domingo, 22 de março de 2020

Cuidado psicológico durante o tempo de quarentena - I

A agência Ecclesia publicou, a 21 de março, um conjunto de orientações da Equipa de Vida Religiosa e Sacerdotal da Unidade Clínica de Psicologia (UNINPSI) da Universidade Pontifícia de Comillas para religiosos e sacerdotes no tempo de isolamento profilático, que podem ser úteis para todos, pelo que se dão aqui em síntese e com as adaptações ao seu uso também por leigos.
***
Considerando que a situação que estamos a enfrentar é nova e implica mudança de rotinas, atividade e abordagem da missão, tem cada pessoa de se adaptar a esta realidade nem sempre fácil de gerir, mas que pode ser vivida “a partir do Espírito e da confiança, como oportunidade de crescimento e de criatividade”, de modo que “possamos continuar a cuidar uns dos outros – dos de perto e dos de longe – e que possa cada um sentir-se acompanhado nas suas necessidades médicas, psicológicas e espirituais”.
No preâmbulo, sustenta-se a importância de compreender do melhor modo esta realidade  e adaptar-se a ela, reconhecendo a situação (pessoal, comunitária, social, eclesial) em que nos encontramos, sem gerar dinâmicas alarmistas infundadas; manter-se informado de forma suficiente e verídica, sem defeito e excesso; e seguir as recomendações dos organismos oficiais e os seus planos de ação, com especial atenção se se viver com pessoa que tenha sintomas de infeção, cujos testes tenham resultado positivo ou que precise de isolamento.
No âmbito da vida em comum, é de referir que esta situação constitui uma oportunidade para viver a partir da fraternidade e da união das almas, o que requer atenção, para que o cenário de convivência seja lugar de encontro, sossego, proximidade e liberdade.
Porque não temos a mesma reação face a uma situação de tensão, devemos compreender as reações dos outros e aceitar as nossas sem culpabilizações, procurar momentos de serenidade para falar do que se passa, de forma madura e honesta, e encontrar motivos para conversas alternativas e fomento do diálogo espiritual e do sentido do humor.
Tem de se colaborar na planificação da nova situação da comunidade ou das pessoas com quem se vive, dando espaço à criatividade: atividades de tipo celebrativo, oração em comum, lazer partilhado (filmes, jogos de mesa, recomendações de leitura, etc.), cozinha e outros serviços domésticos.
Há que manter horários comunitários que favoreçam o intercâmbio e o diálogo observando sempre as recomendações sanitárias e dar especial atenção aos nossos encargos e serviços na comunidade, instituição ou família a que pertencemos, respeitando os espaços comuns e os tempos de silêncio, bem como recebendo e transmitindo as mensagens e a informação acerca da pandemia, da quarentena e de outras circunstâncias do COVID-19 com prudência e de forma construtiva, sem murmurações, rumores sem fundamento ou comentários isolados acerca do tema para não favorecer tensões desnecessárias nem situações comunitárias de dificuldade.
Em termos da vida pessoal, porque a vida continua, é de elaborar um horário de planificação pessoal, reajustável, que induza rotinas e anime a manutenção dum certo nível de atividade; usar o tempo livre, que agora abunda, para atividades que ajudem a suscitar pensamentos e emoções positivas – leitura, aprofundamento dalgum tema de interesse, tomada de notas pessoais, reflexão, etc.; fazer exercício físico em casa e algum trabalho manual; ter cuidado com a alimentação, pois “a ansiedade vai direita ao estômago”; dedicar algum tempo diário a exercícios de relaxamento, que possam ser úteis no momento de diminuir as consequências da quarentena; respeitar o espaço e o tempo pessoal, para momentos de solidão, silêncio e exercício de autonomia pessoal; evitar ou suavizar, em nome da paz comunitária, os conflitos que surjam; e cuidar dos irmãos mais frágeis, sobretudo pessoas idosas, pessoas doentes ou que precisam de uma atenção especial, bem como comunicar aos outros com quem vivemos as nossas necessidades de ajuda.
No quadro da vida de oração e celebração, esta paragem forçada aproxima-nos duma maior interiorização da vida e do que nela acontece. Assim, é bom encarar o momento com profundos olhos de fé e considerá-lo como tempo favorável. Ao tempo litúrgico da Quaresma, proposto pela Igreja une-se o da quarentena, tornando conveniente a oração, o jejum e a penitência. Assim, é-nos dado o ensejo de fortalecer a leitura espiritual, a reflexão pessoal e a vida de oração. Este é um tempo favorável para ler (uma das melhores maneiras de vincular sonhos, pensamentos e sentimentos, porque os livros ajudam-nos a ir para além de nós mesmos e a conectar-nos com o que há de mais profundo em nós); fazer reflexão orante, pessoal e profunda sobre a situação especial que estamos a viver; orar pessoal e comunitariamente, de forma mais criativa; apresentar ao Senhor, com especial atenção, a vida de quem está a sofrer de forma mais dolorosa a doença; pedir pelos nossos familiares, que talvez nem possamos acompanhar como gostaríamos; e orar por tantos profissionais (no campo da saúde e noutros âmbitos) que dão o melhor no trabalho pelo bem comum.
Não sendo possível participar na celebração comunitária da Eucaristia e de outros sacramentos, é tempo para rezar juntos e saborear a Liturgia das Horas; criar espaços de diálogo espiritual, que nos leva a que, embora estejamos rodeados de menos pessoas, a sentirmo-nos apoiados e acompanhados pela oração de toda a Igreja; viver o kairós (tempo favorável), em que a verdadeira penitência e jejum têm a ver com o cuidado de quem está ao nosso lado; e utilizar as plataformas digitais, oferecidas pelos mais variados âmbitos e instituições eclesiais, que podem ajudar a viver este momento através das redes sociais, desde que não nos levem a isolar-nos.
Neste último aspeto, a agência Ecclesia refere que, no contexto português, não faltam emissões online, no Facebook ou no Youtube, para as mais variadas sensibilidades, destacando a programação da Ecclesia (agencia.ecclesia.pt), com transmissões de celebrações religiosas a partir do Santuário de Fátima, de comunidades religiosas e de outras instituições eclesiais, mas também com um amplo arquivo de programas de cultura religiosa e de catequese. Não se pode esquecer também a proposta dinamizada pela Companhia de Jesus, através da Rede Mundial de Oração do Papa, com as plataformas digitais Click to Pray clicktopray.org (que propõe três momentos de oração diários com o Papa)Passo-a-rezar passoarezar.net (com propostas de oração para cada dia), bem como  o trabalho do Secretariado Nacional de Liturgia (que  tem disponibilizado alguns subsídios acessíveis em liturgia.pt) e, por exemplo, a arquidiocese de Braga, que transmite online e no Youtube diariamente a celebração da Missa e semanalmente, à sexta-feira, a catequese do Bispo auxiliar Dom Nuno Almeida.
A situação de isolamento não impede de continuar a participar nos apostolados e na missão, mas terá de se encontrar um modo diferente do habitual, dada a importância que isso tem para pessoas que não vivem connosco.
Assim, devem-se utilizar as tecnologias para nos mantermos unidos às pessoas que são mais queridas e que mais precisam, conversando com elas sobre a forma como se está a encarar esta nova realidade e como se está a viver interiormente este tempo, mas evitando criar inquietação, medos, incertezas obscuras e alarmismos desnecessários. E a realização de videochamadas em que as pessoas se veem reciprocamente é uma forma de compensar a ausência de contacto físico, bem como de produzir serenidade e calma.
É de continuar ligado(a) às pessoas vulneráveis, sobretudo às mais idosas que, nestes momentos, são as mais frágeis, devido à sua solidão e debilidade física, e manter contacto com os companheiros(as) de missão apostólica, partilhando situações específicas da instituição ou da paróquia e criando uma rede de colaboração entre diferentes pessoas ou instituições próximas: grupos de apoio a pessoas vulneráveis, uso partilhado das redes sociais para informação útil e precisa acerca da evolução, espaços virtuais de oração, formação, etc.
***
Enfim, enquanto estamos a passar por esta situação de quarentena e isolamento, flui o caminho quaresmal. Nestas semanas de recolhimento há muito mais que quarenta dias de resistência. No meio de tudo isto, podemos intuir a presença – contínua, misteriosa e desconcertante – do nosso Deus, que não fecha as suas portas a nada nem a ninguém. São muitas as imagens bíblicas que nos vêm à mente e se tornam fortes na nossa oração: deserto, combate, sede, desejo, paixão… todavia, queremos continuar a manter o olhar fixo n’Aquele em quem confiamos: o Senhor Jesus, que por nós foi crucificado e ressuscitou. É Ele a água que nos mata a sede, é a luz no meio da perplexidade, é a vida que – no profundo da falta de sentido – mostra o paradoxo da luta por brotar.
Também nós precisamos de nos cuidar. Fazemos parte duma Igreja plural onde cada um tem uma missão que vem de Deus. Continuamos o compromisso de serviço e ajuda, mas precisamos de aprender que não podemos fazê-lo sem cuidar dos outros. A vida contemplativa possui forças intensas e intuições muito mais profundas que nos podem iluminar.
A situação em que nos encontramos dependerá muito do lugar onde estamos: um mosteiro, um convento, um apartamento, uma moradia, uma paróquia, uma residência, uma enfermaria, um colégio, uma casa de acolhimento, um hospital, uma comunidade de inserção, um seminário ou uma casa de formação. E por mais as orientações ofereçamos ou recebamos, não responderemos a todas as inquietação que nos possam surgir, tendo em conta o concreto da realidade em que se encontra cada um. Porém, se nada fizermos, se nada refletirmos, se nada rezarmos, se em nada nos dedicarmos é que não encontraremos nem daremos nenhuma resposta.
Deus é grande e não deixa de cuidar de nós. Depois da tempestade, virá a bonança.
2020.03.22 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário