De vez em quando a comunicação social traz
à tona notícias de agressão a professores na escola ou por causa da escola,
desconhecendo-se habitualmente o seu desfecho.
A situação é preocupante sem que
haja números oficiais de professores agredidos para lá dos portões, em estabelecimentos de educação e
ensino. Com efeito, o Observatório de
Segurança em Meio Escolar está suspenso e o Programa Escola Segura dão conta de 6422 ocorrências em ambiente
escolar no ano letivo de 2017/2018, menos 9,1% do que no anterior, embora haja
mais queixas por ameaças. Porém, estes registos não referem especificamente
quantas ocorrências estão relacionadas com agressões a professores. E quem
sente o ambiente escolar garante que o assunto merece a máxima atenção e que estas
agressões devem ser crime público.
Apontam-se razões para a frequência de
agressões a quem ensina: falta de autoridade do professor e do Estado,
desvalorização da classe, défice de funcionários e de psicólogos na escola,
indisciplina e contexto duma sociedade cada vez mais impaciente e hipercrítica.
O presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas
Públicas) garante a
atenção das escolas às situações de agressão a professores e funcionários e
entre alunos, pelo que vão reportando as ocorrências. Olha estes casos como
reflexo duma sociedade “impaciente e cada vez mais desafiadora da autoridade”.
Entende que agredir um professor devia ser “crime público e as despesas
suportadas pela tutela”. E, segundo diz ao “educare.pt”,
que dá voz a outros, pressupõe que os docentes agredidos em exercício de
funções desistem das queixas apresentadas pela ‘desqualificação’ do tipo de
crime e pelo dispêndio com a demanda”.
Aponta-se o desrespeito da parte de quem deve apoiar os
professores: os políticos desprezam o múltiplo trabalho dos docentes e, fazendo
discursos sobre a educação como prioridade, não a têm como tal. Trata-se mal
quem ensina, a atratividade da carreira docente é pouca, há muitas vagas por
ocupar em cursos que formam docentes, de modo que algumas disciplinas podem
ficar sem professores numa década. E o presidente da ANDAEP sustenta:
“Os professores encontram-se desmotivados e
exaustos, desejosos de demonstrações de carinho e afeto, mas também de ações
positivas que contribuam para a valorização e dignificação da classe docente,
vilipendiada por sucessivas políticas educativas desastrosas, com início na
divisão da carreira em professores titulares e não titulares”.
Por sua vez, o presidente da ANDE (Associação Nacional de Dirigentes
Escolares) diz ao “educare.pt” que são conhecidos os sinais
e os números aumentam: faltam professores em algumas regiões, é preocupante o
envelhecimento da classe e uma debandada geral por aposentação delapidará as
escolas de um património de difícil substituição; faltam assistentes
operacionais e políticas efetivas de acompanhamento dos alunos nos espaços
escolares que diminuam as “situações de conflito que tantas vezes culminam em
agressões várias, arrastando ou dando origem a outras consequências como a
intervenção de alguns encarregados de educação”.
E o caminho é valorizar e dignificar publicamente a classe
docente, olhar a educação como uma aposta segura e não como encargo
incontornável, melhorar a imagem pública do serviço educativo, revalorizar a
escola pública através de políticas de real e efetivo investimento, criar
mecanismos de reforço da autoridade na escola e responsabilizar civilmente os
responsáveis por situações graves ou, no caso de menores, responsabilizar os encarregados
de educação.
Nos últimos tempos, há notícias de agressões a profissionais
de diversas áreas. Para o presidente da ANDE, os sinais são preocupantes e devem
inquietar toda a comunidade. É verdade que a situação não é nova, mas os casos
que eram identificados mereciam repúdio imediato e a justiça usava mão pesada. Agora
facilita a perda de respeito a desvalorização duma classe fustigada por
depreciações contínuas e por algum desinteresse efetivo por parte de muitos governos
que têm alinhado no discurso do silêncio, deixando via aberta para quem “a
classe docente é um pesado encargo e não um instrumento capaz de socialmente
ajudar a desenvolver o país”. Por outro lado, a morosidade e a ineficácia da
justiça levam a que as hipotéticas sanções sejam quase sempre simbólicas ou
aplicadas fora do tempo. É de lembrar a desvalorização monetária dos
profissionais de educação, que afasta cada bons profissionais e traz constantemente
para a praça pública situações disruptivas que não dignificam o sistema
educativo e os profissionais.
E o presidente da ANDE conclui:
“Os mecanismos de autoridade, nas escolas,
têm perdido elasticidade constantemente, limitando uma intervenção preventiva
mais efetiva. Por sua vez, alguns encarregados de educação exigem à escola
medidas casuais, mediante interesses divergentes ou ocasionais, o que, muitas
vezes, ajuda a maximizar situações de conflito que, nalguns casos, pode
culminar em desrespeito efetivo e mesmo em situações de agressão.”.
Também a FNE (Federação
Nacional da Educação)
está preocupada com a questão, tendo aprovado até um documento sobre tolerância
zero à violência na escola, com um capítulo dedicado às agressões aos
professores, e chamado a atenção para a necessidade do reforço da autoridade
dos trabalhadores em educação, com um combate sem tréguas à indisciplina e à
violência através de medidas preventivas, “nomeadamente com equipas
multidisciplinares de acompanhamento do clima interno das escolas, e assumindo
as agressões físicas como crime público”.
E a FENPROF (Federação Nacional dos Professores), na sua atenção ao assunto, propõe o reforço da autoridade
dos professores, a criação dum observatório para a violência nas escolas, o
apoio jurídico aos professores agredidos, menos silêncio por parte da tutela e
a condenação clara da violência exercida sobre professores.
Para o blogue ComRegras,
“a preocupação não é saber se as agressões estão a aumentar ou a diminuir” (uma já seria grave), mas “constatar que as agressões são
recorrentes e os docentes e não docentes não sentem que algo esteja a ser feito
para alterar o rumo dos acontecimentos”, pois as agressões a professores são a
ponta do icebergue do clima de indisciplina e violência em muitas escolas. E os
únicos números conhecidos (que
pecam por defeito) são
das forças de segurança.
O ME (Ministério
da Educação) esconde-se
em comunicados inócuos, sem apresentar qualquer medida. Os professores são
muitos, são uma voz ativa da sociedade e parece evidente que a estratégia de dividir
para reinar é a norma instituída. Assim, os alunos não querem ser professores e
os professores, sobretudo os mais velhos, contam os dias para ir embora – o que
deveria ser suficiente para fazer pensar quem nos governa, mas, quando se omitem
realidades como a indisciplina escolar e se deturpam factos como os valores
inerentes à recuperação de todo o tempo de serviço docente, é óbvio que se perdeu
a vergonha e que vale tudo.
E o blogue ComRegras
aponta várias medidas para que a violência contra os professores não se torne
habitual: reconhecer que há um problema de indisciplina na escola; conhecer os
dados concretos e quantificados da indisciplina das escolas; e intervir de
diferentes formas, como: aumentar o número de professores em regime de codocência,
reduzir o número de alunos por turma, contratar mais funcionários para aumentar
o controlo nos intervalos, penalizar de forma efetiva as famílias negligentes,
reforçar o acompanhamento a famílias problemáticas, apostar na formação de base
e contínua de gestão de conflitos para docentes e não docentes, tornar crime
público as agressões a professores, pagar as custas processuais dos professores
agredidos, aumentar o número de psicólogos, reduzir a carga letiva dos alunos (que os leva à exaustão e, consequentemente
à indisciplina), criar
percursos alternativos logo no 3.º Ciclo do Ensino Básico e reformular o
Estatuto do Aluno.
O ME tem como bandeira de combate à indisciplina a criação de
tutorias, que nem sequer são individuais, como se essas resolvessem o problema.
Nas questões disciplinares, escolas e professores sentem-se abandonados à sua
sorte e, apesar das diversas propostas apresentadas ao ME, nada foi feito. Os
professores sabem que, antes de ensinar, é preciso ter disciplina na sala de aula.
Ora, se o ME ignora isso, gasta inutilmente tempo e dinheiro em reformas
pedagógicas.
Por seu turno, o porta-voz da ANVPC (Associação Nacional dos Professores
Contratados) olha a
escola como espelho da sociedade, que vive novos problemas refletidos na
escola. E, sustentando que a agressão aos professores agrega vários fatores,
considera:
“O exercício de violência sobre um professor
é um gravíssimo ato de verdadeiro ataque à democracia. A existência de
violência em espaço escolar tem um enorme potencial de replicação por toda a
sociedade.”.
Na sua ótica, é urgente o trabalho e apoio de todos para um
fim definitivo à violência nas escolas, em nome dum “convívio tranquilo e
salutar entre todos os elementos das comunidades educativas, centrando todas as
preocupações e sinergias no aumento do sucesso educativo das nossas crianças e
jovens, na educação de cidadãos onde os mais importantes valores humanos se
afirmem como eixos destacados de atuação”. Ora, se a democratização do acesso
ao sistema de ensino e o alargamento da escolaridade obrigatória trazem novos
desafios às escolas e situações difíceis de ultrapassar – pelos meios que lhe
são afetos e por se tratar de questões que, emanando do seu exterior – nem por
isso o sistema se pode mostrar desarmado e incapacitado.
Paulo Guinote, autor do blogue “O Meu Quintal”, diz que as agressões físicas ou verbais a
professores significam a erosão do civismo mínimo de parte da população, mas
aponta como danoso o discurso de governantes ou comentadores a amesquinhar os
professores “acusando-os das maiores tropelias, grande parte delas
absolutamente imaginárias, desde o desprezo pelo sucesso dos alunos até ao
egoísmo de quererem receber retroativos”.
Segundo Guinote, apontar o dedo aos professores pelas falhas
da educação, de forma insistente e permanente, negando-lhes a responsabilidade
pelos méritos, não é bom caminho. Com efeito, a melhoria dos resultados dos
alunos nos últimos 25 anos, assim como uma série de transformações no
funcionamento das escolas, aconteceu ao mesmo tempo que se sucederam inúmeros
responsáveis políticos, mas em que os professores permaneceram quase os mesmos.
Não há um manual de instruções para lidar com estas situações
e a questão de fundo não se resolve de forma simples. Porém, o ME devia avançar
com um programa de sensibilização parental para o respeito pelos professores; e
as associações de encarregados de educação não deviam surgir, em regra, mais
preocupadas em apontar as falhas do que em elogiar os méritos. Na verdade,
essas “parecem só conseguir apoiar os professores a contragosto”.
E a falta de civismo não se circunscreve a este ou aquele
grupo social, pois há práticas de bullying
contra professores (por
alunos e pais)
originadas em estratos que tratam os docentes como uma espécie de assalariados
seus.
Há, pois, muito a fazer e muito a mudar neste ordenamento
político-social e justiceiro.
2020.03.04
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário