência (mas não e lícita a eutanásia do voto dos mais velhos), o que faz entender que tais gerações percebem que pretender construir a UE é querer construir um projeto democrático, sustentável e em prol da prosperidade partilhada. Porém, tais objetivos só serão alcançados mediante a forte mobilização de todos os que, na Europa e no resto do mundo, estão convictos de que só com mais União se enfrentarão os desafios da atualidade, como: os conflitos globais, as alterações climáticas, a fome, as migrações e a luta contra a progressiva escassez de recursos. Para a Europa estar à altura, é preciso congregar todas as forças progressistas que desejam reformar a UE.
Neste 1.º quartel do século XXI, a opção far-se-á entre nacionalismos e refundação do projeto europeu. A Europa tem de apostar convictamente no destino coletivo dos cidadãos europeus, invertendo o status quo existente: exigindo transparência e revisão imediata dos mecanismos de tomada de decisão. Os governos verdadeiramente europeístas, os cidadãos que acreditam na transformação da Europa, as forças partidárias progressistas e os movimentos pan-europeus devem, todos juntos e sem diferenças de tratamento, optar sem tardança pela UE da cidadania.
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O Reino Unido era, no dizer de Miguel Mendes Pereira, no Expresso on line, de hoje, dia 24, um país que, na UE, “providenciava um elemento de equilíbrio crucial entre o poderio alemão e o desespero francês” – elemento que faltará com a saída da UE, agora decidida. Mas há mais.

Após vários anos de gestão tensa entre os claros impulsos intergovernamentais protagonizados pelo poderio alemão e pelos nacionalismos emergentes na Europa Central e Oriental, bem como pelo supranacionalismo que enformou a história e os objetivos da UE desde o seu início, temos agora alguém que “simplesmente bate com a porta” (vd colunista citado). E isto é grave para a UE, porque evidencia que o divórcio europeu é uma solução possível decorrente dos Tratados. Ora, se a rutura integra o catálogo das soluções, não raro diminuem, se esvaem e anulam os esforços institucionais. Doravante, saem muito revigorados em todos os Estados-Membros (e em muitos o populismo nacionalista e a xenofobia ganham cada vez mais adeptos) os partidários da saída da UE. Por outro lado, o Reino Unido proporcionava, como se disse, “um elemento de equilíbrio crucial entre o poderio alemão e o desespero francês” (id et ib), pois a abordagem crítica britânica recusava o seguidismo da retórica do diretório franco-alemão, sendo aquele país quem tantas vezes dotou as soluções europeias do pragmatismo que induziu o avanço da integração europeia. Ademais, nenhum outro Estado-Membro tem o peso histórico, económico e militar que permita o mesmo tipo de desempenho. O “Brexit” é ainda de lamentar, a nível interno, porque o Reino Unido corporizava uma visão mais liberal da economia contraposta à visão da França, mais intervencionista e estatizante, o que gerava um certo equilíbrio entre duas visões distintas na UE. Ora, se o “Brexit” se estender, nos seus efeitos, ao grupo de países em que se integram, por exemplo, os Países Baixos e os países escandinavos – países não estão dispostos a descambar para uma deriva estatista à francesa – estes terão de se questionar sobre o que efetivamente querem. E a resposta a esta questão pode ser preocupante para a continuidade da UE.
Ao nível externo à UE, a saída dum Estado-Membro que tem assento no Conselho Permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e corporiza a quinta maior economia do mundo (que as agências de rating ameaçam desclassificar) constitui uma significativa perda de terreno face ao resto do mundo. A UE, cuja voz já era de peso insuficiente, fica mais diminuta ainda e, pior, fica politicamente muito mais débil.
E, quanto a Portugal, também é preciso ponderar os efeitos do “Brexit”. O país necessita de estabilidade política e económica. Os nossos indicadores económico-financeiros são tão débeis que um abalo, por mínimo que seja ou pareça, nos pode “reatirar” para uma situação-limite. E a situação do país é, neste momento, altamente periclitante. Portugal precisa duma UE forte, que ironicamente está cada vez mais enfraquecida. E, na UE, Portugal seguramente beneficiava por ter, na UE, o antigo aliado, com quem partilha a visão atlântica da Europa e do mundo.
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É normal que as economias e os movimentos financeiros se ressintam na turbulência que se aproxima. Cabe aos dirigentes da UE e dos países amigos do Reino Unido – e muitos (EUA e Canadá) estão a fazê-lo – moderar a tendência alarmista ou a tentação de retaliação (política, diplomática e económica). A este respeito, os líderes europeus – que deixarão de representar 28 países (o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, e Mark Rutte, detentor da presidência rotativa do Conselho da UE), depois de se terem pronunciado em separado, assinaram uma declaração conjunta.
Embora lamentem a decisão do povo britânico de sair da UE, dizem respeitá-la por ter decorrido dum “processo livre e democrático” e mostram-se unidos na resposta a esta “situação sem precedentes”, assegurando permanecer fortes e a defender “os valores essenciais da UE de promover a paz e o bem-estar dos seus povos”. A União de 27 Estados-Membros irá continuar e constituirá “o enquadramento do nosso futuro político comum”. Unidos pela História, Geografia e interesses comuns, “desenvolveremos” – porfiam – “a nossa cooperação nessa base”. Na sua ótica, a Europa responderá ao “desafio comum de gerar crescimento, aumentar a prosperidade e garantir um ambiente seguro para os nossos cidadãos” e “as Instituições desempenharão todas as suas funções neste sentido”. Aguardam que o governo britânico (que se declarou demissionário a curto prazo) concretize a decisão tomada pelo seu povo o mais rapidamente possível, por mais doloroso que o processo se venha a revelar, pois qualquer eventual atraso “prolongaria desnecessariamente a incerteza”. Recordam sumariamente as regras para lidar de forma ordenada com esta situação. Citam, em especial, o artigo 50.º do Tratado da União Europeia, que define o procedimento a seguir, caso um Estado-Membro decida sair da UE, mostrando-se prontos para lançar “as negociações com o Reino Unido relativamente aos termos e às condições da sua saída da UE”, sendo que, até o processo negocial ficar concluído, o Reino Unido continua membro da UE com todos os direitos e obrigações daí decorrentes. Declaram que, tal como foi acordado, o “Novo Quadro para o Reino Unido na União Europeia”, obtido no Conselho Europeu de 18 e 19 de fevereiro de 2016, não produzirá efeitos e deixará de existir. E, no atinente ao Reino Unido, dizem esperar tê-lo como “um parceiro próximo da União Europeia no futuro”, esperando que o país “formule as suas propostas a este respeito”, já que qualquer acordo concluído com o Reino Unido enquanto país terceiro refletirá “os interesses de ambas as partes” e será “equilibrado em termos de direitos e obrigações.”
Jaime Gama sugere que a UE tem de evitar a sobranceria ou espírito de retaliação nas negociações que vai iniciar (que parecem aflorar na declaração conjunta) e Jaime Nogueira Pinto sublinha a importância do regresso da política. Também o Papa, na viagem para a Arménia, sublinha a vontade expressa pelo povo e apela a que todos ajam com grande responsabilidade para garantir o bem daquele povo bem, como o bem e a convivência de todo o eurocontinente.
Finalmente, os dirigentes europeus, em nome da paz, deveriam prudentemente aguardar pelo desfecho da petição (já com mais de 100 mil assinaturas) para o lançamento de novo referendo, dada a reduzida margem de vitória do sim neste, o que nalguns países tirava o seu caráter vinculativo.

2016.06.24 – Louro de Carvalho

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