quinta-feira, 5 de março de 2020

Sobre as não poucas agressões a professores


De vez em quando a comunicação social traz à tona notícias de agressão a professores na escola ou por causa da escola, desconhecendo-se habitualmente o seu desfecho.
A situação é preocupante sem que haja números oficiais de professores agredidos para lá dos portões, em estabelecimentos de educação e ensino. Com efeito, o Observatório de Segurança em Meio Escolar está suspenso e o Programa Escola Segura dão conta de 6422 ocorrências em ambiente escolar no ano letivo de 2017/2018, menos 9,1% do que no anterior, embora haja mais queixas por ameaças. Porém, estes registos não referem especificamente quantas ocorrências estão relacionadas com agressões a professores. E quem sente o ambiente escolar garante que o assunto merece a máxima atenção e que estas agressões devem ser crime público.
Apontam-se razões para a frequência de agressões a quem ensina: falta de autoridade do professor e do Estado, desvalorização da classe, défice de funcionários e de psicólogos na escola, indisciplina e contexto duma sociedade cada vez mais impaciente e hipercrítica.
O presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) garante a atenção das escolas às situações de agressão a professores e funcionários e entre alunos, pelo que vão reportando as ocorrências. Olha estes casos como reflexo duma sociedade “impaciente e cada vez mais desafiadora da autoridade”. Entende que agredir um professor devia ser “crime público e as despesas suportadas pela tutela”. E, segundo diz ao “educare.pt”, que dá voz a outros, pressupõe que os docentes agredidos em exercício de funções desistem das queixas apresentadas pela ‘desqualificação’ do tipo de crime e pelo dispêndio com a demanda”.
Aponta-se o desrespeito da parte de quem deve apoiar os professores: os políticos desprezam o múltiplo trabalho dos docentes e, fazendo discursos sobre a educação como prioridade, não a têm como tal. Trata-se mal quem ensina, a atratividade da carreira docente é pouca, há muitas vagas por ocupar em cursos que formam docentes, de modo que algumas disciplinas podem ficar sem professores numa década. E o presidente da ANDAEP sustenta:  
Os professores encontram-se desmotivados e exaustos, desejosos de demonstrações de carinho e afeto, mas também de ações positivas que contribuam para a valorização e dignificação da classe docente, vilipendiada por sucessivas políticas educativas desastrosas, com início na divisão da carreira em professores titulares e não titulares”.
Por sua vez, o presidente da ANDE (Associação Nacional de Dirigentes Escolares) diz ao “educare.pt” que são conhecidos os sinais e os números aumentam: faltam professores em algumas regiões, é preocupante o envelhecimento da classe e uma debandada geral por aposentação delapidará as escolas de um património de difícil substituição; faltam assistentes operacionais e políticas efetivas de acompanhamento dos alunos nos espaços escolares que diminuam as “situações de conflito que tantas vezes culminam em agressões várias, arrastando ou dando origem a outras consequências como a intervenção de alguns encarregados de educação”.
E o caminho é valorizar e dignificar publicamente a classe docente, olhar a educação como uma aposta segura e não como encargo incontornável, melhorar a imagem pública do serviço educativo, revalorizar a escola pública através de políticas de real e efetivo investimento, criar mecanismos de reforço da autoridade na escola e responsabilizar civilmente os responsáveis por situações graves ou, no caso de menores, responsabilizar os encarregados de educação.
Nos últimos tempos, há notícias de agressões a profissionais de diversas áreas. Para o presidente da ANDE, os sinais são preocupantes e devem inquietar toda a comunidade. É verdade que a situação não é nova, mas os casos que eram identificados mereciam repúdio imediato e a justiça usava mão pesada. Agora facilita a perda de respeito a desvalorização duma classe fustigada por depreciações contínuas e por algum desinteresse efetivo por parte de muitos governos que têm alinhado no discurso do silêncio, deixando via aberta para quem “a classe docente é um pesado encargo e não um instrumento capaz de socialmente ajudar a desenvolver o país”. Por outro lado, a morosidade e a ineficácia da justiça levam a que as hipotéticas sanções sejam quase sempre simbólicas ou aplicadas fora do tempo. É de lembrar a desvalorização monetária dos profissionais de educação, que afasta cada bons profissionais e traz constantemente para a praça pública situações disruptivas que não dignificam o sistema educativo e os profissionais.
E o presidente da ANDE conclui:
Os mecanismos de autoridade, nas escolas, têm perdido elasticidade constantemente, limitando uma intervenção preventiva mais efetiva. Por sua vez, alguns encarregados de educação exigem à escola medidas casuais, mediante interesses divergentes ou ocasionais, o que, muitas vezes, ajuda a maximizar situações de conflito que, nalguns casos, pode culminar em desrespeito efetivo e mesmo em situações de agressão.”.
Também a FNE (Federação Nacional da Educação) está preocupada com a questão, tendo aprovado até um documento sobre tolerância zero à violência na escola, com um capítulo dedicado às agressões aos professores, e chamado a atenção para a necessidade do reforço da autoridade dos trabalhadores em educação, com um combate sem tréguas à indisciplina e à violência através de medidas preventivas, “nomeadamente com equipas multidisciplinares de acompanhamento do clima interno das escolas, e assumindo as agressões físicas como crime público”.
E a FENPROF (Federação Nacional dos Professores), na sua atenção ao assunto, propõe o reforço da autoridade dos professores, a criação dum observatório para a violência nas escolas, o apoio jurídico aos professores agredidos, menos silêncio por parte da tutela e a condenação clara da violência exercida sobre professores.
Para o blogue ComRegras, “a preocupação não é saber se as agressões estão a aumentar ou a diminuir” (uma já seria grave), mas “constatar que as agressões são recorrentes e os docentes e não docentes não sentem que algo esteja a ser feito para alterar o rumo dos acontecimentos”, pois as agressões a professores são a ponta do icebergue do clima de indisciplina e violência em muitas escolas. E os únicos números conhecidos (que pecam por defeito) são das forças de segurança.
O ME (Ministério da Educação) esconde-se em comunicados inócuos, sem apresentar qualquer medida. Os professores são muitos, são uma voz ativa da sociedade e parece evidente que a estratégia de dividir para reinar é a norma instituída. Assim, os alunos não querem ser professores e os professores, sobretudo os mais velhos, contam os dias para ir embora – o que deveria ser suficiente para fazer pensar quem nos governa, mas, quando se omitem realidades como a indisciplina escolar e se deturpam factos como os valores inerentes à recuperação de todo o tempo de serviço docente, é óbvio que se perdeu a vergonha e que vale tudo.
E o blogue ComRegras aponta várias medidas para que a violência contra os professores não se torne habitual: reconhecer que há um problema de indisciplina na escola; conhecer os dados concretos e quantificados da indisciplina das escolas; e intervir de diferentes formas, como: aumentar o número de professores em regime de codocência, reduzir o número de alunos por turma, contratar mais funcionários para aumentar o controlo nos intervalos, penalizar de forma efetiva as famílias negligentes, reforçar o acompanhamento a famílias problemáticas, apostar na formação de base e contínua de gestão de conflitos para docentes e não docentes, tornar crime público as agressões a professores, pagar as custas processuais dos professores agredidos, aumentar o número de psicólogos, reduzir a carga letiva dos alunos (que os leva à exaustão e, consequentemente à indisciplina), criar percursos alternativos logo no 3.º Ciclo do Ensino Básico e reformular o Estatuto do Aluno.
O ME tem como bandeira de combate à indisciplina a criação de tutorias, que nem sequer são individuais, como se essas resolvessem o problema. Nas questões disciplinares, escolas e professores sentem-se abandonados à sua sorte e, apesar das diversas propostas apresentadas ao ME, nada foi feito. Os professores sabem que, antes de ensinar, é preciso ter disciplina na sala de aula. Ora, se o ME ignora isso, gasta inutilmente tempo e dinheiro em reformas pedagógicas.
Por seu turno, o porta-voz da ANVPC (Associação Nacional dos Professores Contratados) olha a escola como espelho da sociedade, que vive novos problemas refletidos na escola. E, sustentando que a agressão aos professores agrega vários fatores, considera:
O exercício de violência sobre um professor é um gravíssimo ato de verdadeiro ataque à democracia. A existência de violência em espaço escolar tem um enorme potencial de replicação por toda a sociedade.”.
Na sua ótica, é urgente o trabalho e apoio de todos para um fim definitivo à violência nas escolas, em nome dum “convívio tranquilo e salutar entre todos os elementos das comunidades educativas, centrando todas as preocupações e sinergias no aumento do sucesso educativo das nossas crianças e jovens, na educação de cidadãos onde os mais importantes valores humanos se afirmem como eixos destacados de atuação”. Ora, se a democratização do acesso ao sistema de ensino e o alargamento da escolaridade obrigatória trazem novos desafios às escolas e situações difíceis de ultrapassar – pelos meios que lhe são afetos e por se tratar de questões que, emanando do seu exterior – nem por isso o sistema se pode mostrar desarmado e incapacitado.
Paulo Guinote, autor do blogue “O Meu Quintal”, diz que as agressões físicas ou verbais a professores significam a erosão do civismo mínimo de parte da população, mas aponta como danoso o discurso de governantes ou comentadores a amesquinhar os professores “acusando-os das maiores tropelias, grande parte delas absolutamente imaginárias, desde o desprezo pelo sucesso dos alunos até ao egoísmo de quererem receber retroativos”.
Segundo Guinote, apontar o dedo aos professores pelas falhas da educação, de forma insistente e permanente, negando-lhes a responsabilidade pelos méritos, não é bom caminho. Com efeito, a melhoria dos resultados dos alunos nos últimos 25 anos, assim como uma série de transformações no funcionamento das escolas, aconteceu ao mesmo tempo que se sucederam inúmeros responsáveis políticos, mas em que os professores permaneceram quase os mesmos.
Não há um manual de instruções para lidar com estas situações e a questão de fundo não se resolve de forma simples. Porém, o ME devia avançar com um programa de sensibilização parental para o respeito pelos professores; e as associações de encarregados de educação não deviam surgir, em regra, mais preocupadas em apontar as falhas do que em elogiar os méritos. Na verdade, essas “parecem só conseguir apoiar os professores a contragosto”.
E a falta de civismo não se circunscreve a este ou aquele grupo social, pois há práticas de bullying contra professores (por alunos e pais) originadas em estratos que tratam os docentes como uma espécie de assalariados seus.
Há, pois, muito a fazer e muito a mudar neste ordenamento político-social e justiceiro.
2020.03.04 – Louro de Carvalho

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