sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Não combater o clima constitui violação de Direitos Humanos

 

Caso sem precedentes é o de seis jovens portugueses que acusam 33 países de violação de Direitos Humanos, por não combaterem as alterações climáticas, como reporta o Expresso online, a 29 de setembro, pela pena de Cláudia Monarca Almeida.

Na verdade, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) ouviu, a 27 de setembro, o caso dos seis jovens portugueses que acusam Portugal e outros 32 países de inação climática. A deliberação, que só deverá ser conhecida em 2024, já suscita grande expectativa. Se os Estados em causa forem condenados, o impacto será “estrondoso”.

É verdade que o TEDH já deliberou em casos sobre questões ambientais, mas apresentados por pessoas afetadas, diretamente, por problemas com causas específicas identificadas (por exemplo, viverem perto de fábricas e estarem afetados por poluição), explica Heloísa Oliveira, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e responsável pelo Climate Litigation Observatory (CLO).

Como indica a investigadora, as questões climáticas são diferentes, pois “são estruturalmente difusas” e os impactos são sentidos, de forma indiferenciada, “entre as pessoas de certas regiões, com causas cumulativas e difusas, transfronteiriças e diferidas no tempo”. Isto leva a que “os casos de litigância climática sejam disruptivos”, originando, frequentemente, decisões inovadoras, porque “o direito vigente não foi criado para resolver problemas desta natureza”. E “quase todas estas ações são preventivas, em relação a danos futuros, ao passo que  os outros casos do TEDH se referem a “danos concretos que já se verificaram e não são antecipatórias”, como é o caso em apreço.

Todavia, esta não é a única ação climática a decorrer no TEDH. Com efeito, o Tribunal está analisar outros dois casos: um intentado por um grupo de idosos contra a Suíça; e outro, pelo ex-autarca de Grande-Synthe contra a França.

O caso Duarte Agostinho e outros cinco contra Portugal e contra outros 32 Estados assume especial relevância por várias razões. Em primeiro lugar, os autores do processo são jovens, alguns deles menores de idade, o que, segundo Tiago de Melo Cartaxo, professor de Lei Ambiental na Universidade de Exeter e na NOVA School of Law, leva a concluir que “faz sentido enfatizar o papel das novas gerações na defesa dos direitos ambientais e climáticos, como elemento essencial na promoção da justiça intergeracional”. Em segundo lugar, a ação não é apenas intentada contra um, mas também contra mais 32 Estados, o que permite concluir que, se o TEDH decidir a favor dos autores, “a decisão poderá ter um impacto estrondoso nas jurisdições de um vasto número de Estados”. E, em terceiro lugar, uma caraterística relevante do processo prende-se com o facto de já ter sido objeto da intervenção de amplo número entidades terceiras, como relatores especiais Organização das Nações Unidas (ONU), da Comissária Europeia para os Direitos Humanos, da Greenpeace, da Amnistia Internacional, de universidades e de outras organizações interessadas no tema.

A questão que se levanta é: “Se as alterações climáticas são problema global, podem os países ser responsabilizados?” Ora, na audiência, os países acusados consideraram “inegáveis” os impactos da crise climática e não rejeitaram as provas científicas. Porém, contestaram a admissibilidade do caso, aduzindo que o TEDH estaria a exceder o seu mandado e que, por este ser um problema global, os queixosos não deveriam poder reclamar o estatuto de vítimas.

E Heloísa Oliveira, considerando esta argumentação previsível e coerente com a jurisprudência do TEDH, bem como com o modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), sustenta que “não é possível estabelecer causalidade entre as emissões com origem num país específico e um evento que afete uma determinada pessoa”. Com efeito, “a responsabilidade por danos resultantes de alterações climáticas não pode deixar de ser assumida, de forma coletiva, a nível global, ainda que de forma diferenciada entre Estados”, justifica. Não obstante, em sua opinião, tal não impede o TEDH de apreciar se os Estados em causa, sendo emitentes e não estando a reduzir emissões a um nível adequado à luz do consenso científico, estão ou não a violar direitos humanos,” mesmo que outros Estados, que não são Parte da CEDH, também o estejam.”

Tiago Cartaxo corrobora, sustentando que o argumento de as alterações climáticas terem efeitos globais são será suficiente para o TEDH o aceitar, visto que estão em causa 33 Estados industrializados e poluentes, que representam grande parte da economia global e do contributo para as alterações climáticas, mas ficam fora deste grupo países como a China, a India e os Estados Unidos da América (EUA), que são dos maiores poluentes do Mundo. Contudo, será hipocrisia que os juízes decidam que, tendo também responsabilidade na matéria Estados que estão fora da sua jurisdição, deixarão de julgar os Estados incluídos na sua jurisdição.

Este caso, a ser decidido conforme a vontade dos autores, criará precedentes jurídicos em matéria processual e substantiva, porque ser o primeiro caso decidido pelo TEDH em matéria de alterações climáticas. Efetivamente, se o TEDH aceitar o caso, o acesso a esse tribunal será mais fácil para qualquer cidadão no espaço europeu, o que terá como consequência “a propositura de mais ações climáticas”. Por outro lado, a jurisprudência criada estender-se-á aos tribunais nacionais. Mais, como aponta Heloísa Oliveira, sendo este tribunal europeu “o mais antigo e desenvolvido dos sistemas regionais de proteção de direitos humanos”, é possível que influencie os mais variados órgãos e tribunais internacionais onde decorrem outras ações climáticas.

Tiago Cartaxo lembra que, em abril deste ano, a Assembleia Geral da ONU aprovou, por consenso, uma resolução a solicitar um parecer consultivo ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre as responsabilidades dos Estados em matéria climática”. Assim, também o TIJ, que abrange os países da ONU], aguarda a decisão do TEDH, para poder tomar uma posição no futuro.

Para os países que ratificaram a CEDH, as decisões do TEDH são vinculativas. A exceção será a Rússia, o único acusado que foi expulso do Conselho da Europa, instituição que tutela o TEDH, na sequência da invasão da Ucrânia. Poderá haver questões com o Reino Unido, que admitiu abandonar a CEDH, devido a tensões com o TEDH em matéria de migrações. Para todos os outros países, se o TEDH, na decisão final, der razão aos autores deste processo, as consequências serão enormes, desde logo pela necessidade de mais de três dezenas de Estados terem de alterar as suas legislações e as suas políticas em matéria ambiental e climática, incluindo as metas relativamente à neutralidade carbónica e aos demais gases com efeito de estufa.

O próprio Direito do Ambiente da União Europeia e as suas agendas ambientais, como o Green Deal, podem sofrer alterações no futuro, após decisão de tal envergadura. Dependendo da fundamentação da decisão, “os Estados ficarão com o dever de reduzir as suas emissões”, explicita Heloísa Oliveira, referindo: “O Comité de Ministros do Conselho da Europa é o órgão com competência para verificar o cumprimento das decisões do TEDH, pelo que os Estados teriam de passar a prestar informações sobre que medidas foram adotadas na matéria.”

Tiago Cartaxo ficará mais preocupado, se a decisão do TEDH “for desfavorável aos autores”, pois, sendo “O TEDH, historicamente, um dos tribunais mais avançados em Direito Internacional, se esta for uma oportunidade perdida, as esperanças dos ambientalistas serão menores.

Heloísa Oliveira, considerando que “há vários tipos de ações climáticas” e que o seu impacto real dependerá dos termos do pedido, da condenação e das entidades envolvidas (algumas ações são simbólicas, várias não), desenvolve: “Todas as ações procedentes contra empresas – por exemplo, redução de emissões e proibição de práticas de greenwashing – podem ser imediatamente consequentes, não só no caso, mas também enquanto precedentes que as demais empresas não poderão ignorar nas suas práticas, sob pena de serem também elas condenadas. Já nas ações contra Estados e entidades públicas, os tribunais reconhecem sempre uma margem de apreciação do poder político, mesmo quando condenam – ou seja, o poder político é que terá de definir, entre as várias vias possíveis, como é que irá alcançar o resultado.”

Assim, essas ações podem parecer menos eficazes, mas todas contribuem para “identificar, especificar e alargar os limites jurídicos à ação política”, isto é, para declarar que a adoção de medida concretas que consigam atingir a neutralidade carbónica, a breve trecho, não é mera opção política, mas um dever legal, “o que, até agora, era apenas algo que ativistas reivindicavam e sobre o qual académicos escreviam”, diz a investigadora responsável pelo CLO.

Já Tiago Cartaxo, apontando o risco da multiplicação das ações climáticas, que pode parecer positivo, à partida, mas que pode vir a “encher os tribunais com processos intermináveis e fazer com que o combate a um problema urgente passe para segundo plano”, opina: “Parece-me que o TEDH tem vindo a analisar os vários casos que se lhe têm sido apresentados, de forma bastante cuidadosa e sensata. Acredito que um dia viremos a ter uma decisão de um tribunal internacional que seja favorável a todo o movimento mundial de combate às alterações climáticas. O caso dos jovens portugueses parece ter argumentos e fundamentos razoáveis e poderá vir a tornar-se num caso paradigmático de Direito Internacional em matéria climática.”

Porém, os renomados investigadores consideram que a via judicial deve ser “uma das respostas” do Direito à crise climática, mas não a única. Outro mecanismo jurídico “bastante eficaz”, defendem, “é a inclusão de cláusulas climáticas em contratos comerciais”.

***

Parece-me temerária e de reduzida eficácia a via judicial, no TEDH ou no TIJ, para a resolução dos problemas ambientais, mormente no âmbito climático. Implica alterações legislativas nos Estados e nas organizações internacionais de Estados, a que se tem imprimido uma celeridade de caracol. Por sua vez, a via judicial nacional também é morosa e tem dificuldade em fazer cumprir as decisões dos tribunais, nomeadamente da parte de quem tem dinheiro e/ou poder.

Também é injusto, em minha opinião, punir uns países e outros ficarem isentos de punição, quando os problemas climáticos são globais e têm de ser atacados em rede, e quando o TEDH e o TIJ não são cabazes de punir os grandes lóbis que zelam os poderosos interesses instalados em todo o Mundo, a começar pelos países mais pobres e/ou mais dependentes.

É, no entanto, urgente combater as alterações climáticas e zelar pela preservação do planeta, todos cumprindo a sua parte. Porém, embora se compreenda e aceite a revolta das novas gerações por verem o seu futuro ameaçado, não lhes é lícito protagonizar ações que, em vez de intensificarem a ação climática, a descredibilizam. Refiro-me à aderência (tipo birra) a instalações, à exigência de demissões de governantes, a ataques pessoais, alguns deles exóticos. Em alguns casos, há falta de coerência. Por exemplo, não querem os combustíveis de origem fóssil, mas não dispensam o carro ou a moto e usam os plásticos.   

E imaginem a hecatombe histórica, se nós quiséssemos fazer um juízo, ainda que meramente histórico (mas com algumas consequências), sobre os desleixos dos nossos antepassados, que nos dificultaram o presente, com surtos de fome, de peste e de guerras (as guerras são o elemento mais danoso para o planeta)!

2023.09.29 – Louro de Carvalho

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