Para a renovação da declaração do estado de emergência
requerem-se os mesmos procedimentos que para a declaração inicial, tal como
devem ser respeitados os mesmos limites – cf artigos 19.º, 134.º/d), 138.º,
161.º/l) e 197.º/f), da Constituição; e artigos 3.º, 5.º, 10.º, 11.º, 14.º,
15.º, 16.º, 24.º, 25.º e 26.º do regime do estado de sítio e do
estado de emergência, aprovado pela Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, e cuja
última alteração foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11 de maio.
Não obstante, o mencionado art.º
26.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, faz uma distinção relevante entre a renovação
da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência e a alteração das
medidas nela estabelecidas. Assim, o seu n.º 1 estabelece que “a renovação da
declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, bem como a sua
modificação no sentido da extensão das respetivas providências ou medidas,
seguem os trâmites previstos para a declaração inicial”. Porém, o n.º
2 estabelece que “a modificação da declaração do estado de
sítio ou do estado de emergência no sentido da redução das respetivas
providências ou medidas, bem como a sua revogação, operam-se por decreto do
Presidente da República, referendado pelo Governo, independentemente de prévia
audição deste e de autorização da Assembleia da República”. Isto é, não
tem de haver audição (Governo) e autorização (Parlamento).
Relativamente à iminência da renovação da
declaração do estado de emergência em vigor até às 24 horas do próximo dia 2 de
abril, o Chefe de Estado declarou, na tarde
do dia 30 de março, que não tomará nenhuma decisão sobre o prolongamento do
estado de emergência – e sobre os moldes em que poderá ser prolongado, se
mantendo as medidas que atualmente vigoram ou se endurecendo o decreto e
limitando mais as liberdades para responder à epidemia – sem ouvir os
especialistas de saúde. Fez esta declaração em resposta aos jornalistas que o
aguardavam após uma reunião com confederações de comércio e turismo, no Palácio
de Belém, em Lisboa. Com efeito, segundo declarou, “eles nos dirão onde estará
o pico, como será a evolução até ao pico, como será a evolução depois do pico”.
Assim, o Presidente da República quer saber “o panorama sanitário, do ponto de
vista da saúde”. E pormenorizou os termos das suas razões:
“É preciso saber se o quadro de medidas que o estado de emergência
permitiu, que é muito flexível – dá ao Governo poder para tomar medidas muito
diversas – é suficiente ou não. Sabemos, mesmo antes de ouvir os especialistas,
que é uma situação que está para durar bastante tempo, não uma nem duas, mas
várias semanas. Mas é importante ouvir os especialistas para saber exatamente
quantas semanas e em que termos, para saber exatamente quando é que se localiza
ao pico, como é que cresce até ao pico e depois como decresce. Cresce mais
rapidamente ou menos rapidamente, decresce depois rapidamente ou não – e até
quando? Isso é muito importante para poder calibrar as medidas.”.
Adiantou que
hoje, dia 31, haveria reuniões com o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-ministro,
ministros, líderes partidários e parlamentares e conselheiros de Estado.
E disse que,
depois de ter informações das autoridades de saúde, irá ouvir “o parecer do
Governo” que se pronunciará “como
aconteceu da última vez, sobre não só a renovação do estado de emergência, mas
também sobre o que entende que pode ser, ou deve ser, introduzido no conteúdo
dessa renovação”. Depois, no dia 1, ao fim da tarde, Marcelo enviará para o
Parlamento, acompanhada de mensagem fundamentada, a decisão já com o resultado
das conversas que estão em curso com Governo e com a auscultação da posição do
Governo. E, na proposta do decreto presidencial,
constará tudo o que o Chefe de Estado entende como necessário para a situação;
o Parlamento debaterá e, se for caso disso, aprovará, o que espera que venha
acontecer na manhã do dia 2, último dia da vigência do atual estado de emergência.
É de referir que ao Parlamento cabe autorizar ou não
a proposta do Presidente tal como ele a formular, não podendo introduzir-lhe
emendas (cf n.º 3 do art.º 10.º da mencionada lei), como não pode condicionar
os termos do decreto presidencial (cf n.º 3 do
art.º 24.º da mencionada lei).
Do ponto de
vista de Marcelo, no dia 30, era “prematuro” dizer algo “antes de ouvir
especialistas, porque eles é que dirão como é que vai ser do seu ponto de vista
evolução da epidemia”, como era necessário “ultimar contactos com Governo” para
“poder dizer em que tempo é que, a haver uma renovação, ela é efetuada, se o
texto será igual ao da declaração, se deve ter mais elementos. E, aquando
destas declarações, ainda não tinha dados para decidir.
***
Por sua vez,
o Primeiro-Ministro deu como provável o prolongamento das medidas do estado de emergência,
assumindo que o país vai “entrar no mês mais crítico desta pandemia”,
pelo que, na próxima semana, já espera que o plano de testes em lares
possa cobrir todo o país.
Em concreto,
sobre o estado de emergência, disse, à saída duma visita às obras de
recuperação do antigo Hospital Militar de Belém, em Lisboa, unidade que se
destina a instalar o novo centro de apoio militar para o combate à pandemia de Covid-19:
“O Presidente da República tomará, esta
semana, a iniciativa de renovar ou não o estado de emergência, o Governo dará
nessa altura a sua opinião ao Presidente da República e haverá uma decisão da
Assembleia da República. Eu creio, sem fazer futurologia, que o que é
expectável é que, sabendo nós que temos tido sucesso, felizmente, em baixar o
pico desta pandemia – ou seja, o momento em que o maior número de pessoas
estará infetada, mas ao mesmo tempo prolongando a duração desta pandemia –,
isto significa que vamos ter de prolongar também as medidas que têm vindo a ser
adoptadas, com estado de emergência ou sem estado de emergência.”.
Costa
sublinhou o contributo que cada um pode dar, que é o confinamento em
casa: “O vírus não anda sozinho, é
fundamental mover-nos o menos possível” – disse. E, depois de salientar o
trabalho desenvolvido pelas Forças Armadas na prevenção e combate ao surto, admitiu
que “o melhor” seria que as camas que se estão a preparar neste centro de apoio
militar não viessem a ser precisas, mas prevalece o princípio “desejar o melhor, mas estar preparado para o
pior”.
No atinente
ao número total de testes que vai ser realizado em lares – e cujo programa se iniciou
no dia 30, António
Costa disse não ter esse dado, pois toda a
operação resulta da articulação de várias instituições e universidades. No
entanto, o projeto-piloto iniciado será alargado a todo o país na próxima
semana, em resultado da articulação entre o Instituto de Medicina Molecular de
Lisboa, que pode realizar 300 testes por dia, e outras universidades. O objetivo
é conseguir cobrir todo o país com estas iniciativas, mobilizando os laboratórios
universitários, parecendo “particularmente útil para separar pessoas infetadas tão
cedo quanto possível”.
Interpelado
sobre a hipótese de um governo de salvação nacional, no futuro, admitida
pelo líder do PSD à RTP na noite do dia 29, Costa disse não querer comentar por
não ter ainda visto a entrevista, mas concordou com a ideia de que, “neste
momento, nada justifica alteração das coisas”. No entanto, observou que, a
seguir a esta pandemia, independentemente de poder haver “segundas vagas”, há
um momento para “relançar a reconstrução” da economia. E frisou:
“Aí o esforço necessário tem de ser de
todos. Esse sentido de salvação nacional tem prevalecido na sociedade
portuguesa e nos políticos. Não devemos consumirmo-nos nas discussões e formas
políticas. Temos de nos concentrar no objetivo de estancar a pandemia.”.
E,
questionado pelos jornalistas sobre o pedido de documentos justificativos por parte das forças de segurança aos automobilistas
a circular nas vias, o Chefe do Governo não comentou por o considerar “extemporâneo”,
mas remeteu para a avaliação do estado de emergência decretado a 18 de
março. Ora, apesar de salientar o “cumprimento generalizado da sociedade
portuguesa” das medidas de recolhimento, aproveitou para fazer alguma pedagogia:
lembrou o “dever de recolhimento” com as exceções previstas na lei e, relativamente
ao período da Páscoa, recordou as restrições de circulação e de distanciamento,
vincando:
“As pessoas não podem ir à terra, não podem
ir passar férias ao Algarve, as famílias numerosas não podem passar juntas, têm
de estar separadas”.
***
É ainda de mencionar que o Presidente da República, na intervenção mencionada
acima, deixou uma nota sobre as previsões erradas quanto à evolução do surto da
própria Organização Mundial de Saúde (OMS). No início, como apontou, houve uma “previsão
da OMS que não correspondeu à realidade”. As primeiras declarações da
OMS pareciam apontar para um fenómeno regional, a ficar ali, na Ásia, e
porventura num país, a China, o que não aconteceu. Especialistas e políticos em
todo o mundo, acreditando nesse testemunho, no início disseram coisas e, depois,
o processo mostrou que não era bem assim. Embora não tenha citado nomes, as declarações
do Presidente pareceram justificar algumas das declarações iniciais feitas por
Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, agora repescadas e criticadas,
sobretudo nas redes sociais.
O Presidente
da República revelou ainda ter falado, no dia 30, com o presidente
italiano sobre a União Europeia (UE) e sobre a
evolução da pandemia nos dois países. E relatou:
“Falámos de preocupações comuns: a primeira, a pandemia. Itália está convencida de que em breves
dias entra em viragem da curva, o que significa um decrescimento do
número de casos diários. Seria uma evolução, veremos como, porque é
imprevisível – lá como em todo o mundo –, mas uma evolução mais positiva que
aquela que tem tido. Disso falou o Presidente italiano. Expliquei-lhe a
situação portuguesa, que é diversa: começou mais tarde e está a ter uma
evolução diferente até agora.”.
Outro tema
de conversa entre os Presidentes de Portugal e Itália foi a ação da UE na
resposta à pandemia. E Marcelo contou:
“Falámos da Europa, de como é importante que a Europa tenha posições
comuns fortes, percebendo a importância da pandemia e a necessidade de acorrer
aos efeitos económicos e sociais da UE”.
Nesta
altura, como apontou Marcelo, “é importante afirmar a unidade europeia, a
solidariedade europeia, o que significa que não
se pode esperar um, dois ou três meses como alguns pensam para haver respostas
europeias no terreno”. E “não é em teoria, é no terreno” – assegurou.
Questionado ainda
sobre as queixas de profissionais de saúde relativas a uma insuficiência de
material de proteção e respondeu assim:
“Praticamente todos os países se depararam com um fenómeno novo. Esse
fenómeno novo significava proteções diferentes das existentes e numa quantidade
imprevisível e testes diferentes e numa quantidade imprevisível. Houve que
fazer encomendas, continuam a chegar
em quantidade que é sempre aquém do que se tinha previsto em cada momento
– quer EPI quer testes. O que significa
que é uma situação que ultrapassou todas as previsões e expectativas. É
verdade, admito isso.”.
***
Enfim,
embora não o digam claramente, pelos dizeres de Marcelo e de Costa, até pela
incerteza sobre a evolução da pandemia, virá aí a renovação da declaração do
estado de emergência, como provavelmente outras no futuro próximo, e
provavelmente com o endurecimento de algumas providências e medidas (por
exemplo a exibição de documento justificativo, ainda que elementar, para
circulação para trabalho),
mas também com mais plataformas de apoio à sua execução e ao bem-estar das
populações. Por outro lado, Costa assume que o sentido de salvação nacional tem
estado presente no quadro de atuação do Governo.
2020.03.31
– Louro de Carvalho
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