O Chefe de Estado decretou o estado de emergência em todo o
território nacional para reforçar o combate ao novo coronavírus. Para
tanto, precisou de, ouvido o Governo e (facultativamente) do Conselho de Estado, requerer a autorização à
Assembleia da República, conseguindo assim armas para a que, nas palavras do
Presidente da República, é “uma verdadeira guerra”.
Houve
conselheiros que levantaram dúvidas sobre declaração de Estado de emergência,
mas no fim quase ninguém se opôs à intenção de Marcelo. Foram três horas e
quarenta e cinco minutos em videoconferência, mas os conselheiros não tiveram
dificuldade em alinhar as suas posições. Quase sem divergências, o Conselho de
Estado deu o parecer favorável à decisão
de declarar o estado de emergência, o que permite ao Governo restringir algumas
liberdades para conter o surto de Covid-19. A esmagadora maioria dos
conselheiros fez intervenções favoráveis. Houve, no entanto, conselheiros que
suscitaram dúvidas e outro que manifestou reservas claras, mas ninguém se opôs
à ideia do Presidente de decretar estado de emergência. Um dos conselheiros
presentes na reunião confessou que “não houve votação”, como avisou, desde o
princípio o Presidente, mas se houvesse, a perceção é de que “teria sido
aprovado por unanimidade”.
O Governo
pode usar ou não as prerrogativas concedidas, mas, como explicava um
conselheiro, está protegido de ver declaradas como inconstitucionais “algumas das suas ações
necessárias”.
Marcelo não
mostrou o documento em causa aos participantes na reunião, mas informou os
conselheiros sobre o tipo de liberdades que ia propor que pudessem ser
restringidas e as que não podem ser limitadas neste combate. A principal
liberdade que vai ser vedada – como consta do decreto e que o Presidente
permite que o Governo possa restringir – é a
livre circulação de pessoas, ficando claro que tem de ser garantido o abastecimento e o acesso a bens
essenciais .
Na reunião
falou-se também das liberdades que não podem ser restringidas: liberdade de imprensa, liberdade de
expressão, liberdade de se deslocar para o local de trabalho ou para adquirir
mantimentos. No fundo, trata-se duma
autorização política ao Governo, o que significa que o Decreto do Presidente da
República n.º 14-A/2020, de 18 de março, não apresenta nenhuma medida, competindo ao executivo de Costa decidir as
medidas a tomar na próxima reunião do Conselho de Ministros.
E, embora a
saúde fosse a prioridade de todos, houve outra matéria que levantou dúvidas aos
conselheiros de Estado. É, aliás, uma das questões que mais reservas tem
levantado entre quem duvida da eficácia e teme as repercussões duma medida
desta gravidade: o impacto económico. Alguns dos participantes mostraram-se
preocupados e Marcelo garantiu que em breve (provavelmente em maio) convocará uma
reunião Conselho de Estado para abordar a questão.
***
Consciente da divisão de que o recurso ao estado
de emergência gera entre os portugueses, Marcelo, em comunicação ao país,
apresentou as cinco razões essenciais que explicam o passo:
- Antecipação e reforço da
solidariedade entre poderes públicos e deles com o Povo. Embora o povo
português tenha sido exemplar, este é um sinal político dado por Presidente da
República, Assembleia da República e Governo como afirmação de solidariedade
institucional, de confiança e determinação, para o que tiver de ser feito
nestes dias, semanas, e meses.
- Prevenção, pois mais vale
prevenir do que remediar. O que foi aprovado não impõe ao Governo decisões
concretas, mas dá-lhe uma mais vasta base de Direito para as tomar, assim lhe permitindo
tomar, com rapidez e em patamares ajustados, medidas necessárias no futuro.
- Certeza, uma base de
Direito que dá o quadro geral de intervenção e garante que, acabada a crise,
não venha a ser questionado o fundamento jurídico das medidas já tomadas e a
tomar.
- Contenção, pois um estado
de emergência confinado não atinge o essencial dos direitos fundamentais,
porque obedece ao fim preciso do combate à crise da saúde pública e da criação
de condições de normalidade na produção e distribuição de bens essenciais a
esse combate.
- Flexibilidade. De facto,
o estado de emergência dura 15 dias, no fim dos quais pode ser renovado, com
avaliação, no terreno, do estado da pandemia e sua previsível evolução.
***
O decreto
de declaração do estado de emergência suspende direitos, liberdades e garantias
para evitar o contágio pelo novo coronavírus. Nestes termos, fica “parcialmente suspenso”:
- O direito de deslocação e
fixação em qualquer parte do território nacional. As autoridades podem impor o
confinamento compulsivo no domicílio ou em estabelecimento de saúde e cercas
sanitárias, bem como interditar deslocações e a permanência injustificada na
via pública. Pode sair-se de casa para atividades profissionais, obtenção de
cuidados de saúde, assistência a terceiros e “por outras razões ponderosas” que
sejam estipuladas pelo Governo.
- O direito de propriedade e
iniciativa económica privada. Assim,
as autoridades podem requisitar “a prestação de quaisquer serviços e a
utilização de bens móveis e imóveis, de unidades de prestação de cuidados de
saúde, de estabelecimentos comerciais e industriais de empresas e outras unidades
produtivas”, bem como determinar a “obrigatoriedade de abertura, laboração e
funcionamento” de certas empresas, estabelecimentos ou meios de produção.
- Alguns direitos dos trabalhadores,
podendo estes ser chamados a trabalhar, independentemente do tipo de vínculo. Podem,
“se necessário”, ter de desempenhar “funções em local diverso, em entidade
diversa e em condições e horários de trabalho diversos dos que correspondem ao
vínculo existente”. E fica “suspenso o exercício do direito à greve na medida
em que possa comprometer” infraestruturas e unidades essenciais à população.
- A circulação internacional. Podem ser impostos controlos
fronteiriços de pessoas e bens, incluindo controlos sanitários em portos e
aeroportos para “impedir a entrada em território nacional ou de condicionar
essa entrada” e tomadas medidas para “assegurar a circulação internacional de
bens e serviços essenciais”.
- O direito de reunião e de
manifestação. Pode
ser limitada ou proibida a realização de reuniões ou manifestações que, pelo
número de pessoas envolvidas, potenciem a transmissão do vírus.
- A liberdade de culto na sua
dimensão coletiva. As
autoridades públicas passam a ter o poder de limitar ou proibir a “realização
de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto que impliquem
uma aglomeração de pessoas”.
- O direito de resistência. Fica impedido todo o ato de
resistência ativa ou passiva às ordens emanadas das autoridades públicas
competentes em execução do estado de emergência”.
Porém,
há direitos
fundamentais que permanecerão em vigor neste estado de emergência. Entre os direitos que permanecem ativos estão
o direito à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade
civil e à cidadania, à não retroatividade da lei criminal, à defesa dos arguidos e à
liberdade de consciência e de religião. Também não são afetadas a liberdade de
expressão nem a de informação. “Em caso algum pode ser posto em causa o princípio do Estado
unitário ou a continuidade territorial do Estado”. E a Procuradoria-Geral da
República e a Provedoria de Justiça manter-se-ão, doravante, “em sessão
permanente”.
Em
carta a acompanhar o projeto de decreto, remetida à Assembleia da
República, Marcelo
salienta que o documento permite “adotar medidas necessárias à contenção da
propagação da doença Covid-19” e que o Governo deu “o seu acordo” à declaração de estado de
emergência.
Faltava,
assim, a Assembleia da República pronunciar-se sobre a declaração do estado de
emergência para o mesmo entrar em vigor. O Parlamento reuniu na tarde deste dia 18
para discutir e votar o documento, numa altura em que existem pelo menos 642
casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus.
A
declaração do estado de emergência decretada pelo Presidente da República foi
autorizada pela Assembleia da República de modo que o Governo está capacitado
para adotar
medidas necessárias à contenção da propagação da doença Covid-19, que está a assolar o país e o mundo.
Assim, os portugueses apenas poderão ausentar-se de casa para saídas
estritamente necessárias, como idas ao supermercado ou farmácia. Quem não cumprir incorre em crime de
desobediência, segundo
o art.º 7.º do Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência (Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na
sua redação atual). É um
crime cujo objeto é a violação da declaração ou da execução da lei que determina
o estado de emergência.
Aos
cidadãos será aplicada a norma incriminatória prevista no artigo 348.º do
Código Penal:
“Quem
faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente
comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com
pena de multa até 120 dias”.
Porém,
é de anotar que o
crime de desobediência é apenas um dos muitos que pode ser praticado
no
contexto de estado de emergência, cuja punição visa a defesa do próprio Estado de
Direito, seja por violação de deveres emergentes da declaração vertida na lei,
seja por limitações excessivas aos direitos, liberdades e garantias dos
cidadãos. Em
relação a este aspeto, as autoridades têm de prestar atenção à necessidade
constitucional de preservar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à
capacidade civil e à cidadania, à não retroatividade da lei criminal, à defesa
dos arguidos, liberdade de expressão e à liberdade de religião, que são alguns
dos direitos que estão assegurados, mesmo estando em vigor o estado de
emergência.
Assim,
o Primeiro-Ministro garantiu que “a
democracia não está suspensa” e disse, em declarações transmitidas pelas
televisões:
“É
fundamental que a vida continue, tudo aquilo que são as cadeias de
abastecimento fundamentais de bens essenciais têm de ser assegurados, os
serviços essenciais têm de continuar a ser prestados. O país não vai parar.”.
A
seguir, virá a determinação
de medidas de apoio financeiro a empresas e trabalhadores. Com efeito, se forem implementadas
medidas de quarentena e/ou isolamento obrigatórios, as empresas terão de
recorrer obrigatoriamente ao teletrabalho para assegurarem a continuação da atividade
profissional, pois os trabalhadores não poderão deslocar-se ao seu local de
trabalho.
***
Esta situação
diverge do estado de sítio, pois esse pode ocorrer em caso de ameaça de invasão
externa ou a iminência desta, bem como de graves alterações à ordem
constitucional, quando o estado de emergência está concatenado com a calamidade
pública. Por outro lado, no estado de sítio, a supervisão das operações cabe às
forças armadas no topo das quais está o Estado-Maior General das Forças
Armadas, por o país estar em pé de guerra ou em descontrolo constitucional, ao
passo que na situação de emergência a supervisão cabe às autoridades civis,
podendo ser necessária a colaboração das forças armadas a bem das populações.
Enfim,
tudo se faz para a democracia não perigar, sendo prioritário o bem superior das
pessoas.
2020.03.18 –
Louro de Carvalho
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