segunda-feira, 2 de março de 2020

Do malefício ou benefício das pausas no trabalho


A questão das pausas no trabalho veio recentemente à ribalta porque se tornou público que um tribunal autorizou a Galp Espanha a descontar do salário dos trabalhadores as pequenas pausas diárias, ao passo que, tal como foi dito, essa penalização não será aplicada em Portugal.
A convicção, até há pouco tempo estribada na intuição, mas com o tempo aferida pelas investigações, é a de que parar é essencial para o trabalhador e o empresário pode ver aumentada a produtividade. E, aumentada esta, é possível apostar na competitividade. Por alguma razão, acontece que, sendo Portugal o país em que os trabalhadores trabalham muitas horas por dia e por semana, fica bastante abaixo na produtividade e competitividade em relação a países onde se trabalha durante menos tempo.
É óbvio que os fatores da pouca produtividade e competitividade não se cingem à falta de pausas, mas sobretudo ao défice de organização e gestão da empresa/serviço e do trabalho e à falta de formação de muitos trabalhadores, falha imputável predominantemente às entidades patronais e gestoras, bem como à aposta em salários baixos a par de remunerações altas aos trabalhadores-sanduíche. Se excetuarmos, a pausa para o almoço – que usualmente é de 90 minutos, a menos que a empresa/serviço disponha de refeitório ou similar, em pode baixar para 1 hora – não costumam estar previstas outras pausas laborais nos contratos de trabalho. Não obstante, muitas empresas têm normas e regulamentos internos que são comunicados aos trabalhadores. E muitos dos gestores vêm tolerando pequenas pausas de 5 a 10 minutos para tomar um café ou outra bebida (de preferência não alcoólica), fumar um cigarro, apanhar ar e, se o trabalho é demasiado sedentário por natureza, para esticar os músculos dos braços e das pernas.
É óbvio que este regime de tolerância se presta a abusos, que alguns gestores, em vez de exercerem o seu poder de moderação e a sua capacidade de motivação sobre os trabalhadores, fazem finca-pé no horário observado milimetricamente – como se a presença fosse meio caminho andado – e na intolerância em relação ao regime de faltas, licenças e férias, como se daí resultasse maior eficiência, bem como ao agravamento das condições de trabalho. Depois, queixam-se das baixas médicas ditas excessivas e das situações de doença prolongada. De facto, cortar muito rente as unhas leva os dedos a sangrar, originando eventuais despesas evitáveis.
Talvez seja oportuno referir as condições de trabalho por que passam as escolas desde 2005, em que, a par do reduzido número de auxiliares de ação educativa, vulgo assistentes operacionais, os professores passam imenso tempo a dar aulas de 45 ou 50 minutos – sendo vigiados, em muitos casos os seus momentos de entrada na sala de aula e os de saída dela, bem como a implacabilidade de eventual interrupção da aula (incluindo eventual ida à casa de banho) – e a cumprir uma componente não letiva em que passam a maior parte do tempo com alunos e em que os intervalos de 15 minutos, 10 ou 5 não são contados como tempo de serviço, como se nesses tempos fosse possível irem tratar de algum assunto pessoal ou familiar. E tentou-se que os intervalos que as crianças do 1.º Ciclo têm a meio da manhã ou a meio da tarde não contassem como tempo de serviço. Depois, passou a poder contar-se, mas o professor/a teria que se responsabilizar por algo de mal que acontecesse às crianças. Credo!   
Está visto que interromper o trabalho por 5 ou 10 minutos é uma necessidade e uma mais-valia, para o trabalhador e para a entidade patronal. Assim, Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e coach alerta:   
Por mais que muitas empresas continuem a pedir uma dedicação plena, sem intervalos nem distrações, não nos podemos esquecer das nossas caraterísticas e necessidades, nem ignorar os dados elaborados nos últimos anos em torno da produtividade”.
A predita especialista, mencionando um estudo que analisou 5,5 milhões de registos diários de pessoal dum escritório, segundo o qual os profissionais mais produtivos trabalham em média 52 minutos até fazerem uma pausa de cerca de 17, refere:
São muitos os estudos que, nos últimos anos, têm aferido os múltiplos benefícios de micropausas ao longo de um dia de trabalho ou de estudo, seja para garantir maiores níveis de saúde física e mental, seja para favorecer a maior eficácia”.
Uma assistente de backoffice em empresa de trabalho temporário diz-se familiarizada com uma política de intervalos definida pela empresa: direito a 5 minutos de pausa por cada hora de trabalho. Assim, além da hora do almoço, há direito a 40 minutos diários utilizáveis ad libitum, não se contando como pausas deste jaez as idas à casa de banho, apesar de a empresa já o ter tentado. Porém, esta gestão flexível não se verifica em todos os departamentos, pois quem atende o público, apesar de usufruir dos mesmos 40 minutos por dia, precisa de autorização para parar, a fim de não haver sobreposições que prejudiquem o serviço.
Filipa Silva não tem dúvida de que as pausas regulares, a cada hora, promovem não só maior produtividade, mas ainda melhor capacidade de decisão e de resolução de problemas, maiores níveis de criatividade, maior consolidação de aprendizagens e de memórias e níveis de motivação mais sustentáveis. E, sendo importantes para todos, revestem-se de mais importância para a produtividade de quem tem empregos cerebrais ou trabalho em áreas criativas. E a psicóloga, reconhecendo que tais pausas revitalizam a capacidade de atenção, assegura:
Para tarefas que exijam mais do nosso cérebro do que do nosso corpo, a estrutura do córtex pré-frontal é particularmente requerida. É esta área do nosso cérebro que nos ajuda a manter focados nos objetivos e é também esta área que é responsável pelo funcionamento lógico, funções cognitivas superiores e capacidade de tomada de decisão em detrimento de impulsos.”.
Também Dalila Madureira, designer e diretora de arte numa agência de comunicação, frisa:
É muito contraproducente insistir em vez de parar para arejar. No caso de bloqueio, insistir significa passar horas de volta de um trabalho sem necessidade. Por norma, quando se está bloqueado, basta parar um bocado e ir fazer outra coisa que, quando se volta, sai tudo com mais facilidade e mais rapidamente.”.
Todavia, como as pausas não apresentam todas as mesmas vantagens e, para que realizem o seu propósito, há que assegurar uma mudança de foco, avisa Filipa Silva:
Se vamos continuar a falar sobre trabalho ou a dizer mal do/a colega do lado, naturalmente, este tempo não será tão eficaz como poderia”.
E faz sentido fazer algum movimento físico, em escritório ou num espaço exterior, para atenuar as longas horas passadas frente à secretária e ao computador, aproveitando estes intervalos para abastecer o corpo com bons níveis de hidratação e uma nutrição de qualidade, bem como para socializar e conversar um pouco, o que reforça as relações entre colegas com vista à satisfação pessoal e à criação e manutenção de um bom clima de trabalho.
Na verdade, o que é importante não é o controlo rígido do horário e da presença, mas que o trabalho apareça feito a horas, mesmo que isso implique meter mãos à obra a desoras ou ao fim de semana. Com efeito, a questão também é: quando são flexíveis connosco, nós somos igualmente flexíveis; e a motivação para produzir é outra.
Assim, as pausas funcionam como o dia na produção da fotossíntese por parte das plantas e para recarregar baterias em prol da dignificação da pessoa humana, do bem-estar com a família (e acompanhamento dos seus problemas) e a melhoria do desenvolvimento profissional.
2020.03.02 – Louro de Carvalho

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