Em carta
aberta aos sacerdotes, neste tempo de Covid-19 e à beira da Páscoa, em
linguagem coloquial e afetuosa, o Arcebispo Primaz abre o seu coração de
pastor, tece considerações espirituais e dá indicações práticas sobre a
celebração desta Semana Santa.
Segue
uma síntese dos principais conteúdos, já sem o tom coloquial do nosso
metropolita.
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Observa Dom Jorge Ortiga que os gestos têm sempre um
significado muito especial, pois são a fala dos amigos, ninguém os podendo
diminuir. Com efeito, são o suporte das palavras e neles comungamos o viver do
mundo, a vida com as suas emoções. Ora, no caminho que subimos com Jesus para
Jerusalém, há pessoas caídas (cf Lc 10,25-37), pelo que nos devemos fazer seus
próximos, sem desviarmos o olhar, as mãos ou o coração, mas com o cuidado
aprendido de Jesus, que, “ainda hoje, como bom samaritano, vem ao encontro de
todos os homens atribulados no corpo ou no espírito e derrama sobre as suas
feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança” (Prefácio
comum VIII). Assim,
ao celebrarmos o memorial da Páscoa de Cristo, rezamos fervorosamente ao Pai:
“Tornai-nos atentos e generosos para com as necessidades dos irmãos, de
modo que, participando nas suas dores e angústias, alegrias e esperanças, lhes
levemos fielmente a boa nova da salvação e sigamos, juntamente com eles, o
caminho do vosso reino” (Oração Eucarística V/c; cf Gaudium et
spes, n.1).
Efetivamente,
este é o tempo do redobro da atenção, o tempo da medida larga em generosidade,
da compartilha na hora da paixão, pois, no dom de Jesus aprendemos a doar-nos,
a repartir a luz à noite da dor. Daí a nossa gratidão a Deus, como quando
rezamos:
“Por este dom da vossa graça, também a noite da dor se abre à luz pascal
do vosso Filho crucificado e ressuscitado” (Prefácio comum VIII).
Nunca os
pastores se podem afastar dum povo que vive momentos dramáticos, mas devem, por
causa dele, revestir-se de todos os cuidados cumprindo todas as orientações
civis.
A vida
das comunidades tem expressões que não podem ser suspensas. Os gestos e as
palavras (cf
Constituição Dei Verbum, 1),
com que Jesus realizou o plano de salvação, põem-nos dentro da “vontade” de
Deus (cf
Ef 1,9). É a
pastoral da cura das feridas, pois a pandemia “não pode afogar a torrente do
dom”, apesar do cansaço ou da dúvida – o que postula a perseverança no amor à
Palavra “que entra pelas casas dentro e salva os irmãos na fé”. Assim, com
Jesus e por Ele “daremos outra consistência à nossa fé”.
E o
Arcebispo, apelando à proximidade dos pastores, exorta os sacerdotes:
“Diz, ó pastor, uma palavra e a ovelha te reconhecerá próximo.
Alegrar-se-á na tua voz. A tua pronúncia não será esquecida, nem na única
palavra que escrevas. Ela é o testemunho da tua bênção, o peso e a graça da tua
piedade, do teu pensamento. A tua oração seja constante e muito concreta.
Encontra-te com cada pessoa invocando o seu nome e expressando solidariedade
cristã. Com o realismo que a situação exige, o povo deve saber e experimentar o
quanto o amamos com gestos muito concretos.”.
Celebrando
sozinhos, sem a presença física das pessoas, os sacerdotes encontram “outros
gestos gratuitos que aproximam, identificam e unificam as nossas vidas”:
mensagens, contactos telefónicos, saudações pela internet,
seguindo “o que a fantasia da caridade sugere”.
Por isso,
o prelado bracarense pede aos pastores “palavras e gestos alimentados no
exercício do sacerdócio de Jesus, o Sumo Sacerdote que nos convém (cf
Heb, 7,26-28), nossa
Páscoa”. E, assim, “celebraremos a Páscoa de Jesus, através de outras pequenas
páscoas, pois ajudaremos a fazer a passagem do medo para a confiança, da
divisão para a unidade”. Não é retirada a dor, mas a Páscoa acontecerá. Poderá
ser numa mensagem a cada família, substituindo o “compasso” tradicional, mas explicando
a Páscoa como passagem do temor à serenidade, do medo à esperança, “a mostrar a
força da fé para todos os momentos, mas particularmente para os conturbados”. E
“a Páscoa acontecerá através de pequenas páscoas presentes em gestos que
mostram vida”, pois, “neles, o Ressuscitado está presente.
***
Depois,
deixa orientações para a Semana Santa.
Tendo em conta que ela comemora “a Paixão de Cristo desde a sua entrada
messiânica em Jerusalém” (IGMR, n. 31), o Pastor estimula os padres e
os diáconos (no respetivo ministério) a celebrarem a Liturgia
das Horas e a Eucaristia pelo povo das comunidades onde servem, em
todos os dias previstos, embora sempre sem povo e nas condições que a máxima
segurança da saúde pública o exija. Será o mais belo e compassivo gesto para
com o Povo de Deus. Quanto à Semana Santa, há que seguir as indicações da
Conferência Episcopal Portuguesa no documento “Semana Santa e Tríduo Pascal
em tempo de Covid-19”. Para lá das celebrações do Arcebispo, a transmitir
pela internet, podem ser realizadas outras nas igrejas paroquiais
e capelas das comunidades onde for possível. E, porque sem povo, impõe-se
colocar espírito, para o que o Arcebispo deixa algumas indicações.
Em Domingo de
Ramos na Paixão do Senhor (na
Sé Primaz, às 11,30 horas),
na
impossibilidade de o fazer exteriormente, agitaremos os ramos da nossa alegria
para comemorar a provocadora entrada messiânica de Jesus em Jerusalém. “É Ele
que alteia os pórticos antigos do nosso coração e rasga o véu que nos separava
do encontro com Deus”.
Os
acontecimentos comemorados, de forma expressiva, no Domingo de Ramos, são
celebrados no Tríduo Pascal, com a atenção a cada momento da paixão, morte e
ressurreição de Jesus.
Braga
não terá agora a Missa Crismal e Bênção dos Santos Óleos, esperando celebrá-la a
19 de junho, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus e Jornada de Santificação
do Clero. Mas o Arcebispo deseja que os padres, na Eucaristia da tarde, renovem
as promessas feitas no dia da ordenação e que o povo reze por eles, para que “sejamos
abundantemente embebidos nas bênçãos de Deus, na fidelidade a Cristo Sacerdote,
Bom Pastor, Mestre e Servo de todos”. Pede que utilizem a estola branca por si
oferecida, com a imagem de Santa Maria de Braga e o logótipo da Arquidiocese,
como sinal de unidade e de consolo recíproco. E, como Pai na fé, diz:
Só
dever haver concelebrações nas comunidades sacerdotais, ou seja, para aqueles
que vivem na mesma casa e estejam em recolhimento ou quarentena. Virem de
comunidades distintas para celebrarem ou fazerem reuniões “é acrescentar um
perigo desnecessário”, sobretudo num período que pode ser o pico da pandemia.
Na tarde de Quinta-feira
Santa, celebra-se
a Missa Vespertina da Ceia do Senhor (na Sé Primacial, é às
16 horas e é presidida pelo Arcebispo).
E, embora o Missal Romano registe que, “segundo uma antiquíssima tradição, são
proibidas neste dia todas as missas sem participação do povo” (MR
245), os sacerdotes
celebram a Eucaristia sem a presença de pessoas; os fiéis, porque impedidos
pelas circunstâncias, devem associar-se, participando espiritualmente e através
das transmissões pela internet, rádio e televisão, à celebração da
missa comemorativa da instituição da Eucaristia. Por não poderem comungar
fisicamente, devem fazê-lo no modo espiritual. E, quanto ao lava-pés (que
não é feito), é
sugerida a preparação para esta missa (como é hábito no rito
bracarense) ou, no
final, um gesto que manifeste a alegria do serviço recíproco. E lembra-se o desafio
do Mestre:
“Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’ e ‘o Senhor’, e
dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os
pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos
exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também.” (Jo 13,13-15).
Na Sexta-feira
Santa, faz-se a
celebração da Paixão do Senhor (na Sé Primacial é às 15 horas), mergulhando espiritualmente em
todas as partes do rito: o silêncio inicial durante a prostração; a Liturgia da
Palavra, com atenção às leituras, nomeadamente ao Evangelho, até porque nos fazem
bem as narrativas longas, e com o exercício do nosso sacerdócio batismal ao
rezarmos a oração universal por todo o mundo, acrescentando uma outra intenção
pela que é hoje uma grave necessidade pública; a adoração da cruz, adorando, em
silêncio e sem ósculo, uma única cruz, exposta em lugar digno. E observa-se o
jejum litúrgico até à Vigília Pascal.
Na noite do Sábado Santo (na
Sé Primacial, às 21 horas),
celebra-se a que é, nas palavras de Santo Agostinho, “a mãe de todas as
vigílias” (Sto. Agostinho, Sermo 219). Deve ser vivida de forma mais
intensa, não obstante o esplendor que tem habitualmente em formas exteriores:
liturgia do fogo até ao canto do Precónio Pascal; Liturgia da Palavra, neste
dia mais abundante em leituras; Liturgia Batismal, com a bênção da água e os
sacramentos da iniciação cristã, e a cerimónia do “Accendite”, como se faz na
Sé Primacial; Liturgia Eucarística, com a procissão da ressurreição, como se
faz habitualmente na catedral. Como se menciona no Missal Romano:
“esta é uma noite de vigília em nome do Senhor (Ex 12,42), a noite que os fiéis celebram,
segundo a recomendação do Evangelho (Lc 12,35ss), de lâmpadas acesas na mão, à
semelhança dos servos que esperam o Senhor, para que, quando Ele vier, os
encontre vigilantes e os faça sentar à sua mesa” (MR 281). Com esta vigília, celebramos o
“Domingo de Páscoa da ressurreição do Senhor”. Não obstante a sua duração, somos
convidados a viver intensamente estes momentos, tendo no coração o Povo de
Deus, e a celebrar com o esplendor espiritual possível a celebração da missa do
dia, no domingo (na Sé Primacial, às 21 horas). E que este clima de “plenitude
da alegria” (Prefácios do Tempo Pascal), seja vivido até à Solenidade do
Pentecostes.
Para
exteriorizar estes momentos de fé, o Arcebispo pede às famílias que, na noite
de sábado para domingo, coloquem na janela uma ou mais velas como recordação do
Batismo e convite a sermos luz no mundo e que, durante o Domingo de Páscoa, os
sinos toquem festivamente. Pode e deve ser usada a criatividade pastoral para
inventar outros sinais que manifestem a alegria pascal, nomeadamente um almoço
festivo (com
muitas ou poucas coisas),
antecedido de oração, que poderá ser feita como sugere o Cardeal Farrell:
“Fazer isto é simples: podemos reunir-nos todos numa sala, recitar um
salmo de louvor, pedir perdão uns aos outros com uma palavra ou gesto entre
esposos e entre pais e filhos, lendo o Evangelho do domingo, expressar um
pensamento sobre o que a Palavra provoca em cada um, formular uma oração pelas necessidades
da família, dos que amamos, da Igreja e do mundo. E, por fim, confiar ao
cuidado de Maria a nossa família e cada família que conhecemos.”.
Por fim, o prelado bracarense porfia impor a si próprio tudo o que pede
aos sacerdotes, convicto de que eles encontrarão “formas de concretizar em gestos, também
sacramentais, a caridade pastoral” (cf Pastores
dabo vobis, nn.21-23).
Com efeito, o Espírito nunca nos faltou “à imaginação da caridade e a discernir
os dons”, nunca o Senhor Jesus nos abandonou. Por isso, exorta a confiar, “naquela
confiança que dá que fazer” e propõe “o abraço entre o dom e a tarefa, a
alegria de experimentar quanto Deus nos ama e a responsabilidade de O anunciar
alegremente como Vivo e Ressuscitado”.
***
Parece-me
um belo guião de espiritualidade litúrgica e de edificação/reforço da comunhão
entre o Bispo e o seu presbitério. Braga continua a ensinar como no tempo de
São Bartolomeu!
2020.03.29 –
Louro de Carvalho
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