quinta-feira, 7 de setembro de 2023

A ex-CEO da TAP pede, em tribunal, cerca de seis milhões de euros

 

Era de esperar, pois o prometido é devido. A ex-CEO (Chief Executive Officer) ou presidente da comissão executiva da TAP Air Portugal (TAP), Christine Ourmièrs-Widener, intentou uma ação judicial contra o grupo empresarial do Estado. A ação, noticiada inicialmente pelo Eco online, deu entrada no Juízo Central Cível de Lisboa, a 5 de setembro, segundo o portal Citius.

O processo tem o valor de 5 943 196,16 euros. Ou seja, são quase 6 milhões de euros solicitados.

Já se sabia que a ex-presidente da TAP iria litigar, só não se sabia quando, nem em que montante. A ex-gestora de topo tinha anunciado esta intenção e, após as férias judiciais, o processo entrou na justiça.

Discordando do seu despedimento, decidido pelos ministros das Infraestruturas e das Finanças, João Galamba e Fernando Medina, respetivamente, considerava ter direito a bónus pelo seu desempenho na companhia – o que o governo negou.

Christine Ourmières-Widener foi despedida, alegadamente, por “justa causa”, no início do ano, na sequência do relatório da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) sobre o acordo de saída da administradora Alexandra Reis da TAP, tendo ficado claro que Alexandra Reis tinha sido convidada a sair pela presidente da comissão executiva e saiu com indemnização compensatória, quando foi comunicado ao mercado que saía por motivos pessoais (falta de verdade: saiu por incompatibilidade com a gestora de topo).

A justificar a exoneração por “justa causa” esteve o facto de a IGF ter considerado ilegal o acordo de 500 mil euros que levou à saída da gestora, em fevereiro de 2022. A IGF alegou que não tinham sido cumpridas as regras do Estatuto do Gestor Público (EGP).

Christine Ourmières-Widener deixou, efetivamente, da liderança na TAP em abril de 2023, no quadro da polémica em torno da sua gestão, e com a comissão parlamentar de inquérito (CPI)em curso. Mostrou que saía triste, vincando que deixava a TAP melhor do que a encontrara, em meados de 2021. A TAP, segundo adiantou, terminou o ano de 2022 com um lucro de 65,6 milhões de euros, antecipando em dois anos o previsto no plano de reestruturação, o que notícias recentes parecem desmentir, ao referirem que, neste ano, a empresa passou de prejuízos a lucros.

Entretanto, a gestora francesa, poucos meses depois de ter sido despedida, assumiu, a 1 de julho, a presidência executiva das companhias aéreas Air Caraibes e French Bee. Porém, nenhuma destas integra a lista pré-definida de 15 empresas concorrentes da TAP e das suas rotas, a que era vedado à ex-gestora aceder, em termos de trabalho, durante 12 meses, caso contrário, sofreria penalidades.   

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A ex-CEO da TAP espera que seja reposta toda a verdade. Contudo, apesar de mostrar “confiança na justiça”, sustenta que qualquer decisão dos tribunais no processo não apagará os enormes danos causados por uma demissão que considera abrupta e injustificada: “Infelizmente, qualquer decisão que venha a ser tomada não poderá reparar integralmente os enormes danos reputacionais e pessoais que sofri e continuo a sofrer. Ninguém deveria passar pelo que passei, nem pessoal, nem profissionalmente.”

Numa declaração enviada à agência Lusa, um dia depois de ser conhecida a entrada do processo nos tribunais, no qual exige mais de 5,9 milhões de euros, relembra que foi o governo que “convidou uma gestora internacional, com uma carreira ascendente”, não tendo sido ela a procurar a posição de CEO da TAP. O governo “convidou uma gestora internacional, com uma carreira ascendente, garantiu o pagamento de um bónus que foi decisivo para a minha aceitação e [para a] decisão de mudar toda a minha família para Portugal, assinou um contrato por cinco anos, que foi abrupta e injustificadamente interrompido”, refere.

Reitera que agiu “sempre com total transparência” e de “boa-fé” na liderança da companhia aérea e recorda os resultados financeiros “nunca antes obtidos”. E confessa: “Acredito na justiça, seja em Portugal, seja no estrangeiro. Tenho mantido o silêncio, em respeito à TAP e aos seus trabalhadores, pelo que lamento, uma vez mais, a reação pública do governo sobre o processo.”

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Questionada sobre o processo contra a TAP, a 6 de setembro, no briefing após a reunião do Conselho de Ministros, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, afirmou que o governo está “muito confortável” com o despedimento da ex-CEO, defendendo que o relatório que sustentou a decisão era inequívoco: “O governo tomou uma decisão com base num relatório que é absolutamente inequívoco e, por isso, estamos muito confortáveis com a decisão tomada.”

A governante sublinhou que o executivo, “na altura, tomou a decisão com base num relatório da Inspeção-Geral das Finanças (IGF)”, que considerou que “era suficientemente sólido”. “Quanto ao tema de decisões tomadas fora do enquadramento que deveriam ter sido tomadas, mantém naturalmente a sua decisão. Quanto ao resto, todos temos o direito de nos defender e [de] decidirmos todos os processos que queiramos decidir”, disse.

Entretanto, os principais sindicatos reagiram ao processo intentado contra a companhia aérea, vindo o presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Ricardo Penarroias, declarar que não ficou surpreendido com a entrada da ação nos tribunais ou os 5,9 milhões de euros exigidos. “A preocupação que eu tenho, como diretor sindical e como trabalhador de grupo TAP, é que a decisão [de exonerar a gestora] tenha sido a acertada e que não tenha sido mais um ato de gestão, mais um ato de impulsividade, que apenas prejudica a companhia”, disse à Lusa o dirigente que representa os tripulantes de cabine da transportadora.

Já o presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), Tiago Faria Lopes, considerou os 5,9 milhões de euros “um pedido inacreditável” de Christine Ourmières-Widener: “Claro que a forma [de a demitir] não foi a correta, mas o historial da engenheira Christine na gestão da TAP foi completamente desastroso e danoso.”

Todos os implicados os sabem e o dizem. A CPI não poupou a gestora qualificada.

O Governo anunciou a exoneração de Christine Ourmières-Widener e do presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja, a 6 de março, depois de divulgados os resultados de uma auditoria da IGF, que concluiu que o acordo para a saída da antiga administradora Alexandra Reis era nulo e que grande parte da indemnização (perto de meio de milhão de euros) teria de ser devolvida. Tudo isto, no quadro de uma polémica iniciada no final de dezembro de 2022, quando o Correio da Manhã noticiou que a então secretária de Estado do Tesouro tinha recebido uma indemnização de cerca de 500 mil euros para sair, dois anos antes do previsto, da administração da empresa. O caso motivou uma remodelação no Governo, incluindo a saída do ex-ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos.

Tanta parra pela indemnização de Alexandra Reis, quando ninguém quer saber das indemnizações, vencimentos chorudos, pagamentos por prestações de serviços (reais ou não) e diversas mordomias a administradores anteriores!

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Eu, se fosse governante, não ficaria tão confortável com a ação judicial intentada pela ex-gestora de topo da TAP. O relatório da IGF não conclui, inequivocamente, pela exoneração da gestora: o que recomenda é a avaliação da legalidade da atuação dos administradores que decidiram a retirada de Alexandra Reis e a respetiva indemnização (tal decisão deveria ter sido tomada pelos órgãos estatutários da TAP: o conselho de Administração ou a assembleia geral). Não houve um processo dirigido especificamente contra a gestora, com oportunidade de defesa.

Por outro lado, o artigo 25.º do EGP (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 50/2022, de 19 de julho) estabelece as condições de demissão do gestor: quando lhe seja imputável, individualmente, uma das seguintes situações: avaliação de desempenho negativa, designadamente por incumprimento dos objetivos referidos nas orientações fixadas ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, ou no contrato de gestão; violação grave, por ação ou por omissão, da lei ou dos estatutos da empresa; violação das regras sobre incompatibilidades e impedimentos; e violação do dever de sigilo profissional. A demissão, que compete ao órgão de eleição ou nomeação, requer audiência prévia do gestor e é devidamente fundamentada, implica a cessação do mandato, não havendo lugar a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções.

E o artigo 27.º prevê que o gestor público possa renunciar ao cargo, nos termos da lei comercial, e estipula que a renúncia não carece de aceitação, mas deve ser comunicada aos órgãos de eleição ou de nomeação”.

Quer dizer que Alexandra Reis podia ter sido demitida por quem de direito e não o foi; e que podia ter renunciado. E, no caso de demissão, esta devia ser objetivamente fundamentada e a gestora em causa devia ser ouvida previamente. É verdade que o EGP não prevê a saída negociada, mas também não a proíbe. Por isso, é de recear que essa “coisa do outro mundo” de que falava o Presidente da República pode não ter passado de mera opinião avaliativa da IGF. Aliás, o artigo 40.º do EGP estabelece: “Em tudo quanto não esteja disposto no presente decreto-lei, aplica-se o Código das Sociedades Comerciais, salvo quanto aos institutos públicos de regime especial.” Não é o caso. A TAP é uma empresa pública, não um instituto público.

E o que se disse em relação a Alexandra Reis, mutatis mutandis, deverá dizer-se da ex-CEO.  

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Contudo, não há que temer. Com efeito, a TAP reforçou o dinheiro que tem colocado de lado para eventuais encargos com processos judiciais de que é alvo. Mais do que duplicaram essas verbas que ficam “congeladas” para eventuais custos futuros com ações em tribunal. No fim de 2022, as provisões para tais processos – dinheiro paralisado até conhecer se se concretizam tais encargos – situavam-se em 53 milhões de euros, número comparável com os 23 milhões da rubrica um ano antes e que é bastante superior aos 11 milhões registados em provisões no fim de 2021.

“Em 31 de dezembro de 2022, a provisão existente, no montante de 52,6 milhões de euros, destina-se a fazer face a diversos processos judiciais intentados contra o grupo, em Portugal e no estrangeiro”, indica a companhia aérea, no relatório e contas relativo ao ano passado. Esta é a provisão que existe no fim do ano, já depois de aumentada e utilizada a “provisão de cerca de 28 milhões de euros, no âmbito do acordo celebrado com os sindicatos”. Não há explicação  adicional sobre estes encargos.

O aumento de 2021 para 2022 tinha contado com uma provisão para “processos recebidos nos Estados Unidos da América (EUA) e em Espanha de natureza contraordenacional decorrentes de irregularidades operacionais”. Fora dos processos judiciais em curso, a TAP tem uma provisão para reestruturação, para custos de redelivery (devolução de aeronaves no final do período de locação) e outras. Isto numa empresa em que novas ações judiciais foram admitidas pela ex-CEO presidente executiva, contestando o seu afastamento determinado pelo governo, bem como a não atribuição de bónus pelos resultados de 2021 e de 2022, a que diz ter direito.

E, obviamente, se a TAP não tiver dinheiro para pagar processos e indemnizações, o bom povo português ver-se-á “obrigado a pagar voluntariamente” esses desmandos da TAP, como sempre. O povo não deixa ir à falência bancos e empresas públicas. Não tenham medo!

2023.09.07 – Louro de Carvalho

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