segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Arcebispo escandaliza católicos ao dar a comunhão a muçulmano

 

Mais do que a constituir escândalo o gesto deveria ser a provocar o debate e a reflexão. É certo que o Batismo é o sacramento-porta para a entrada na comunidade eclesial e o Código de Direito Canónico estabelece que quem não tiver recebido o batismo não pode ser admitido validamente aos demais sacramentos.

Os sacramentos de iniciação cristã são enunciados por esta ordem: Batismo, Confirmação e Eucaristia. Porém, é usual ministrar-se a Eucaristia a quem ainda não foi confirmado, apesar de quem for batizado na adultez dever receber, de imediato, a Confirmação – o que não é fácil nas comunidades que vivem longe da cidade episcopal, pois o Bispo é o ministro ordinário desse sacramento, na Igreja Latina. Por outro lado, não se interioriza que, perdoando o Batismo todos os pecados, o batizado deve receber, logo a seguir, a comunhão. Todavia, a adultos batizados impõe-se que passem pelo sacramento da Reconciliação, se estiverem em pecado mortal.

Além disso, os apóstolos, comensais da Última Ceia judaica e a Primeira Santa Ceia cristã, não tinham recebido o Batismo que nós recebemos e a maturidade discipular deles foi como se viu: Judas traiu o Mestre, Judas negou-O, os outros fugiram, com exceção de João. Se a Eucaristia fosse prémio pelo mérito, teríamos o absurdo. No entanto, a Eucaristia foi instituída perante eles e eles comungaram.

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Dom Geremias Steinmetz, arcebispo metropolitano de Londrina (Brasil), deu a comunhão ao xeque Ahmad Saleh Mahairi, fundador da mesquita da cidade, na missa de exéquias do cardeal Geraldo Majella Agnello, arcebispo emérito de São Salvador, que faleceu a 26 de agosto. O vídeo do momento da comunhão foi partilhado nas redes sociais e vem suscitando inúmeras dúvidas e críticas, pelo que o prelado sentiu a necessidade de emitir uma nota, em que cita o Papa Francisco, para recordar que “ninguém conquistou um lugar para a última ceia” e que é o próprio Jesus quem atrai todos os que vão à celebração eucarística.

O arcebispo de Londrina assinalou que “o xeque Mahairi conhecia Dom Geraldo Majella desde a década de 1980, quando estava no funeral do cardeal Agnelo como amigo pesaroso pelo sepultamento de outro amigo, e frisou que este “é um homem conhecido em vários âmbitos da sociedade e mantém respeitosa relação com a Igreja Católica”. Foi como amigo que “participou na celebração eucarística” e, colocando-se na fila da comunhão, “recebeu o corpo de Cristo”.

Como as imagens do vídeo que circula nas redes sociais, mostram o xeque a receber a hóstia consagrada, mas não a consumi-la, Steinmetz fez questão de esclarecer o caso: lamentando o ocorrido, pois o seu intuito não foi desrespeitar a Igreja Católica, o xeque Mahairi disse ao vigário geral que recebeu Jesus, foi até ao banco, sentou-se e consumiu a Eucaristia. Segundo ele, Dom Albano, ex-arcebispo de Londrina, falecido em 2017, havia explicado, há muitos anos, que a Eucaristia é o corpo de Jesus, considerado um profeta para o Islão.

Depois, Dom Geremias Steinmetz recordou “o que o Papa Francisco nos ensina no seu último documento sobre a Liturgia, Desiderio Desideravi, de 2022”, destacando: “Ninguém havia conquistado um lugar para a última Ceia. Foram, antes, os discípulos convidados, atraídos, pelo desejo ardente do próprio Jesus de comer aquela Páscoa com eles, cujo cordeiro é Ele próprio”. Assim, “antes da nossa resposta ao convite – muito antes – está o seu desejo por nós: até podemos não ter consciência disso, mas, de cada vez que vamos à Missa, a razão primeira é porque somos atraídos pelo seu desejo de nós”.

Assinalando que a Eucaristia que se erige como verdadeiro Corpo e Sangue de Jesus, o Senhor, é comungada pelo povo reunido em torno do altar, como sinal de caridade, do amor irrepetível de Deus que se manifesta na Cruz de Jesus, o arcebispo conclui que ela “ensina o exercício nobre da caridade, alimenta a mansidão, conduz-nos à fraternidade e ao respeito por todos” e é, para todos, fonte de graça e de luz que ilumina os caminhos da vida”.

E, voltando a citar o Papa, exorta: “Abandonemos as polémicas para escutarmos, juntos, o que o Espírito diz à Igreja, conservemos a comunhão, continuemos a maravilhar-nos pela beleza da Liturgia. Foi-nos dada a Páscoa, deixemo-nos guardar pelo desejo que o Senhor continua a ter de a poder comer connosco. Sob o olhar de Maria, Mãe da Igreja.” (Desiderio Desideravi, n.º 65)

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Como se disse, o arcebispo de Londrina, em nota sobre a ocorrência, pronunciou-se sobre o facto que deve ser visto no contexto do luto pela morte do cardeal Geraldo Majella Agnelo, arcebispo emérito de São Salvador e primaz do Brasil, ex-arcebispo de Londrina, reconhecendo que o próprio arcebispo ministrara a comunhão ao Sheiki Jeque Ahmad Saleh Mahairi.

De facto, foi uma cerimónia, com muita unção espiritual e comunitária, da Igreja Católica Apostólica Romana, “que celebra, não a morte, mas a fé na vida eterna através do Cristo vivo e ressuscitado”. O funeral de Dom Geraldo, homem entre os mais importantes da Igreja do Brasil e do Mundo, mobilizou mais de 24 horas de orações ininterruptas na Catedral Metropolitana de Londrina, com a presença de padres de todos os decanatos da arquidiocese, que abrange 16 municípios e cerca de 20 bispos (sendo três cardeais), padres e religiosos de todo país.

Além de respeitada autoridade religiosa, o arcebispo emérito era amigo e ente querido de muitos, que se fizeram presentes nas celebrações, sobretudo na última Santa Missa antes do sepultamento, às 10 horas, para lhe prestarem homenagem. São pessoas de diversas confissões religiosas, de entre elas, autoridades civis e religiosas, como o Sheiki Jeque Ahmad Saleh Mahairi, da Mesquita Rei Faiçal.

Ora, Sheiki Mahairi conhecia Dom Geraldo Majella desde a década de 1980 e estava no funeral do Cardeal Agnelo como amigo, pesaroso pelo sepultamento de outro amigo. O Sheiki é conhecido em vários âmbitos da sociedade e mantém respeitosa relação com a Igreja Católica. Foi também amigo de Dom Albano Cavallin, outro arcebispo de Londrina, com quem mantinha relação próxima. Como amigo, participou na celebração eucarística e, pondo-se na fila da comunhão, recebeu o corpo de Cristo.

Diante da repercussão das imagens, que mostram Sheiki Mahairi a receber a Eucaristia, mas não o mostram a consumir, o arcebispo pediu padre Rafael Solano, vigário geral da arquidiocese, que fosse conversar com o Sheiki Mahairi a esclarecer a situação. Lamentando o ocorrido, pois não era seu intuito desrespeitar a Igreja Católica, o interpelado informou que recebeu Jesus, foi até ao banco, sentou-se e consumiu a Eucaristia, pois, segundo ele, Dom Albano explicara, há muitos anos, que a Eucaristia é o corpo de Jesus, profeta para o Islão.

Ora, como lembra o arcebispo, a Igreja olha com estima os muçulmanos, que adoram o Deus Único, vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos homens e a cujos decretos procuram submeter-se de coração, como a Deus se submeteu Abraão, que a fé islâmica evoca de bom grado. Embora sem O reconhecerem como Deus, veneram Jesus como profeta e honram Maria, sua mãe virginal, a quem, por vezes, invocam devotamente. Esperam o dia do juízo, em que Deus retribuirá a todos os homens, uma vez ressuscitados. Têm em apreço a vida moral e prestam culto a Deus, sobretudo com a oração, com a esmola e com o jejum (cf Declaração Nostra aetate, n.º 3)

Por fim, o prelado metropolita considerou o que o Papa Francisco nos ensina no seu último documento sobre a Liturgia, Desiderio Desideravi, de 2022. Ninguém havia conquistado um lugar para a última Ceia. Foram os convidados atraídos pelo desejo ardente do próprio Jesus de comer aquela Páscoa com eles, sendo Ele próprio o cordeiro.

Muito antes da nossa resposta ao convite, está o seu desejo por nós, mesmo que disso não tenhamos consciência. Cada vez que participamos na Missa, a grande razão é porque somos atraídos pela sua sede de nós. E a resposta possível, a ascese mais exigente é a de nos rendermos ao seu amor, de nos deixarmos atrair por Ele. Na verdade, as nossas comunhões no Corpo e Sangue de Cristo foram desejadas por Ele na última Ceia. Toda a criação é manifestação do amor de Deus. E desde que esse amor se manifestou na plenitude da Cruz, “toda a criação é atraída por Ele. É toda a criação que é assumida para ser posta ao serviço do encontro com o Verbo encarnado, crucificado, morto, ressuscitado, que subiu ao Pai.” (cf n.º 42)

A Eucaristia é verdadeiro Corpo e Sangue de Jesus, comungado pelo povo reunido em volta do altar, como sinal de caridade ou amor irrepetível de Deus que se manifesta na Cruz de Jesus. Assim, é imperioso que abandonemos as polémicas para escutarmos, juntos, o que o Espírito diz à Igreja, conservando a comunhão e maravilhando-nos pela beleza da Liturgia. Porque nos foi dada a Páscoa, é forçoso que nos deixemos possuir pelo desejo que o Senhor tem de a poder comer connosco. (cf n.º 65). A Celebração Eucarística ensina-nos o exercício da caridade, alimenta-nos a mansidão e conduz-nos à fraternidade e ao respeito por todos. Seja, pois, a Eucaristia, para todos, mistério do amor, fonte de graça e de luz que ilumina os caminhos da vida.

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O cânone 912, do Código de Direito Canónico estabelece que “qualquer batizado, que não esteja proibido pelo direito, pode e deve ser admitido à sagrada comunhão”. O que tem lógica, em termos normais, mas é pena que as condicionantes não se firmem na fé e na graça, mas no direito. Na verdade, enquanto o direito é bastante limitativo, a fé e a graça primam pela superabundância, mercê da imensa caridade divina e da inefável Misericórdia de Deus.

É de advertir, no entanto, que o caso vertente é episódico. O arcebispo não convidou o líder muçulmano para a comunhão. O que sucedeu foi que este se colocou na fila. E não é decente que o ministro da comunhão censure, publicamente, alguém que, presumivelmente, de boa-fé ou por ignorância, se aproxime da mesa da comunhão. São lamentáveis os casos abundantes de ministros da comunhão que a negaram aparatosamente a potenciais comungantes, às vezes, por motivos bem mesquinhos. Até havia uma indicação segundo a qual o cristão que, inadvertidamente, se pusesse na fila, quando a consciência o acusava de pecado grave não confessado, poderia avançar, pois ninguém tem a obrigação de se autoinfamar.

Não obstante, o caso em apreço deveria levar-nos a refletir sobre a ministração da comunhão a crentes não católicos. Concedo que não católicos não presidam à Eucaristia católica e que ministros católicos não presidam a celebrações equivalentes de outras confissões cristãs. Porém, se participam em celebrações católicas, não vejo por que não possam ser admitidos à comunhão. Com efeito, a celebração eucarística não é um congresso partidário, para o qual são convidados adversários, para verem o que pensamos e como procedemos, ficando com a liberdade política de nos criticarem. Se convidados, são recebidos como irmãos e como amigos, não como estranhos.

Se quiséssemos levar as coisas ao máximo rigor, teríamos de pensar em excluir da Liturgia Eucarística (a segunda parte da Missa) todo os que não comungassem. E à Liturgia da Palavra (a primeira parte) só admitiríamos, além desses, os catecúmenos e os penitentes…

Queremos agarrar-nos a um tempo histórico ultrapassado, que a exiguidade numérica dos cristãos, ameaçada pelas perseguições, justificou (procedimento similar ainda hoje existente em alguns lugares de perseguição iminente)? Ou estamos abertos a dar testemunho da vida da fé numa sociedade plural, abrindo as portas da Igreja e os tesouros da salvação aos demais, porque a Igreja é para todos?

2023.09.11 – Louro de Carvalho

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