Di-lo, em entrevista de hoje, dia 27 de março, Tony Neves, sacerdote e
jornalista, que vive em Roma desde finais de 2018, a dirigir, a nível mundial,
o departamento Justiça e Paz da Congregação do Espírito Santo. Exortando os
cristãos a que confiem nas decisões da Igreja, que tem agido com “sentido de
responsabilidade social”, diz que há sérias lições a colher desta pandemia que
infeta o mundo, de modo que desejar voltar ao “normal” do antes, “será um erro
histórico grave”, perspetivando-se como o grande desafio a construção de “um
futuro mais ecológico, mais solidário e mais fraterno, onde as pessoas tenham
mais lugar”.
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Da sua experiência de
isolamento social em Roma diz que é diferente de muitas outras, pois vive numa comunidade de 20 pessoas de quase outros
tantos países, pelo que está em contacto com o mundo. Mantêm as distâncias
entre si, tomam os cuidados necessários, estão em casa, mas o mundo entra-lhes pela
casa dentro – o que os ocupa e preocupa, pois têm “uma noção mais global do que
este coronavírus está a fazer por esse mundo fora”.
Pensa que o maior drama ainda está para suceder nos países onde os seus 3000
confrades vivem, trabalham e acompanham o que se passa no mundo, pois
localmente não há condições rastreio, o vírus já por lá anda e não há meios
suficientes para o travar. Embora ainda não tenham Missões propriamente em
risco, todos os seus missionários – de que “alguns eventualmente até já estão
contaminados, mas não fizeram qualquer exame para o descobrir” – já receberam orientações
no sentido de seguirem rigorosamente as orientações das autoridades e das
igrejas locais, pois quem está numa das missões mais interiores (em África,
Ásia ou América Latina), pode achar
que isto é só para os outros. Ora, “é preciso evitar que o vírus chegue e
se espalhe muito em todo o mundo”. E o missionário jornalista diz:
“Nós estamos, a partir aqui de Roma, a dar
muitas orientações a quem está no terreno, sobretudo nesta perspetiva: muito
cuidado, muito comprimento de orientações, e que se precavejam, por
antecipação, que vejam as pessoas com quem lidam, para que aquilo que está
acontecer aqui na Europa não aconteça na África, na Ásia e na América Latina,
onde as consequências serão muito mais desastrosas. Se o vírus entra numa
favela do Rio de São Paulo, ou em bairros de Luanda ou de Maputo, será muito
mais complicado o combate.”.
Comparando esta situação
pandémica com o tempo de guerra em que viveu enquanto missionário – e dizendo que
vai escrever na próxima semana um texto
a comparar com o que foi Angola há 30 anos, durante os combates dentro duma
cidade, o que é o combate contra o novo coronavírus –, alude a enormes diferenças
e explana uma delas:
“Uma guerra é uma situação terrível, em que
temos a cabeça a prémio em cada segundo, porque pode vir uma bomba ou uma bala
perdida, podem entrar os militares com metralhadoras a dar rajada, e podemos
morrer. Muita gente morre. Mas, o perigo de contaminação do jeito que o coronavírus
provoca, esse perigo numa guerra não existe.”.
Conta que, durante a Guerra Civil do Huambo, por vezes, saiu debaixo das
balas para ir para os fundos de uns prédios celebrar missa com o povo. Porém,
conseguindo passar a rua e chegar ao fundo do prédio, não ia contaminar
ninguém, antes ia dar alegria e esperança com a celebração conjunta da fé,
naquele contexto. Ora, agora quando falamos dum vírus que não sabemos se não
estamos a levá-lo às outras pessoas ou se estas o darão a nós e nós o transmitiremos
a outrem, estamos a correr e a fazer correr riscos. Trata-se de um inimigo invisível e de alto contágio.
Se fosse invisível, mas soubéssemos, ao menos, que não traria grandes
problemas ao nível do contágio, cada um tomaria decisões independentemente dos
outros, pondo eventualmente em risco a sua vida, mas não a dos outros. Porém,
mercê das caraterísticas que a ciência atribui ao Covid-19, “temos de ter um
sentido muito altruísta e pensar muito também nos outros”.
Interpelado sobre se a
Igreja Católica, no seu todo, reagiu adequadamente a esta pandemia, incluindo a
suspensão das eucaristias coletivas e o encerramento das igrejas, o missionário
disso não tem quaisquer dúvidas e justifica:
“Se há coisa que Deus nos dá é inteligência,
e essa inteligência ao longo dos séculos foi ganhando expressões, também no
plano da investigação e da tecnologia. Hoje em dia a ciência diz-nos que um
vírus como este é altamente transmissível por contágio, portanto, a partir do
momento em que Deus nos diz, através dos cientistas, que este vírus tem estas
caraterísticas e pode fazer estas maldades, então a Igreja tem de dar ouvidos a
essas pessoas e tomar medidas de acordo com a situação.”.
Nestes termos, diz que a Igreja católica (como as outras igrejas e religiões) não tinha alternativa. E a Igreja, decidindo assim, “aceitou
estar neste combate, que é difícil, mas que vamos ganhar”.
Lembrado da reflexão da sua recente
crónica, do dia 26, sob o título ‘padres antivírus’,
onde afirma “não peçam aos padres que violem as orientações das autoridades civis
e do Papa” e face à contestação a estas medidas da parte de alguns cristãos,
não condena ninguém: limita-se a dar a sua “colaboração
para uma reflexão séria, que seja também uma reflexão de fé sobre este tipo de
situações”. Censura a ideia de quem pensa que “tudo o que acontece de desgraça
como um castigo de Deus”, tal como censura a ideia de quem olha assim para a
ciência. E sustenta:
“Deus é bom, e a ciência também é fruto da
sabedoria que Deus dá, portanto, temos é de olhar para a ciência que nos diz:
‘as caraterísticas deste vírus são estas e estas, vamos fazer distanciamento
social’. É isso que temos de fazer.”.
A única forma de combater este vírus não é só rezar mais e, neste caso, o
combate não passa por “manifestações públicas de fé juntando muita gente”. E o
sacerdote jornalista garante:
“Nós podemos rezar, podemos descobrir uma
nova forma de relação com Deus, e até de uns com os outros enquanto
comunidades, respondendo com inteligência, mas também com sentido de
responsabilidade social a este tipo de pandemias.”.
Por isso, assenta em que as decisões do Papa e das hierarquias são muito
acertadas, pelo que as pessoas que não compreendem essas decisões devem refletir
e acatar as orientações.
***
A seguir, fala do projeto
que está a desenvolver com o Padre Artur
Teixeira, ex-presidente da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal e
agora Conselheiro Geral dos missionários claretianos, que também está em Roma e
que o desafiou a publicarem, dia sim, dia não, no Facebook – e depois divulgarem-nas
através de outros meios – reflexões para “ajudar as pessoas a perceber este
momento a partir da nossa maneira própria de estar na vida. Começaram no dia
20. E a crónica dos ‘padres antivírus’,
surgiu da necessidade que sentem de explicar a missão destes enquanto padres,
como podem os cristãos e o mundo todo olhar para ela e qual é a colaboração que
todos temos de dar para combater esta pandemia.
Como jornalista, sente o
desafio de estar sempre atento e refletir sobre as coisas e continua a fazê-lo semanalmente no projeto ‘Lusofonias’, através do site
da Ecclesia e de diversas rádios
lusófonas; escreve e grava um comentário sobre um tema da atualidade, que tem
sido, nos últimos tempos, sobre a temática que o Covid-19 impõe. Porfia “que
este vírus não pode esconder outros problemas”, ou seja, “o mundo não se pode
reduzir a este vírus”, pois continuam as guerras, a fome, as pragas de
gafanhotos que dizimam uma parte da África e da Ásia, tal como persiste a
instabilidade e a insegurança em muitos lugares do mundo. Por outro lado, “o Covid-19 já está a gerar problemas de desemprego”, de modo que “muita gente que
vivia do seu trabalho diário não está a conseguir sobreviver”. E há idosos em
casa mais ou menos abandonados e pessoas a sofrer de outras doenças, para quem agora
não se olha tanto. Ora, diz o missionário jornalista, “temos de ter esta
preocupação de não deixar afunilar de tal maneira a nossa reflexão e a nossa
prática”, pois “o mundo continua a andar…”.
Questionado sobre se – usando
a Igreja os meios digitais ao seu dispor para comunicar com os fiéis – estamos
a assistir a uma nova fase de comunicação na Igreja, nada vindo a ser no futuro
igual ao que era, responde que espera que o
futuro seja diferente, pois é preciso descobrir outras formas de ser Igreja, de
estar com as pessoas, de celebrar e de ser solidário. E Tony Neves menciona gestos
simples, como o do padre que põe no Facebook a mensagem ‘eu agora não gasto tempo em celebrações e em catequeses e reuniões, por
favor, pessoas mais idosas e dependentes que precisam de ir à farmácia ou ao
supermercado contactem-me, eu faço isso por vocês’; e como o da quantidade
de bispos e padres que celebram diariamente a Eucaristia com transmissão pela
internet, com as suas meditações.
Depois, sublinha a importância do humor, que está muito presente e que é
muito libertador. Não se trata de gozar com a situação, mas de “pegar nestas
situações e sermos capazes de distender um bocadinho”, fazendo passar mensagens
através de posts ou publicações de
pequenos vídeos e filmes, que “nos ajudam a distender, a rir um bocadinho, e
sobretudo a lançar perspetivas de futuro, com esperança, com alegria”. E dá uma
nota de esperança e de futuro:
“Porque isto vai passar! O mundo já provou
muitas vezes que estas situações acontecem, e têm de ser situações que nos
purifiquem e nos ajudem a partir para um amanhã melhor. É assim que eu vejo o
futuro.”.
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Obviamente, como responsável
mundial pelo Departamento Justiça e Paz dos missionários Espiritanos, tem normalmente
de viajar e acompanhar as missões em vários países. A este respeito, refere que
esta a situação ainda não tem dificultado o seu trabalho a esse nível. Aponta como
próximo o Capítulo Geral na Polónia, em finais
de junho, que ainda não foi desmarcado. E regista que, devendo, em termos de
agenda, terminar as suas saídas com uma visita de um mês a Cabo Verde, a
completou. Assim, o trabalho desta altura já era muito de casa, ou seja, preparar
o Capitulo Geral. E é nisso que tem estado empenhado. Mas admite o adiamento do
Capítulo Geral por força das circunstâncias, sendo que, nesse caso, os
trabalhados sofrerão alterações. Mas está a ser ajudado por todos e espera,
como todos, que isto se resolva depressa.
E, quanto a lições a colher
no pós-pandemia, nomeadamente ao nível do sistema económico, sustenta que fazem
agora mais sentido os alertas do Papa para a necessidade dum novo modelo
económico. E adverte que, “se o que
queremos depois da passagem deste vírus é voltar ao ‘normal’, estaremos a
cometer um erro histórico grave”. Ora, o mundo, que “investiu muito a pensar na
guerra, nas armas e no terrorismo”, devia ter investido “na saúde, na educação
e na ciência, porque isso é que nos teria agora dado ferramentas para estarmos
preparados para a chegada desta pandemia”. E, apostando no pensamento num
futuro diferente, defende:
“Temos de pensar num futuro com um estilo de
vida mais simples. O Papa propôs isso na ‘Laudato
Si’ e noutros documentos. Temos de ter uma economia muito mais solidária e
assente nas pessoas, uma ecologia mais integral, o respeito pela natureza.”.
E, anotando que bastou um mês (com esta pandemia) para uma série de indicadores serem neste momento
muito melhores do que eram há dois meses, por exemplo a poluição e afins, quer
que aprendamos com esta experiência forçada para, de forma livre e responsável,
construirmos um futuro mais ecológico, solidário e fraterno onde as pessoas
tenham mais lugar.
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Que o
Covid-19 nos leve ousadamente ao abandono do individualismo e do egoísmo e nos
abra para maior solidariedade e sentido comunitário!
2020.03.27 –
Louro de Carvalho
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