sexta-feira, 20 de março de 2020

Alunos excluídos do ensino não presencial precisam de atenção


Na sequência do estipulado pelo Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19, milhares de alunos começaram, passado dia 16, a ter aulas à distância, para tentar controlar a disseminação do vírus, mas pais e professores advertem que nem todos têm computadores e Internet em casa.
A este respeito, o predito diploma do Governo, no seu art.º 9.º (Suspensão de atividade letivas e não letivas e formativas) estabelece que “ficam suspensas as atividades letivas e não letivas e formativas com presença de estudantes em estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário de educação pré-escolar, básica, secundária e superior e em equipamentos sociais de apoio à primeira infância ou deficiência, bem como nos centros de formação de gestão direta ou participada da rede do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P. (n.º 1), bem como “as atividades de apoio social desenvolvidas em Centro de Atividades Ocupacionais, Centro de Dia e Centro de Atividades de Tempos Livres” (n.º 2).
Excetuam-se as respostas de Lar Residencial e Residência Autónoma (n.º 7).
Não obstante, “os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas da rede pública de ensino e os estabelecimentos particulares, cooperativos e do setor social e solidário com financiamento público adotam as medidas necessárias para a prestação de apoios alimentares a alunos beneficiários do escalão A da ação social escolar e, sempre que necessário, as medidas de apoio aos alunos das unidades especializadas que foram integradas nos centros de apoio à aprendizagem e cuja permanência na escola seja considerada indispensável” (n.º 4). E os equipamentos sociais da área da deficiência, designadamente das respostas de Centros de Atividades Ocupacional e das Equipas Locais de Intervenção Precoce, “devem assegurar apoio alimentar aos seus utentes em situação de carência económica” (n.º 5).
Por outro lado, “na formação profissional obrigatória ou certificada, nomeadamente a referente ao acesso e exercício profissionais, a atividade formativa presencial pode ser excecionalmente substituída por formação à distância, quando tal for possível e estiverem reunidas condições para o efeito, com as devidas adaptações e flexibilização dos respetivos requisitos, mediante autorização da entidade competente” (n.º 6).
A suspensão em referência “é reavaliada no dia 9 de abril de 2020, podendo ser prorrogada após reavaliação” (n.º 3).
Ora, sucede que um em cada 5 estudantes não tem computador em casa, pelo que dificilmente se conseguirá pedir a todos os alunos trabalhos que impliquem a necessidade dum computador, como revela um estudo realizado esta semana por Arlindo Ferreira, especialista em Estatísticas da Educação, que foi publicado no blog do Arlindo no passado dia 17.
Por isso, Filinto Lima e Manuel Pereira, presidentes, respetivamente, da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) e da ANDE (Associação Nacional de Dirigentes Escolares), alertaram para o impacto das desigualdades sociais nas aulas à distância. E Jorge Ascenção, presidente da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais), referiu à LUSA que “há sempre desigualdades entre os alunos: uns têm chalés e outros têm casebres”.
Há quem esteja a acompanhar as aulas pelos telemóveis ou ‘tablets’, mas para isso é preciso Internet e nem todos a têm no lar.
Segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), no ano passado, 80,9% dos agregados familiares tinham acesso a internet em casa. Nas famílias com filhos até aos 15 anos a percentagem subia para 94,5%. Quer isto dizer que mais de 5% dos estudantes com menos de 15 anos viviam em casas sem Internet.
No atinente ao ensino superior, Gonçalo Leite Velho, presidente do SNESup (Sindicato Nacional de Ensino Superior), lembrou que “há muitos alunos que têm dificuldades de acesso à Internet”.
Entretanto os dados do INE indicam que entre os estudantes com mais de 16 anos é raro encontrar quem não tenha Internet: são 0,4%. Todavia, como disse Filinto Lima à LUSA, “basta haver um aluno para ser razão para nos preocuparmos”.
E Gonçalo Leite Velho lembrou que agora também há problemas nas famílias onde há equipamentos. Com efeito, neste momento estão todos em casa, alguns em teletrabalho, podendo tornar-se difícil gerir quem tem prioridade no seu uso: se os filhos que estão em aulas, se os pais que estão a trabalhar.
A este respeito, a LUSA refere ter contactado cerca de duas dezenas de famílias com filhos da educação pré-escolar ao ensino superior, tendo a maioria respondido que tem equipamentos para todos. Mas deve concordar-se que a amostra, não sendo significativa, pode não espelhar a realidade. E, entre os pais que se aperceberam que teriam de partilhar computadores, começam a inventar-se soluções, como definir horários de uso.
Gonçalo Leite Velho alertou para o facto de trabalhar em casa com a família poder ser complicado para todos: alunos e pais. Realmente, como disse, “o ambiente é muito diferente de uma escola”, pois “há mais confusão”. Por outro lado, as aulas à distância exigem um conhecimento e uma técnica por parte dos professores que é muito diferente das aulas presenciais. Se, quando estão na escola, é difícil os alunos manterem-se concentrados, é de imaginar o que acontecerá em casa. Aliás, há idades em que os miúdos são mesmo rebeldes.
O supramencionado estudo de Arlindo Ferreira mostra que 11,6% dos pais não tem disponibilidade para acompanhar o filho pelo menos uma vez por dia nos estudos. E o presidente do SNESup observa que, do lado dos adultos, trabalhar a partir de casa também é muito mais “difícil porque é preciso conjugar a atenção dada ao trabalho e aos filhos”. Até há muitos professores em casa, com filhos pequenos, a tentar dar aulas a outras crianças.
Apesar dos problemas detetados, há unanimidade em considerar que o ensino à distância é, neste momento, a melhor solução, tendo em conta a situação criada pelo Covid-19, que parece estar para durar. No entanto, há pais que manifestaram o desejo de que os alunos sem acesso às aulas à distância não sejam prejudicados, devendo os professores ter em conta o número, ainda que reduzido, de alunos sem acesso a computadores e Internet.
Para debater a questão, a CNIPE (Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação) esteve reunida para analisar a situação das escolas durante este período em que se tenta conter a disseminação do novo coronavírus e alertou para as desigualdades entre estudantes.
Com o encerramento das atividades letivas e não letivas das escolas desde o dia 16, cerca de dois milhões de crianças e jovens estão em casa e a maioria está a ter aulas à distância. No entanto, como nem todos conseguem ter acesso às matérias de estudo, a CNIPE pede aos professores que “no caso de haver algum aluno que não tenha acesso a estas plataformas de comunicação, por qualquer impedimento, não deverá nunca ser prejudicado em termos de avaliação”. E pede também aos professores que moderem a quantidade de matéria e informação partilhada, explicando que as famílias estão ainda a tentar adaptar-se às mudanças.

Diz a CNIPE que os alunos que não têm acesso às aulas à distância não podem ser prejudicados na avaliação. Ora, do meu ponto de vista, o problema da avaliação é o menor, visto que, dado o panorama atual do país, até poderá, em último caso, passar por uma decisão administrativa. O importante é mesmo cuidar das aprendizagens para a vida e o embagajamento do aluno.

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Falando em reivindicações sobre crianças, é de considerar a medida do Governo plasmada no n.º 1 do art.º 10.º do supracitado decreto-lei em favor dos trabalhadores de serviços essenciais:
É identificado em cada agrupamento de escolas um estabelecimento de ensino que promove o acolhimento dos filhos ou outros dependentes a cargo dos profissionais de saúde, das forças e serviços de segurança e de socorro, incluindo os bombeiros voluntários, e das forças armadas, os trabalhadores dos serviços públicos essenciais, de gestão e manutenção de infraestruturas essenciais, bem como outros serviços essenciais, cuja mobilização para o serviço ou prontidão obste a que prestem assistência aos mesmos, na sequência da suspensão prevista no artigo anterior”.
E o n.º 2 do mesmo artigo estabelece:
Os trabalhadores das atividades enunciadas no artigo anterior são mobilizados pela entidade empregadora ou pela autoridade pública”.
Porém, a Ordem dos Enfermeiros (OE), denunciando, que algumas unidades de saúde estão “a impedir os pais de gozarem períodos alternados de assistência, ainda que se verifique a inexistência de solução que garanta a segurança dos seus filhos menores”, refere que, desde o dia 15 de março, dia em que saiu a disposição relativa à colocação de filhos de profissionais de saúde em estabelecimentos de ensino, tem recebido “centenas de e-mails que relatam uma situação de medo, preocupação e injustiça entre os profissionais de saúde”.
Por isso, em carta enviada à Ministra da Saúde, a OE manifesta “perplexidade com as medidas enunciadas” que levam à colocação das crianças “em estabelecimentos de ensino que não se encontram preparados para os receber” e opõe-se a que “mães e pais deixem os seus filhos menores, alguns com poucos meses de vida, em estabelecimentos de ensino completamente desconhecidos, sujeitos ao contacto com outras crianças numa altura em que se exige distanciamento”. Por outro lado, mesmo tendo em conta “o espírito de colaboração e cooperação que se exige neste momento”, não pode deixar de manifestar a sua discordância com esta situação, alertando para uma questão que coloca em risco os filhos dos profissionais de saúde e os próprios, numa altura em que estes se encontram na linha da frente de combate ao novo coronavírus. E vinca:
Estes estabelecimentos não possuem nenhuma das condições legalmente exigidas para receber menores das idades referidas, designadamente equipamentos de proteção individual, sem profissionais habilitados e com horários de funcionamento incompatíveis com os turnos dos profissionais de saúde, não cumprindo, assim, as condições de segurança legalmente exigidas para estes espaços, sendo suscetíveis de aumentar o perigo de contágio pelo Covid-19”.
Face a esta situação, a OE solicita à tutela a clarificação urgente das medidas do seu despacho, bem como a adoção de medidas alternativas, de forma a proteger os filhos dos profissionais de saúde e pondo um ponto final no clima de medo e insegurança, de todo dispensável nesta altura.
***
Ora, a OE deve saber que em tempo de guerra não se limpam armas e que os seus filhos têm a mesma sorte que os de outros trabalhadores: médicos, bombeiros, polícias, militares… E as pessoas mobilizadas para o efeito reúnem as competências adequadas. Todos os ambientes são estranhos às crianças a princípio. Não é nesta altura que se exigem creches para os filhos dos enfermeiros. Enfim!
2020.03.20 – Louro de Carvalho

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