segunda-feira, 25 de setembro de 2023

O governo discutiu o Orçamento do Estado com os parceiros sociais

 

A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o ministro das Finanças reuniram-se, a 25 de setembro, com os parceiros sociais, para discutirem propostas de patrões e de sindicatos para o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), bem como para serenarem os ânimos dos patrões, após o desconforto pela negociação direta entre o governo e a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), para viabilizar o pacote de medidas do Pacto Social.

A União Geral de Trabalhadores (UGT) foi a primeira entidade a reunir-se com Ana Mendes Godinho, às 11 horas da manhã. E a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGTP) apresentou, pelas 19 horas, a fechar o dia, um pacote reivindicativo que vai além do OE2024. Entre um encontro e o outro, Ana Mendes Godinho reservou a tarde para os patrões, que foram ouvidos, em conjunto, no Ministério das Finanças, com a presença de Fernando Medina.

No encontro discutiu-se o conjunto de 25 medidas para o OE2024, propostas conjuntamente pelas confederações empresariais representadas no Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP). A reunião ocorreu depois de Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES), ter procurado sanar o desconforto gerado pelas negociações entre a CIP, a UGT e o governo, à margem da concertação social, para viabilizar um Pacto Social.

Foram dias tensos entre as confederações patronais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS). Uma semana depois de ter recolhido 25 propostas das quatro confederações patronais representadas na CPCS – a CIP, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) –, o governo agendou várias reuniões com a CIP para trabalhar a proposta de Pacto Social. Além da primeira reunião em que a CIP apresentou a sua proposta, foram agendadas mais duas reuniões técnicas (entretanto desmarcadas) com equipas do governo, entre elas a das Finanças, para afinar os detalhes técnicos de algumas medidas que estariam a colher maior adesão entre os membros do Executivo.

À saída da reunião de apresentação, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social chegou a admitir aos jornalistas que continuaria a trabalhar com a CIP para identificar as medidas que poderiam já ser incluídas no OE2024.

Na verdade, os indícios de negociação paralela à concertação social causaram desconforto entre os vários parceiros sociais e no presidente do CES, que, em mensagem de Whatsapp ao grupo da CPCS, pediu “um “rápido e cabal esclarecimento” do processo, recordando aos parceiros sociais que “o país dispensa mais um espetáculo de degradação institucional”.

A reunião entre a CIP e o Executivo, que chegou a estar agendada para o dia 22 de setembro, foi desmarcada, sendo o CNCP convocado para uma reunião, no dia 25, com Ana Mendes Godinho.

Mais tarde, Francisco Assis garantiu que o assunto estava resolvido, depois de ter assumido que que “havia a perceção de que estava a existir uma negociação paralela à concertação social”, um caminho que “poderia ser perigoso”. O presidente do CES realçou que “o próprio presidente da CIP deu a garantia de que não havia qualquer intenção de tratar este tema fora da concertação social”, assegurando que é lá que ele “continuará a ser tratado a partir de agora”.

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Efetivamente, o CNCP apresentou, na tarde de 13 de setembro, ao ministro das Finanças, um conjunto de propostas para o OE2024, sendo as prioridades a simplificação e o alívio fiscal.

João Vieira Lopes, presidente da CCP, já antecipava o que aí vinha. Admitindo a desilusão com o governo, defendeu a necessidade de reeditar o pacto fiscal de 2014, subscrito no governo de Passos Coelho, mas que António Costa suspendeu, em 2015, embora o acordo tenha contado com o compromisso de António José Seguro, que liderou o Partido Socialista (PS).

À semelhança do acordo de 2014, a redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) é um dos aspetos-chave, porque, alegadamente, ambientes fiscais mais favoráveis para as empresas, materializados na redução das taxas do IRC potenciam o crescimento económico, a criação de emprego e a atração do investimento. Por isso, os patrões defendem a redução da taxa normal do IRC para 17%, tal como constava no acordo de 2014, e para 15%, no caso da taxa aplicável às empresas pequenas e médias empresas (PME) e às empresas de pequena e média capitalização. Além do IRC, há medidas como a eliminação progressiva da derrama estadual, a aplicar, para já, apenas a empresas com lucro superior a cinco milhões de euros.

Do documento constam ainda medidas de alívio fiscal para as empresas e para os trabalhadores, bem como uma proposta de redução dos custos do trabalho. As propostas são como segue:

No atinente à suspensão e eliminação de obrigações fiscais, visto o número e a complexidade das obrigações fiscais serem excessivos, os patrões pedem: a criação de um grupo de trabalho que envolva a Autoridade Tributária (AT) e as empresas, para discutir a utilidade das atuais obrigações acessórias; a criação de planos B, mecanismos alternativos de cumprimento para o caso de o sistema rejeitar as declarações ou o de, por motivos técnicos, não se conseguirem cumprir os formalismos inerentes aos diversos procedimentos; a suspensão (até que o trabalho se conclua) da entrada em vigor de novas obrigações; a disponibilização da parte da AT de um responsável em cada um dos níveis dos serviços de finanças, que “dê a cara” pela AT e seja capaz de responder com autoridade aos sujeitos passivos ou aos seus representantes.

A circulação de mercadorias com exigência prévia de comunicação dos documentos de transporte, da atribuição de código da AT e de outros similares cria encargos administrativos significativos e o levantamento de autos por incumprimento de requisitos formais, sem efeito na prevenção da fraude”. Por isso, os patrões querem a reavaliação do regime de bens em circulação.

O código do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) foi alterado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, para obstar a que, em processos de regularização inferiores a 10 mil euros, intervenha um revisor oficial de contas (ROC), evitando custos de contexto. Porém, exige que o faça um contabilista certificado independente, e não o contabilista da empresa. Assim, os patrões querem o trabalho feito por contabilista certificado, para evitar a contratação de serviços externos.

A Portaria n.º 126/2019, de 2 de maio, obriga à comunicação dos ativos biológicos (animais ou plantas vivas), sem qualquer norma que habilite o governo a impor tal comunicação. Por isso, propõe-se que a comunicação dos inventários valorizados se aplique só às “entidades que utilizam o sistema de inventário permanente” e que, até à revisão das obrigações fiscais proposta, sejam mantidas as regras que vêm sendo seguidas com referência a 2020, sendo excluídos os ativos biológicos, atendendo à sua especificidade e natureza.

A crise habitacional é premente. Com os preços dos imóveis a aumentar, o IVA pode ter peso relevante no preço final. Por isso, o CNCP pretende a revisão dos casos em que é aplicável a taxa reduzida do IVA, alargando-a às empreitadas da construção civil para a habitação.

Porque ambientes fiscais mais favoráveis para as empresas materializados na redução das taxas do IRC potenciam o crescimento económico, o emprego e o investimento, o CNCP recupera o tema da redução progressiva da sua taxa: para 17% e para 15%, como enunciado acima. E propõe, no atinente à derrama estadual, que se inicie o processo de reversão do seu aumento, de modo a abranger só as empresas com lucro superior a cinco milhões de euros.

Os patrões propõem a eliminação das tributações autónomas, que representaria, por si só, uma redução da taxa efetiva de tributação sobre as empresas de quase 2%. Voltam, assim, a pôr em cima da mesa a sua extinção, passando estas, enquanto não for possível a atualização da tabela, por razões orçamentais, a incidir apenas sobre os encargos dedutíveis.

Como Portugal integra o leque dos países onde os custos fiscais com a mão-de-obra – relação entre o imposto sobre o rendimento suportado acrescido dos encargos sociais do trabalhador e o custo total com a mão-de-obra suportado pelo empregador –, são mais elevados, 41,9% (quando a média da OCDE é de 34,6%), os patrões querem a redução da tributação em imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), para aumentar o rendimento líquido das famílias.

O CNCP propõe alargar a todos os contratos, independentemente da data da celebração, a dedução dos juros de empréstimos com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente.

A Lei n.º 21/2023, de 25 de maio, estabelece um regime mais favorável de tributação das stock options (remuneração por entrega de ações da empresa ou direito à sua aquisição) no quadro das startups. E os patrões defendem que deverá ser de aplicação transversal a todos os sujeitos passivos de IRS.

Por exemplo, no subsídio de transporte, os patrões propõem a atualização, para 2024, dos limites até aos quais estas atribuições não são tributadas e a primeira fixação de um valor isento por compensação por teletrabalho. E querem um regime de atualização automática desses limites, por indexação a um indicador a estabelecer (v.g. taxa de inflação).

Em alguns setores de atividade, como a agricultura, é comum garantir-se habitação gratuita (essencial para a fixação de mão de obra). Os patrões consideram que esta matéria é, no quadro da atual crise habitacional, cada vez mais transversal, designadamente no emprego de jovens que enfrentam as maiores dificuldades em se fixarem, pelo que se justifica a reflexão sobre o regime fiscal destas atribuições, consideradas para efeitos fiscais “rendimentos em espécie” sujeitos a tributação. Por isso, sugerem a suspensão desta regra.

Os patrões querem a redução de 1% da taxa contributiva global (agora, de 34,75%, cabendo 23,75% ao empregador e 11% ao trabalhador), no respeitante ao empregador. E, para a medida não ter impacto no orçamento da Segurança Social, é de equacionar a sua compensação com a transferência de um montante equitativo da receita do IVA.

As confederações patronais sugerem que o limite de enquadramento no regime simplificado, para os trabalhadores independentes, seja atualizado de 200 mil euros anuais para 250 mil euros.

O incentivo fiscal à valorização salarial está enquadrado no Orçamento do Estado para 2023, mas os patrões consideram que a sua aplicação depende de uma série de regras e limitações, que o transformam numa mão cheia de nada, pelo que propõem a sua simplificação, alterando o limite absoluto de dedução para oito vezes a Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG), que é, agora, de quatro vezes, e alargando o âmbito de aplicação a todos os tipos de contratos.

Os patrões sustentam que o adicional ao IMI só se justifica enquanto agravamento da tributação do património não empresarial. Pedem, por isso, a revisão do âmbito da sua incidência, por forma a excluir os prédios que tenham uma afetação empresarial.

Face ao contexto global de incerteza e à iminência de recessão económica, o CNCP considera que é fundamental, para o país, existir incentivo forte ao investimento, semelhante ao incentivo fiscal à recuperação (o CFEI II). Assim, sugere a criação de um benefício fiscal, a vigorar durante todo o ano de 2024, com regras semelhantes ao CFEI II.

No domínio da capitalização das empresas, há três benefícios fiscais relevantes. As confederações empresariais julgam necessário rever o que existe e ampliar o leque de incentivos.

O CNCP pede a eliminação da penalização fiscal às aquisições pelo valor real das empresas e a possibilidade da amortização, para efeitos fiscais, do goodwill financeiro nas operações de investimento em participações sociais em empresas até um máximo de 5% ao ano.

A atual redação do Código do IVA exclui a aquisição de gasolina do direito à dedução do imposto, ao invés do que sucede com o gasóleo (na proporção de 50%). Considerando os fatores ambientais e o anúncio de vários fabricantes de automóveis de que os motores a diesel serão descontinuados, propõe-se a alteração do Código do IVA, com a dedução do IVA da gasolina.

O CNCP propõe que a compensação com créditos sobre o Estado, de natureza não tributária de que o contribuinte seja titular, possa ser efetuada, se a dívida correspondente a esses créditos for certa, líquida e exigível, apenas mediante requerimento à AT.

Para reduzir a litigância, acelerar a resolução das situações pendentes e libertar os recursos da AT afetos a estes processos, os patrões defendem um regime de regularização das dívidas referentes a processos que estejam em contencioso e que tenham tido origem em liquidações adicionais ou oficiosas notificadas até junho de 2023, em prestações mensais até 15 anos. E sugerem que a adesão ao processo de regularização anule juros compensatórios e os juros de mora vencidos.

“Face à frequência com que a administração fiscal “dispara” informaticamente despachos de reversão fiscal, sem avaliar a culpabilidade dos gerentes, deve ser revisto o correspondente regime”, dizem os patrões, sendo o objetivo, por exemplo, fazer recair sobre a administração fiscal o ónus de prova da existência de culpa na atuação dos administradores.

A penhora de créditos é um dos instrumentos que a AT usa para obter o pagamento da dívida do executado, impondo à empresa que recebe a notificação o ónus de identificar os créditos existentes, podendo, em caso de omissão, constituir-se como devedora deles. O CNCP defende que os créditos a penhorar sejam os reconhecidos como tal na contabilidade, à data da notificação, e que se elimine a obrigação de penhora de créditos futuros, por um ou mais anos.

Por último, os patrões propõem que a limitação do direito à dedução, por incumprimento de requisitos formais, ou das regras de inversão só se verifique, se o imposto não tiver sido entregue nos cofres do Estado pelo transmitente dos bens ou pelo prestador de serviços.

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João Vieira Lopes referiu a boa abertura do governo para várias áreas, nomeadamente as atinentes à capitalização de empresas, com tributações autónomas, algumas medidas que têm a ver com impostos em termos de combustíveis e as medidas de simplificação administrativa. Ficou agendada, ainda para a semana em curso, uma reunião do grupo com os técnicos das várias confederações para se discutir com o governo “a possibilidade de aplicação de algumas propostas ou em fases intermédias ou de uma só vez”. Porém, o governo não mostrou abertura para  o que envolva baixas de taxa social única (TSU) ou baixas nominais de IRC.

Por sua vez, Ana Mendes Godinho considerou que a reunião com as confederações patronais “foi muito produtiva”, indicando que foram analisadas “todas as propostas apresentadas”, num “caminho de construção do OE2024“, seguindo-se agora “mais reuniões técnicas”.

Percebe-se que o governo resista a desagravar o capital e alivie o peso fiscal sobre as famílias.

2023.09.25 – Louro de Carvalho

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