quarta-feira, 27 de setembro de 2023

História e rostos do Sínodo dos Bispos

 

O padre jesuíta Giacomo Costa, num artigo publicado no L’Osservatore Romano, revisita a evolução da assembleia dos bispos, desde a ideia inicial de São Paulo VI, há cerca de 60 anos, até à nova conceção de Francisco, a espelhar na próxima assembleia, em outubro próximo.

O Sínodo dos Bispos nasceu, em 1965, por iniciativa de Paulo VI, com o “Motu proprio” Apostolica sollicitudo, que o definiu como “um conselho permanente de Bispos para a Igreja universal”. Assim, deu sequência a uma solicitação do Concílio Vaticano II, que estava quase no a chegar ao seu termo, especialmente durante o debate sobre a colegialidade. Desde então, Paulo VI estava ciente de que o Sínodo mudaria com o tempo. De facto, no “Motu proprio”, o Papa escreveu: “Como toda instituição humana, com o passar do tempo ele será aperfeiçoado.”

Casos houve, após o pontificado de Paulo VI, em que o documento final da assembleia sinodal e, obviamente, a exortação apostólica pós-sinodal subsequente pouco retinham do que os bispos haviam refletido. A Cúria Romana tendia a sobrepor-se à assembleia. Bento XVI e Francisco optaram pelo respeito pela assembleia sinodal.    

A evolução do Sínodo andou de mãos dadas com a receção progressiva do Concílio, em particular com a visão eclesiológica em que está enraizada a relação entre o povo de Deus, o colégio dos bispos e o Bispo de Roma. O Papa Francisco deu expressão a esta realidade, por vezes esquecida ou subalternizada, refletindo sobre a dimensão sinodal constitutiva da Igreja por ocasião do quinquagésimo aniversário da instituição do Sínodo (2015): “Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, [...] uma escuta mútua na qual cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: um ouvindo o outro; e todos ouvindo o Espírito Santo.”

Em 2018, a constituição apostólica Episcopalis communio prossegue na linha de aperfeiçoamento do Sínodo: de evento pontual – assembleia de bispos dedicada a tratar de uma questão – transforma-o num processo articulado em várias etapas, em que toda a Igreja e todos na Igreja são convidados a participar. Foi sobre esta base renovada que se concebeu o processo do Sínodo 2021-2024, intitulado “Por uma Igreja Sinodal. Comunhão, participação, missão”. Isso explica a sua articulação, que é muito mais complexa do que a dos sínodos anteriores.

Esta articulação previu uma longa fase de consulta e de escuta do povo de Deus em todas as Igrejas do Mundo, que ocorreu em várias etapas: começou a nível local (paroquial e, depois, diocesano), passou para o nível das conferências episcopais nacionais e terminou com o nível continental. Neste processo, a escuta tornou-se uma oportunidade de encontro e de diálogo, dentro de cada Igreja local e entre as diversas Igrejas locais, especialmente entre as que pertencem à mesma região, e ao nível da Igreja universal, graças também aos estímulos do Documento preparatório e do Documento de trabalho para a etapa continental, elaborados pela Secretaria-Geral do Sínodo, em particular, com base nos elementos colhidos na escuta do povo de Deus.

A dinâmica eclesial a nível continental, que este sínodo enfatiza, encontra inspiração no Concílio Vaticano II, particularmente no decreto Ad gentes, que afirma no n.º 22: “É, portanto, desejável, para não dizer sumamente conveniente, que as conferências episcopais se reúnam dentro de cada vasto território sociocultural, a fim de poderem realizar esse plano de adaptação em plena harmonia entre si e na uniformidade das decisões.”

E a fase de discernimento, tarefa que cabe, em primeiro lugar, aos pastores, acentua o seu caráter processual, graças ao facto de a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos ser realizada em duas sessões, intercaladas com um tempo para os devidos aprofundamentos e, sobretudo, para interpelar, de novo, o Povo de Deus.

A maior articulação do processo reflete-se na composição da assembleia sinodal e influencia-a. Ela mantém o seu caráter episcopal fundamental, já que três quartos dos seus membros são bispos, a que se juntam sacerdotes e diáconos, religiosos e religiosas, leigos e leigas, escolhidos entre os/as que se comprometeram mais intensamente com as várias etapas do processo sinodal. A sua tarefa é levar o testemunho e a memória da riqueza do processo para a assembleia responsável pelo discernimento.

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A primeira sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo 2021-2024 (com 464 participantes, segundo os últimos dados), que se realizará em outubro próximo, é definida pelo padre Giacomo Costa S.I., secretário especial da Assembleia Sinodal, como um tempo de mudanças na continuidade. Vamos aguardá-las.

Com efeito, estamos perante um Instrumento de Trabalho diferente, que serve de ajuda prática para trabalhar em conjunto, com base em tudo o que foi feito nas assembleias continentais.

O Sínodo dos Bispos tem evoluído, nos últimos anos, e a Episcopalis communio, que, pela primeira vez, será aplicada na íntegra num sínodo, desempenha um papel importante nesta dinâmica.  O n.º 7 deste documento torna claro que “o processo sinodal tem o seu ponto de partida e também o seu ponto de chegada no Povo de Deus, sobre o qual devem ser derramados os dons da graça infundidos pelo Espírito Santo, através da assembleia dos Pastores”.

Neste processo sinodal, foram levantadas algumas questões: Como é que este “caminhar juntos” que permite à Igreja anunciar o Evangelho, de acordo com a missão que lhe foi confiada, está a ser realizado, hoje, a vários níveis (do local ao universal)? Que passos é que o Espírito nos convida a dar para crescermos como Igreja sinodal?

É um processo em que o trabalho se baseia nos temas que emergiram da escuta do Povo de Deus, apresentados no Instrumentum Laboris (Instrumento de Trabalho) e recolhidos em documentos anteriores. Por isso, o trabalho da Assembleia pretende ser um caminho de oração, de discernimento espiritual, porque o verdadeiro protagonista é o Espírito Santo.

O processo começa a 30 de setembro, com a Vigília Ecuménica de Oração, a que se segue um retiro de três dias e a missa de abertura, a 4 de outubro. Durante os trabalhos da assembleia, acompanhados por momentos de oração e por celebrações litúrgicas, o ponto de partida será uma experiência integral que ajudará, ao longo de quatro dias, a ter uma visão global do que é uma Igreja sinodal, o que constitui o primeiro segmento. Durante 13 dias, de 9 a 21 de outubro, serão trabalhados os três temas prioritários para a Igreja sinodal: comunhão, missão, participação, designados segmentos 2, 3 e 4. Finalmente, surgirá o segmento 5, que será o momento das conclusões e propostas, de 23 a 28 de outubro, com a missa de encerramento, a 29 de outubro.

O objetivo é aprofundar as caraterísticas e os comportamentos fundamentais de uma Igreja sinodal, a partir da experiência do caminho em conjunto vivida pelo Povo de Deus. Por outras palavras, o objetivo é identificar passos práticos significativos a dar, para crescer como Igreja sinodal, através do discernimento sobre os três temas prioritários que emergiram da consulta ao Povo de Deus. Trata-se de perguntar como ser mais plenamente sinal e instrumento de união com Deus e com os outros, como partilhar dons e tarefas ao serviço do Evangelho e como procurar as estruturas e instituições necessárias numa Igreja sinodal missionária.

Ao apresentar a dinâmica de cada segmento, o secretário especial da Assembleia Sinodal disse que cada segmento seguirá o mesmo padrão, ajudando a construir consenso, sem esconder as diferenças. Para tal, haverá uma introdução em que se contextualiza a realidade através de testemunhos e de contributos bíblicos, um trabalho em grupos linguísticos, utilizando o método da conversa no Espírito, sessões plenárias, onde se fará a síntese do trabalho realizado nos grupos, com um debate aberto e uma recapitulação nos grupos, com base nos frutos recolhidos em plenário, que ajudarão a formular um relatório final com propostas para os próximos passos.

Este trabalho será efetuado com base em fichas de trabalho, começando por uma breve contextualização, enquadrada pelas reflexões decorrentes da consulta ao Povo de Deus. Para o efeito, serão propostas algumas intuições e questões que articulam várias perspetivas, dimensões e níveis. Trata-se, segundo o padre Costa, de “amassar a experiência e a Palavra de Deus para descobrir o que o Espírito está a dizer”. Não se trata de uma assembleia parlamentar que discute qual o partido ou a proposta vencedora, esgrimindo acutilante argumentação contra as ideias adversas, nem se trata de um tribunal de doutrina a lançar anátemas contra hereges.  

Quanto às conclusões e propostas, ficou estabelecido que o resultado não será um documento final, porque esta é a primeira sessão. Ao invés, surgirá um novo documento para devolver o que foi trabalhado em toda a Igreja e para ver como aprofundar o que saiu da assembleia, seguindo o disposto na Episcopalis conmunio, que afirma que “o consensus Ecclesiae não é dado pela contagem dos votos, mas é o resultado da ação do Espírito, a alma da única Igreja de Cristo”. Por isso, “ou ganhamos todos ou não ganha ninguém”, pois é inútil formular de qualquer maneira, se a formulação não refletir o consenso.

Aos participantes na Assembleia Sinodal em representação das Igrejas da América Latina e do Caribe, o secretário especial salientou a sua grande responsabilidade, “porque têm, aqui, uma experiência continental única de Igreja sinodal”. Daí a importância destes dias de encontro, que ajudam a tomar consciência dos dons da Igreja na América Latina e no Caribe, a reconhecer os dons das outras Igrejas e a aprender a caminhar juntos. O objetivo é ajudar toda a Igreja a crescer como Igreja sinodal missionária.

Será uma Assembleia sinodal em que a conversação no Espírito desempenha um papel fundamental e que Mauricio López vê como a práxis do discernimento. Nesta metodologia, vê a necessidade de uma atitude orante, que ajude na busca progressiva do que o Espírito nos está a dizer. Reconhecendo que não é um método perfeito, o padre Costa insiste que o passo mais importante é passar do “eu” para o “tu”, para descobrir, no que os outros partilharam, a presença do Espírito, o que dá lugar à procura do “nós”, do sentimento comum de cada grupo, da presença do Senhor em cada um dos grupos, algo que será realizado durante estes dias como preparação para o que será vivido em outubro.

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Enfim, que o Sínodo seja a maior assembleia que se reúne, em outubro, no Mundo. Que a oração dos participantes e de toda a Igreja em união com eles, a capacidade de escuta e a força lúcida do discernimento se tornem um poderoso mecanismo de revivificação da Igreja e um precioso contributo para a paz e para a fraternidade, que teimam em não sair dos papéis.

2023.09.27 – Louro de Carvalho

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