segunda-feira, 18 de setembro de 2023

O secretário-geral da ONU pede um plano de resgate global dos ODS

 

No arranque do Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, em Nova Iorque, a 18 de setembro, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, admitiu o risco de os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) serem deixados para trás, pelo que apelou a um “plano de resgate global”.

A 78.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (UNGA 78) arrancou, em Nova Iorque, no dia 18, com dezenas de chefes de Estado e de Governo de todo o Mundo, estando presentes, ao longo da semana, 99 chefes de Estado, seis vice-presidentes, 48 chefes de governo, quatro vice-primeiros-ministros e 35 ministros dos Negócios Estrangeiros, além de outros membros de Executivos. Já a Cimeira dos ODS, a decorrer nos dias 18 e 19, um dos eventos mais importantes da semana, marca um ponto intermédio dos ODS rumo a 2030.

António Guterres observou que só 15% das metas dos ODS estão no caminho certo para serem atingidas até 2030 e que há regressão em alguns objetivos. “Em vez de não deixarmos ninguém para trás, corremos o risco de deixar para trás os ODS. Excelências, os ODS necessitam de um plano de resgate global”, disse aos líderes mundiais, vincando que a ONU espera alcançar, neste fórum, um novo compromisso por parte de todos os líderes globais, consolidado numa declaração de intenções em discussão, que seria aprovada ainda naquele dia.

Com esta declaração política, o líder da ONU disse sentir-se “profundamente encorajado”, sobretudo tendo em conta o compromisso a que se propõe de melhorar o acesso dos países em desenvolvimento ao financiamento necessário para avanços nos ODS, o que inclui o apoio a um estímulo dos ODS de, pelo menos, 500 mil milhões de dólares [468,8 mil milhões de euros] por ano, bem como um mecanismo eficaz de alívio da dívida que apoia suspensões de pagamentos, prazos de empréstimos mais longos e taxas mais baixas.

A declaração também o apelo à recapitalização e à mudança do modelo de negócio dos bancos multilaterais de desenvolvimento, para mobilizarem, massivamente, o financiamento privado a taxas acessíveis, em benefício dos países em desenvolvimento, bem como o apoio à reforma da atual arquitetura financeira internacional “desatualizada, disfuncional e injusta”, numa junção de compromissos que poderá ser “um divisor de águas” na aceleração do progresso dos ODS.

Aos presentes o líder da ONU apontou seis áreas específicas onde são necessárias transições urgentes, a começar pela ação contra a fome: “No nosso Mundo de abundância, a fome é uma mancha chocante na humanidade e uma violação épica dos direitos humanos. O facto de milhões de pessoas estarem a passar fome, no nosso tempo, é uma acusação a cada um de nós.”

A segunda área é a transição para as energias renováveis, que não segue com a rapidez suficiente; a terceira é a digitalização, cujos benefícios e oportunidades não estão a ser suficientemente divulgados; a quarta é a educação, pois é gritante a elevada quantidade de crianças e jovens vítimas de educação de má qualidade ou sem qualquer acesso à educação; a quinta é o acesso ao trabalho digno e à proteção social; e a sexta tem a ver com o fim da tripla crise planetária: alterações climáticas, poluição e perda de biodiversidade.

António Guterres frisou ainda que os ODS “não são apenas uma lista de objetivos”, mas que “carregam as esperanças, sonhos, aspirações e as expectativas das pessoas em todos os lugares”. Além disso, proporcionam o caminho mais seguro para alcançar as obrigações no âmbito da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “A meio caminho do prazo dos ODS, os olhos do Mundo estão, novamente, voltados para vós. Ao longo do fim de semana, jovens e grupos da sociedade civil compareceram na ONU – ou marcharam por todo o Mundo – exigindo ações urgentes. Agora é a hora de provardes que estais a ouvir. Podemos prevalecer, se agirmos agora. Se agirmos juntos. Se mantivermos a nossa promessa aos milhares de milhões de pessoas cujas esperanças, sonhos e futuros vós tendes nas mãos. Agora é a hora”, concluiu.

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A edição de 2023 do Relatório “Unidos na Ciência” – coordenado por várias agências da ONU e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), a qual monitoriza o impacto das alterações climáticas e dos fenómenos meteorológicos – conclui que só 15% dos ODS definidos pela ONU e inscritos na Agenda 2030 estão a caminho de serem concretizados a tempo. E isto é muito preocupante. Num ano que mostrou qual pode ser o impacto dos fenómenos associados às alterações climáticas, o secretário-geral da ONU afirmou: “Sabemos que isto é apenas o início e que a resposta global está a ser insuficiente. Entretanto, a meio caminho do prazo de 2030 para os ODS, o Mundo está lamentavelmente fora do caminho.”

Entre os ODS da Agenda 2030, estão a erradicação da pobreza e da fome, a educação e a saúde de qualidade, o acesso a água potável e a saneamento, o trabalho digno, a igualdade de género, a proteção da vida marinha e terrestre, a paz e a justiça, entre outros. E, para atingir essas metas, a ciência é “fundamental”, avisou António Guterres, citado pela agência Lusa.

O planeta está a meio do calendário previsto para atingir as referidas metas, sem que se vejam grandes progressos. Mas a ciência pode ajudar, acredita o secretário-geral da OMM. “Os avanços científicos e tecnológicos inovadores, como a modelação climática de alta resolução, a inteligência artificial e o nowcasting [previsão do tempo a curto prazo], podem desencadear a transformação para atingir os ODS. E conseguir sistemas de alerta rápido para todos até 2027 não só salvará vidas e meios de subsistência, como também ajudará a salvaguardar o desenvolvimento sustentável”, sustenta Petteri Taalas.

O relatório mostra, por exemplo, como as previsões meteorológicas ajudam a aumentar a produção alimentar e a reduzir ou a eliminar a fome. Ao integrar a epidemiologia e a informação climática, podemos compreender e antecipar as doenças sensíveis ao clima. E os sistemas de alerta rápido ajudam a reduzir a pobreza, dando às pessoas a possibilidade de se prepararem e de limitarem o impacto de cheias, de ondas de calor ou de tempestades. Calcula-se que mais de dois milhões de pessoas terão morrido, entre 1970 e 2021, devido aos cerca de 12 mil fenómenos meteorológicos extremos, tendo 90% dessas mortes ocorrido em países em desenvolvimento. E são avaliadas 60% das perdas económicas em 4,3 biliões de dólares. Com a probabilidade de 98% de os próximos anos serem os mais quentes de sempre e a meta do 1,5°C aumento da temperatura média do Acordo de Paris para o fim do século a ser atingida daqui a menos de 10 anos, a escala da catástrofe provocada por esses fenómenos aumentará, comprometendo os ODS. Daí a necessidade de apostar na ciência, no sentido de poder mitigar alguns efeitos das alterações climáticas e ajudar a cumprir, pelo menos, alguns desses objetivos.

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Neste contexto de luta contra as alterações climáticas mais gravosas, há hipocrisia e a duplicidade, muitas vezes, a nível institucional. Por exemplo, apesar da propaganda sobre o seu compromisso com a economia de baixo carbono, o Banco Mundial (BM) atribuiu, em 2022, cerca de 3.500 milhões de euros a projetos de petróleo e de gás.

Com efeito, segundo um estudo da Urgewald, uma campanha alemã que procura descobrir a fonte de financiamento para a indústria dos combustíveis fósseis, através do seu ramo de “private finance”, a International Finance Corporation, o BM financiou, em cerca de 3.500 milhões de euros, vários projetos ligados à exploração de combustíveis fósseis, com instrumentos financeiros de grande opacidade, oferecendo crédito ou garantias a projetos de petróleo e de gás. Por isso, a autora do estudo, Heike Mainhardt, disse ao  The Guardian que o BM “não pode dizer que está alinhado com o Acordo de Paris, pois não existe suficiente transparência para se saber isso”. A especialista, que estuda, há 20 anos, os investimentos do BM diz que, além dessa transparência, a reforma da instituição deve incluir a indústria do petróleo, do gás e do carvão na lista de exclusão dos seus investimentos.

A reforma orientada para objetivos climáticos é reclamada, junto do BM, por várias ONG e por governos de vários países, na sequência da saída do anterior presidente David Malpass (nomeado por Trump), após declarações negacionistas das alterações climáticas.  

Por sua vez, a International Finance Corporation frisou que o estudo exagera o apoio aos combustíveis fósseis e defendeu o seu processo de seleção de investimentos que diz “equilibrar os compromissos climáticos com as urgentes necessidades de desenvolvimento nos países onde trabalhamos”. Este braço financeiro do BM garante que não financia projetos ligados ao carvão e, quanto aos do petróleo e de gás, permite o financiamento da distribuição, não da produção. Quanto às acusações de falta de transparência, responde que divulga informação “atempada e rigorosa” sobre os seus projetos através de vários canais de comunicação.

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Além do carvão e dos combustíveis fósseis, o ambiente é lesado pela poluição, em que se conta a poluição do ar, dos solos e do subsolo, da água (das fontes, dos lagos, dos rios, dos mares, dos oceano e dos lençóis freáticos) e a sonora. A título de exemplo, é de referir, em Portugal, a poluição rodoviária (sonora, do ar e do que a ele esteja exposto). Assim, apesar do aumento do preço dos combustíveis, da subida do número de trabalhadores em regime de teletrabalho ou híbrido e da perda do poder de compra dos portugueses, o país assistiu, no último ano, ao aumento das emissões de gases geradas pelo transporte rodoviário. Os números, citados pela agência Lusa e revelados pela associação ambientalista Zero, apontam a subida de 6,2% entre os meses de julho de 2022 e 2023, comparativamente a igual período entre 2018 e 2019 (pré-pandemia). E, comparando com o ano anterior (2021/2022), o aumento é de 5,4%.

O maior aumento diz respeito ao consumo de gasolina (12,9%), acima do registado no gasóleo (4,9%), o que leva a concluir que, por detrás deste aumento das emissões, está sobretudo o uso de veículos ligeiros de passageiros, não o de pesados de passageiros e de mercadorias.

A explicar o aumento, a Zero avança com várias hipóteses. Entre elas, está a crise na habitação que levou à perda de 70 mil residentes dos concelhos do Porto e de Lisboa, o que terá levado ao aumento dos movimentos pendulares com recurso ao automóvel. Também o aumento do turismo será responsável pela maior utilização dos veículos de aluguer. E a grande expansão dos regimes de trabalho parcial ou totalmente remotos terá reduzido o custo relativo do uso do transporte individual, em relação aos passes sociais, aumentando a atratividade do automóvel.

Também as emissões ligadas ao setor da aviação aumentaram 4,7%, em relação ao ano antes da pandemia. Ora, para atingir as metas climáticas de 2030, as emissões do setor dos transportes teriam de ser reduzidas anualmente em 2%, a partir do próximo ano.

Para o transporte rodoviário, a Zero diz que é “absolutamente crítico” adequar as políticas públicas a este cenário, com melhores passes de transporte, apoios públicos a veículos elétricos e ao reforço da ferrovia. Por outro lado, é preciso rever os incentivos que as empresas ainda têm à aquisição de combustíveis e de veículos movidos a combustíveis fósseis, bem como ao pagamento de portagens e de estacionamento. É também urgente estancar a saída de residentes e fazer regressar os que saíram ao centro das maiores cidades portuguesas, com melhores redes de transporte público e onde mais se pode dispensar o uso de automóvel individual.

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Também o Presidente da República português (PR) defendeu, na ONU, mais financiamento global para a concretização dos ODS e para a recuperação do tempo perdido. “Temos de agir. Temos de garantir mais resultados e rapidez”, alertou, vincando: “Apoiamos, em Portugal, a realização de uma cimeira social mundial bem-sucedida e com resultados visíveis.” E deu o exemplo de Portugal, que tem um projeto-piloto com Cabo Verde, “multiplicável noutros países, nomeadamente em África, de conversão da dívida pública em investimento num fundo climático e ambiental”. “Chamamos a atenção para a importância da ligação entre o clima e os oceanos, para a redução das catástrofes, para a proteção civil preventiva, para o sistema integrado de combate às desigualdades provocadas pelas catástrofes”, frisou.

No fim, declarou: “Não podemos defraudar o legado para as gerações futuras. É nosso dever honrar o compromisso da Agenda 2030, em nome da humanidade e do planeta.”

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Será que o Mundo acordará e se unirá em defesa do planeta?

2023.09.18 – Louro de Carvalho

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