terça-feira, 31 de março de 2020

A declaração do estado de emergência vai ser renovada


Para a renovação da declaração do estado de emergência requerem-se os mesmos procedimentos que para a declaração inicial, tal como devem ser respeitados os mesmos limites – cf artigos 19.º, 134.º/d), 138.º, 161.º/l) e 197.º/f), da Constituição; e artigos 3.º, 5.º, 10.º, 11.º, 14.º, 15.º, 16.º, 24.º, 25.º e 26.º do regime do estado de sítio e do estado de emergência, aprovado pela Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, e cuja última alteração foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11 de maio.
Não obstante, o mencionado art.º 26.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, faz uma distinção relevante entre a renovação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência e a alteração das medidas nela estabelecidas. Assim, o seu n.º 1 estabelece que “a renovação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, bem como a sua modificação no sentido da extensão das respetivas providências ou medidas, seguem os trâmites previstos para a declaração inicial”. Porém, o n.º 2 estabelece que a modificação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência no sentido da redução das respetivas providências ou medidas, bem como a sua revogação, operam-se por decreto do Presidente da República, referendado pelo Governo, independentemente de prévia audição deste e de autorização da Assembleia da República”. Isto é, não tem de haver audição (Governo) e autorização (Parlamento).
Relativamente à iminência da renovação da declaração do estado de emergência em vigor até às 24 horas do próximo dia 2 de abril, o Chefe de Estado declarou, na tarde do dia 30 de março, que não tomará nenhuma decisão sobre o prolongamento do estado de emergência – e sobre os moldes em que poderá ser prolongado, se mantendo as medidas que atualmente vigoram ou se endurecendo o decreto e limitando mais as liberdades para responder à epidemia – sem ouvir os especialistas de saúde. Fez esta declaração em resposta aos jornalistas que o aguardavam após uma reunião com confederações de comércio e turismo, no Palácio de Belém, em Lisboa. Com efeito, segundo declarou, “eles nos dirão onde estará o pico, como será a evolução até ao pico, como será a evolução depois do pico”. Assim, o Presidente da República quer saber “o panorama sanitário, do ponto de vista da saúde”. E pormenorizou os termos das suas razões:
É preciso saber se o quadro de medidas que o estado de emergência permitiu, que é muito flexível – dá ao Governo poder para tomar medidas muito diversas – é suficiente ou não. Sabemos, mesmo antes de ouvir os especialistas, que é uma situação que está para durar bastante tempo, não uma nem duas, mas várias semanas. Mas é importante ouvir os especialistas para saber exatamente quantas semanas e em que termos, para saber exatamente quando é que se localiza ao pico, como é que cresce até ao pico e depois como decresce. Cresce mais rapidamente ou menos rapidamente, decresce depois rapidamente ou não – e até quando? Isso é muito importante para poder calibrar as medidas.”.
Adiantou que hoje, dia 31, haveria reuniões com o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-ministro, ministros, líderes partidários e parlamentares e conselheiros de Estado.
E disse que, depois de ter informações das autoridades de saúde, irá ouvir “o parecer do Governo” que se pronunciará “como aconteceu da última vez, sobre não só a renovação do estado de emergência, mas também sobre o que entende que pode ser, ou deve ser, introduzido no conteúdo dessa renovação”. Depois, no dia 1, ao fim da tarde, Marcelo enviará para o Parlamento, acompanhada de mensagem fundamentada, a decisão já com o resultado das conversas que estão em curso com Governo e com a auscultação da posição do Governo. E, na proposta do decreto presidencial, constará tudo o que o Chefe de Estado entende como necessário para a situação; o Parlamento debaterá e, se for caso disso, aprovará, o que espera que venha acontecer na manhã do dia 2, último dia da vigência do atual estado de emergência.
É de referir que ao Parlamento cabe autorizar ou não a proposta do Presidente tal como ele a formular, não podendo introduzir-lhe emendas (cf n.º 3 do art.º 10.º da mencionada lei), como não pode condicionar os termos do decreto presidencial (cf n.º 3 do art.º 24.º da mencionada lei).  
Do ponto de vista de Marcelo, no dia 30, era “prematuro” dizer algo “antes de ouvir especialistas, porque eles é que dirão como é que vai ser do seu ponto de vista evolução da epidemia”, como era necessário “ultimar contactos com Governo” para “poder dizer em que tempo é que, a haver uma renovação, ela é efetuada, se o texto será igual ao da declaração, se deve ter mais elementos. E, aquando destas declarações, ainda não tinha dados para decidir.
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Por sua vez, o Primeiro-Ministro deu como provável o prolongamento das medidas do estado de emergência,  assumindo que o país vai “entrar no mês mais crítico desta pandemia”, pelo que, na próxima semana, já espera que o plano de testes em lares possa cobrir todo o país. 
Em concreto, sobre o estado de emergência, disse, à saída duma visita às obras de recuperação do antigo Hospital Militar de Belém, em Lisboa, unidade que se destina a instalar o novo centro de apoio militar para o combate à pandemia de Covid-19:
O Presidente da República tomará, esta semana, a iniciativa de renovar ou não o estado de emergência, o Governo dará nessa altura a sua opinião ao Presidente da República e haverá uma decisão da Assembleia da República. Eu creio, sem fazer futurologia, que o que é expectável é que, sabendo nós que temos tido sucesso, felizmente, em baixar o pico desta pandemia – ou seja, o momento em que o maior número de pessoas estará infetada, mas ao mesmo tempo prolongando a duração desta pandemia –, isto significa que vamos ter de prolongar também as medidas que têm vindo a ser adoptadas, com estado de emergência ou sem estado de emergência.”.
Costa sublinhou o contributo que cada um pode dar, que é o confinamento em casa: “O vírus não anda sozinho, é fundamental mover-nos o menos possível” – disse. E, depois de salientar o trabalho desenvolvido pelas Forças Armadas na prevenção e combate ao surto, admitiu que “o melhor” seria que as camas que se estão a preparar neste centro de apoio militar não viessem a ser precisas, mas prevalece o princípio “desejar o melhor, mas estar preparado para o pior”.
No atinente ao número total de testes que vai ser realizado em lares – e cujo programa se iniciou no dia 30, António Costa disse não ter esse dado, pois toda a operação resulta da articulação de várias instituições e universidades. No entanto, o projeto-piloto iniciado será alargado a todo o país na próxima semana, em resultado da articulação entre o Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, que pode realizar 300 testes por dia, e outras universidades. O objetivo é conseguir cobrir todo o país com estas iniciativas, mobilizando os laboratórios universitários, parecendo “particularmente útil para separar pessoas infetadas tão cedo quanto possível”.
Interpelado sobre a hipótese de um governo de salvação nacional, no futuro, admitida pelo líder do PSD à RTP na noite do dia 29, Costa disse não querer comentar por não ter ainda visto a entrevista, mas concordou com a ideia de que, “neste momento, nada justifica alteração das coisas”. No entanto, observou que, a seguir a esta pandemia, independentemente de poder haver “segundas vagas”, há um momento para “relançar a reconstrução” da economia. E frisou:
Aí o esforço necessário tem de ser de todos. Esse sentido de salvação nacional tem prevalecido na sociedade portuguesa e nos políticos. Não devemos consumirmo-nos nas discussões e formas políticas. Temos de nos concentrar no objetivo de estancar a pandemia.”.
E, questionado pelos jornalistas sobre o pedido de documentos justificativos por parte das forças de segurança aos automobilistas a circular nas vias, o Chefe do Governo não comentou por o considerar “extemporâneo”, mas remeteu para a avaliação do estado de emergência decretado a 18 de março. Ora, apesar de salientar o “cumprimento generalizado da sociedade portuguesa” das medidas de recolhimento, aproveitou para fazer alguma pedagogia: lembrou o “dever de recolhimento” com as exceções previstas na lei e, relativamente ao período da Páscoa, recordou as restrições de circulação e de distanciamento, vincando:
As pessoas não podem ir à terra, não podem ir passar férias ao Algarve, as famílias numerosas não podem passar juntas, têm de estar separadas”.
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É ainda de mencionar que o Presidente da República, na intervenção mencionada acima, deixou uma nota sobre as previsões erradas quanto à evolução do surto da própria Organização Mundial de Saúde (OMS). No início, como apontou, houve uma “previsão da OMS que não correspondeu à realidade”. As primeiras declarações da OMS pareciam apontar para um fenómeno regional, a ficar ali, na Ásia, e porventura num país, a China, o que não aconteceu. Especialistas e políticos em todo o mundo, acreditando nesse testemunho, no início disseram coisas e, depois, o processo mostrou que não era bem assim. Embora não tenha citado nomes, as declarações do Presidente pareceram justificar algumas das declarações iniciais feitas por Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, agora repescadas e criticadas, sobretudo nas redes sociais.
O Presidente da República revelou ainda ter falado, no dia 30, com o presidente italiano sobre a União Europeia (UE) e sobre a evolução da pandemia nos dois países. E relatou:
Falámos de preocupações comuns: a primeira, a pandemia. Itália está convencida de que em breves dias entra em viragem da curva, o que significa um decrescimento do número de casos diários. Seria uma evolução, veremos como, porque é imprevisível – lá como em todo o mundo –, mas uma evolução mais positiva que aquela que tem tido. Disso falou o Presidente italiano. Expliquei-lhe a situação portuguesa, que é diversa: começou mais tarde e está a ter uma evolução diferente até agora.”.
Outro tema de conversa entre os Presidentes de Portugal e Itália foi a ação da UE na resposta à pandemia. E Marcelo contou:
Falámos da Europa, de como é importante que a Europa tenha posições comuns fortes, percebendo a importância da pandemia e a necessidade de acorrer aos efeitos económicos e sociais da UE”.
Nesta altura, como apontou Marcelo, “é importante afirmar a unidade europeia, a solidariedade europeia, o que significa que não se pode esperar um, dois ou três meses como alguns pensam para haver respostas europeias no terreno”. E “não é em teoria, é no terreno” – assegurou.
Questionado ainda sobre as queixas de profissionais de saúde relativas a uma insuficiência de material de proteção e respondeu assim:
Praticamente todos os países se depararam com um fenómeno novo. Esse fenómeno novo significava proteções diferentes das existentes e numa quantidade imprevisível e testes diferentes e numa quantidade imprevisível. Houve que fazer encomendas, continuam a chegar em quantidade que é sempre aquém do que se tinha previsto em cada momento – quer EPI quer testes. O que significa que é uma situação que ultrapassou todas as previsões e expectativas. É verdade, admito isso.”.
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Enfim, embora não o digam claramente, pelos dizeres de Marcelo e de Costa, até pela incerteza sobre a evolução da pandemia, virá aí a renovação da declaração do estado de emergência, como provavelmente outras no futuro próximo, e provavelmente com o endurecimento de algumas providências e medidas (por exemplo a exibição de documento justificativo, ainda que elementar, para circulação para trabalho), mas também com mais plataformas de apoio à sua execução e ao bem-estar das populações. Por outro lado, Costa assume que o sentido de salvação nacional tem estado presente no quadro de atuação do Governo.
2020.03.31 – Louro de Carvalho

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