Como
anunciou, a 8 de março, a Presidência da República, Rebelo de Sousa suspendeu por
duas semanas a agenda de contactos nacionais e estrangeiros e vai permanecer em
casa sob monitorização, “apesar de não apresentar nenhum sintoma” de infeção
por Covid-19.
A decisão foi
tomada depois de o Presidente da República ter estado no passado dia 3 (terça-feira), no Palácio de Belém, com uma turma
duma escola de Felgueiras (distrito
do Porto), que foi
encerrada posteriormente devido ao internamento de um aluno.
A nota da Presidência
da República é explícita:
“Atendendo
ao que se sabe hoje e não se sabia na terça-feira passada, tendo ouvido as
autoridades de saúde, o Presidente da República, apesar de não apresentar
qualquer sintoma virótico, decidiu cancelar toda a sua atividade pública, que
compreendia várias presenças com número elevado de portugueses, assim como a
própria ida a Belém, durante as próximas duas semanas. O mesmo fará com deslocações
previstas ao estrangeiro.”.
Segundo a
predita nota, “nem o aluno ora internado, nem a sua turma estiveram em Belém”.
No dia 3, uma
turma da aludida escola de Felgueiras tinha estado em Belém, no âmbito da
iniciativa “Artistas no Palácio de Belém”,
numa sessão a que assistiu Marcelo Rebelo de Sousa, “tendo, no final, tirado
fotografias com os alunos e professores, sem, no entanto, os ter cumprimentado
um a um”.
A Presidência
da República refere também que estão já em curso contactos “com todos os que
estiveram presentes na sessão de terça-feira”, tendo sido suspensa a iniciativa
“Artistas no Palácio de Belém”, que
deveria durar até ao fim do ano letivo.
Reforça ainda
a nota em referência de Belém:
“No
momento em que todos os portugueses demonstram elevada maturidade cívica
perante o surto virótico, entende o Presidente da República que deve dar
exemplo reforçado de prevenção, sem embargo de continuar a trabalhar na sua
residência particular”.
Assim, embora
estivesse previsto, em agenda não oficial, que o Presidente da República
participaria na procissão do Senhor dos Passos, em Lisboa, no início da tarde
do domingo, dia 8, o Chefe de Estado acabou por não comparecer. Igualmente,
apesar de a agenda oficial prever a visita do Presidente da República à Unidade
Especial de Polícia (UEP) da Polícia de Segurança Pública, na
Amadora, distrito de Lisboa, Marcelo não compareceu em virtude da sua
quarentena voluntária. Aliás, já no passado dia 7, o Presidente da República
tinha referido que decidiu reduzir “uma parte da agenda” a nível nacional por
causa do surto de Covid-19, “para não criar problemas em concentrações em
recintos fechados”, mas estimava manter as viagens previstas. E, quanto às viagens
internacionais, entre as quais uma a Espanha no final do mês para participar no
encontro da COTEC Europa, em Málaga, disse que estaria “dependente de outros
Estados”, que tinham manifestado intenção de manter os programas previstos.
Em Portugal,
estão confirmados cerca de 40 casos de infeção e o Governo anunciou a suspensão
temporária de visitas em hospitais, lares e estabelecimentos prisionais na
região Norte. E foram encerrados temporariamente alguns estabelecimentos do
ensino secundário e do superior.
A Ministra da
Saúde admitiu que o risco da epidemia em Portugal poderá ser reavaliado nas
próximas horas e levar à adoção de novas medidas excecionais.
No dia 3,
depois da iniciativa “Artistas em Belém”,
o Presidente da República participou na cerimónia de entrega do Prémio BIAL
Biomedicina 2019, em Lisboa. No dia seguinte, esteve no Camões – Instituto da
Cooperação e da Língua I.P, também em Lisboa, na iniciativa “Camões dá que falar” e esteve reunido,
no Palácio de Belém, com os presidentes das câmaras municipais de Lisboa e
Porto. No dia 5, esteve no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, a visitar os
doentes infetados com Covid-19 ali estavam internados, tendo falado “por
intercomunicador” com três doentes infetados. No mesmo dia, participou na
sessão de encerramento da conferência “Portugal…
e agora?”, promovida pelo Público
no âmbito dos seus 30 anos. No dia 6, não teve agenda aberta à comunicação
social, mas no dia 7 esteve presente na homenagem à economista Manuela Silva,
que decorreu no Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa, e visitou
os doentes infetados com Covid-19 no Hospital de São João, no Porto, e esteve, à
noite na comemoração do centenário do Teatro Nacional São João, juntamente com
o Primeiro-Ministro.
***
Não é
muito compreensível esta atitude presidencial, sobretudo pelo facto de hoje,
dia 9, a Presidência da República ter divulgado que “foi negativo o resultado do teste efetuado, ao começo da tarde, ao
Presidente da República”. Estranhamente, a mesma nota adianta que, “apesar de continuar sem sintomas viróticos,
o Presidente da República continuará a trabalhar em casa até perfazer as duas
semanas referidas na nota ontem divulgada”.
Ora, era
suposto, como sucede noutros países em circunstâncias análogas, promover o
isolamento de áreas e indivíduos e grupos de infetados ou suspeitos, mas não a
autoridade máxima. Protegê-la não equivale a isolá-la. É justa a suspensão das
iniciativas previstas de ajuntamentos para o Palácio de Belém ou das viagens
internacionais. Porém, é ainda menos compreensível o autoisolamento marcelino
prolongado, se o aluno internado e a sua turma não se cruzaram com o Presidente
e se os testes a que se submeteu deram resultados negativos. E não é crível que
a Direção-Geral da Saúde lhe tenha imposto ou recomendado a quarentena. Só a
conhecida hipocondria do Presidente a pode explicar, embora a não justifique.
Compreendendo-se
o cancelamento de atividades extraordinárias, não se entende muito bem que
negócios do Estado sejam despachados a partir da residência particular do Chefe
de Estado, como será o caso da promulgação (ou eventual veto) da Lei do Orçamento do Estado.
Aliás, Marcelo criou um precedente, a que ninguém reagiu, quando tratou de
negócios do Estado e promulgou diplomas partir do hospital onde foi
intervencionado por via duma hérnia umbilical. Os seus antecessores promulgaram
diplomas a partir de lugares diferentes de Belém, mas fizeram-no no âmbito de
presidências abertas em que, por exemplo, o Paço dos Duques em Guimarães se
constituiu em sede da Presidência. Ora, a casa particular de Marcelo não pode
ser considerada sede da Presidência: por exemplo, não irão ali embaixadores
apresentar as cartas credenciais. Por isso, a segurança pessoal (que
tem a componente médica)
deveria curar da deslocação do Presidente a Belém, onde até o supremo
magistrado da nação pode assentar arraiais.
Se, como
afirma, é amigo do Papa, pode acolher o seu exemplo: apesar de este residir
habitualmente em Santa Marta e ter cancelado atos em que é notório o
ajuntamento de pessoas, tem-se deslocado ao Palácio Apostólico para atos
oficiais como a recitação do Angelus e as audiências gerais e protocolares. E,
de facto, entrou no Palácio Apostólico um indivíduo infetado com o Covid-19, o
que levou a Direção de Saúde do Vaticano, a reboque das autoridades de saúde
italianas, talvez exageradas, a ditar o aconselhamento acolhido pelo Papa.
Enfim,
de Presidente dos afetos, tão expansivo e charmoso, passou Marcelo a refugiado em
casa, marcado pela excessiva cautela em nome da prevenção. Ora, nem oito nem
oitenta…
Exemplo não
é. Quem se pode arrogar a ter emprego que o deixe trabalhar a partir de casa?
2020.03.09 –
Louro de Carvalho
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