A agência Ecclesia
publicou, a 21 de março, um conjunto de orientações da Equipa de Vida Religiosa e Sacerdotal da Unidade
Clínica de Psicologia (UNINPSI) da
Universidade Pontifícia de Comillas para religiosos e sacerdotes no tempo de
isolamento profilático, que podem ser úteis para todos, pelo que se dão aqui em
síntese e com as adaptações ao seu uso também por leigos.
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Considerando que a situação
que estamos a enfrentar é
nova e implica mudança de rotinas, atividade e abordagem da missão, tem cada
pessoa de se adaptar a esta realidade nem sempre fácil de gerir, mas que pode
ser vivida “a partir do Espírito e da confiança, como oportunidade de
crescimento e de criatividade”, de modo que “possamos continuar a cuidar uns
dos outros – dos de perto e dos de longe – e que possa cada um sentir-se
acompanhado nas suas necessidades médicas, psicológicas e espirituais”.
No preâmbulo, sustenta-se a importância de compreender
do melhor modo esta realidade e adaptar-se a ela, reconhecendo a
situação (pessoal,
comunitária, social, eclesial) em que nos
encontramos, sem gerar dinâmicas alarmistas infundadas; manter-se informado de
forma suficiente e verídica, sem defeito e excesso; e seguir as recomendações dos organismos oficiais e
os seus planos de ação, com especial atenção se se viver com pessoa que tenha
sintomas de infeção, cujos testes tenham resultado positivo ou que precise de
isolamento.
No âmbito da vida em comum, é de referir que esta situação constitui uma
oportunidade para viver a partir da fraternidade e da união das almas, o que requer
atenção, para que o cenário de convivência seja lugar de encontro, sossego,
proximidade e liberdade.
Porque não temos a mesma reação face a uma situação de tensão, devemos compreender
as reações dos outros e aceitar as nossas sem culpabilizações, procurar
momentos de serenidade para falar do que se passa, de forma madura e honesta, e
encontrar motivos para conversas alternativas e fomento do diálogo espiritual e
do sentido do humor.
Tem de se colaborar na
planificação da nova situação da comunidade ou das pessoas com quem se vive, dando espaço à criatividade:
atividades de tipo celebrativo, oração em comum, lazer partilhado (filmes,
jogos de mesa, recomendações de leitura, etc.), cozinha e outros serviços domésticos.
Há que manter horários
comunitários que favoreçam o intercâmbio e o diálogo observando sempre
as recomendações sanitárias e dar especial
atenção aos nossos encargos e serviços na comunidade, instituição ou
família a que pertencemos, respeitando os
espaços comuns e os tempos de silêncio, bem como recebendo e
transmitindo as mensagens e a informação acerca
da pandemia, da quarentena e de outras circunstâncias do COVID-19 com prudência e de forma construtiva,
sem murmurações, rumores sem fundamento ou comentários isolados acerca do tema
para não favorecer tensões desnecessárias nem situações comunitárias de
dificuldade.
Em termos da vida pessoal, porque a vida continua, é de elaborar um horário de planificação
pessoal, reajustável, que induza rotinas e anime a manutenção dum
certo nível de atividade; usar o tempo livre, que agora abunda, para atividades
que ajudem a suscitar pensamentos e emoções positivas – leitura, aprofundamento
dalgum tema de interesse, tomada de notas pessoais, reflexão, etc.; fazer exercício físico em casa e algum
trabalho manual; ter cuidado com a alimentação, pois “a ansiedade vai
direita ao estômago”; dedicar algum tempo diário a exercícios de relaxamento,
que possam ser úteis no momento de diminuir as consequências da quarentena; respeitar o espaço e o tempo pessoal,
para momentos de solidão, silêncio e exercício de autonomia pessoal; evitar ou
suavizar, em nome da paz comunitária, os conflitos que surjam; e cuidar dos irmãos mais frágeis, sobretudo
pessoas idosas, pessoas doentes ou que precisam de uma atenção especial, bem
como comunicar aos outros com quem vivemos as nossas necessidades de ajuda.
No quadro da vida de oração e celebração, esta paragem forçada aproxima-nos
duma maior interiorização da vida e do que nela acontece. Assim, é bom encarar
o momento com profundos olhos de fé e
considerá-lo como tempo favorável. Ao tempo litúrgico da Quaresma, proposto pela Igreja
une-se o da quarentena, tornando conveniente
a oração, o jejum e a penitência. Assim, é-nos dado o ensejo de fortalecer a leitura espiritual, a
reflexão pessoal e a vida de oração. Este é um tempo favorável para ler (uma das
melhores maneiras de vincular sonhos, pensamentos e sentimentos, porque os
livros ajudam-nos a ir para além de nós mesmos e a conectar-nos com o que há de
mais profundo em nós); fazer
reflexão orante, pessoal e profunda sobre a situação especial que estamos a
viver; orar pessoal e comunitariamente, de forma mais criativa; apresentar ao
Senhor, com especial atenção, a vida de quem está a sofrer de forma mais
dolorosa a doença; pedir pelos nossos familiares, que talvez nem possamos
acompanhar como gostaríamos; e orar por tantos profissionais (no campo da
saúde e noutros âmbitos) que dão o
melhor no trabalho pelo bem comum.
Não sendo possível participar na celebração comunitária da Eucaristia e de
outros sacramentos, é tempo para rezar juntos e saborear a Liturgia das Horas; criar espaços
de diálogo espiritual, que nos leva a que, embora estejamos rodeados de menos
pessoas, a sentirmo-nos apoiados e acompanhados pela oração de toda a Igreja; viver
o kairós (tempo
favorável), em que a verdadeira penitência e jejum têm
a ver com o cuidado de quem está ao nosso lado; e utilizar as plataformas digitais, oferecidas pelos
mais variados âmbitos e instituições eclesiais, que podem ajudar a viver
este momento através das redes sociais, desde que não nos levem a isolar-nos.
Neste último aspeto, a agência Ecclesia
refere que, no contexto português, não faltam emissões online, no Facebook
ou no Youtube, para as mais variadas sensibilidades, destacando a programação da Ecclesia (agencia.ecclesia.pt), com transmissões de celebrações religiosas a partir
do Santuário de Fátima, de comunidades religiosas e de outras instituições
eclesiais, mas também com um amplo arquivo de programas de cultura religiosa e
de catequese. Não se pode esquecer também a proposta dinamizada pela Companhia
de Jesus, através da Rede Mundial de Oração do Papa, com as plataformas
digitais Click
to Pray clicktopray.org (que propõe três momentos de oração diários com o
Papa) e Passo-a-rezar passo–a–rezar.net (com propostas de oração para cada dia), bem como o trabalho do Secretariado Nacional de Liturgia (que tem disponibilizado alguns subsídios acessíveis
em liturgia.pt) e, por exemplo, a arquidiocese de Braga, que
transmite online e no Youtube diariamente a celebração da Missa e semanalmente,
à sexta-feira, a catequese do Bispo auxiliar Dom Nuno Almeida.
A situação de isolamento não impede de continuar a participar nos apostolados
e na missão, mas terá de se encontrar um modo diferente do habitual, dada a
importância que isso tem para pessoas que não vivem connosco.
Assim, devem-se utilizar as
tecnologias para nos mantermos unidos às
pessoas que são mais queridas e que mais precisam, conversando com elas sobre a
forma como se está a encarar esta nova realidade e como se está a viver
interiormente este tempo, mas evitando criar inquietação, medos, incertezas
obscuras e alarmismos desnecessários. E a realização de videochamadas em que as
pessoas se veem reciprocamente é uma forma de compensar a ausência de contacto
físico, bem como de produzir serenidade e calma.
É de continuar ligado(a) às pessoas vulneráveis,
sobretudo às mais idosas que, nestes momentos, são as mais frágeis, devido à
sua solidão e debilidade física, e manter
contacto com os companheiros(as) de missão apostólica, partilhando
situações específicas da instituição ou da paróquia e criando uma rede de
colaboração entre diferentes pessoas ou instituições próximas: grupos de apoio
a pessoas vulneráveis, uso partilhado das redes sociais para informação útil e
precisa acerca da evolução, espaços virtuais de oração, formação, etc.
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Enfim, enquanto estamos a passar por esta situação de quarentena e isolamento,
flui o caminho quaresmal. Nestas semanas de recolhimento há muito mais que
quarenta dias de resistência. No meio de tudo isto, podemos intuir a presença –
contínua, misteriosa e desconcertante – do nosso Deus, que não fecha as suas
portas a nada nem a ninguém. São muitas as imagens bíblicas que nos vêm à mente
e se tornam fortes na nossa oração: deserto, combate, sede, desejo, paixão…
todavia, queremos continuar a manter o olhar fixo n’Aquele em quem confiamos: o
Senhor Jesus, que por nós foi crucificado e ressuscitou. É Ele a água que nos mata
a sede, é a luz no meio da perplexidade, é a vida que – no profundo da falta de
sentido – mostra o paradoxo da luta por brotar.
Também nós precisamos de nos cuidar. Fazemos parte duma Igreja plural onde
cada um tem uma missão que vem de Deus. Continuamos o compromisso de serviço e
ajuda, mas precisamos de aprender que não podemos fazê-lo sem cuidar dos
outros. A vida contemplativa possui forças intensas e intuições muito mais profundas
que nos podem iluminar.
A situação em que nos encontramos dependerá muito do lugar onde estamos: um
mosteiro, um convento, um apartamento, uma moradia, uma paróquia, uma
residência, uma enfermaria, um colégio, uma casa de acolhimento, um hospital, uma
comunidade de inserção, um seminário ou uma casa de formação. E por mais as
orientações ofereçamos ou recebamos, não responderemos a todas as inquietação
que nos possam surgir, tendo em conta o concreto da realidade em que se
encontra cada um. Porém, se nada fizermos, se nada refletirmos, se nada
rezarmos, se em nada nos dedicarmos é que não encontraremos nem daremos nenhuma
resposta.
Deus é grande e não deixa de cuidar de nós. Depois da tempestade, virá a
bonança.
2020.03.22 –
Louro de Carvalho
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